Paróquia Santo Amaro

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ID: 362

Mateus 20.1-16

Prédica

31/10/2004


São Paulo, 31 de outubro 2004

Tema: Quem é meu próximo?


Prezada comunidade evangélico-luterana de São Paulo!

Inicio com uma calorosa saudação. Não é a primeira vez que me encontro em visita a esta comunidade, mas me alegro com a possibilidade de estar de volta e de concelebrar o “Dia da Reforma”. Agradeço pelo convite e desejo-lhes graça e paz da parte de Deus nosso Pai e do Senhor Jesus Cristo. Amém

Fui solicitado a colocar minha mensagem sob o tema: Quem é meu próximo? E com efeito, no mundo globalizado, no pluralismo da sociedade moderna, numa metrópole como esta a pergunta adquire nova qualidade. O “próximo” está na iminência de sucumbir no anonimato e de perder a fisionomia concreta. Como dizia Mário Quintana: “O excesso de gente impede de ver as pessoas.” Em parte alguma pode ser tamanha a solidão como justamente na massa, onde o próximo se torna o distante, desconhecido, estranho, concorrente, possível ameaça. Que significa amor ao próximo nessas condições? Vou tentar trazer algumas reflexões a esse respeito.

Nós sabemos que a pergunta tem uma história. Um rabino, um escriba, a dirige a Jesus, ao que este conta a parábola do bom samaritano. No final, a pergunta é invertida: Quem dos três, sacerdote, levita e samaritano, tem sido o próximo daquele que tinha caído nas mãos dos assaltantes? Ora, é claro! Foi o samaritano que prestou primeiros socorros à vítima da violência. Então, não cabe fazer especulações sobre a identidade dos meus eventuais próximos. O que importa é simplesmente abrir os olhos, enxergar necessidades e mobilizar ajuda. Quem é meu próximo, isto se define pelo grau de necessidade de uma pessoa e pelos recursos que tenho para auxiliar. É lógico que não posso ajudar a todo o mundo. Devo colocar prioridades. É assim como no caso do médico: Deve dar tratamento prioritário aos casos de maior urgência. Ou então, lembro a mãe que naturalmente dará atenção privilegiada ao filho doente, o que não significa em hipótese alguma desconsideração dos outros.

Quero destacar o quanto isto é importante. A quantidade de gente ao nosso redor, nas ruas, nos supermercados, nas escolas, e mesmo na Igreja não é absolutamente desculpa para não descobrir gente com a qualidade de “próximos”. Não preciso abraçar todo o mundo. Jesus também não conseguiu. Mas perceber “casos” em que eu me vejo particularmente desafiado a agir, é isto o que importa. De repente uma pessoa se me torna “próxima”, emerge do anonimato, cruza o meu caminho. Ela nem sempre me será simpática. Seja lembrado que amor cristão não deve ser confundido com sentimentalismo. É amor sóbrio, uma questão da vontade que quer o bem da outra pessoa, sim, até mesmo do inimigo. Existe gente que nega a existência de Deus – o que conforme a Bíblia é sinal não de inteligência mas de estupidez. Não menos grave, porém, é a negação da existência do próximo. É um problema muito sério. Gente que não enxerga necessidade alheia, que percebe apenas ameaça, perigo, concorrência, inimizade, que de tanto proteger-se a si mesma deixa de socorrer, bem assim como o fizeram o sacerdote e o levita na parábola de Jesus. Eu repito: Negar a existência do próximo é tão grave como negar a existência de Deus.

Acho dizer nada demais se constato terrível déficit público de amor ao próximo em nossa sociedade. Parece prevalecer o cinismo que diz: Cada um por si, e Deus por todos. Não, não é esta a lei maior, o resumo da vontade de Deus. O supremo mandamento é outro, é o do amor a Deus e ao próximo. Quero sublinhar estar proibido nivelar o amor a Deus e aquele ao próximo. Não são a mesma coisa. Pois o próximo não é Deus. Não merece nem adoração nem culto nem a nossa fé. O próximo é uma pessoa humana, com falhas, às vezes cabeçuda. Ninguém é perfeito. O amor a Deus exige que reservemos o culto a ele, e somente a ele. Devemos temer e amar a Deus e confiar nele acima de todas as coisas, disse Lutero na explicação do primeiro mandamento. O próximo é, isto sim, meu semelhante, meu irmão e minha irmã. Sou chamado a lhe servir com meus dons, a lhe socorrer com meus recursos, a lhe melhorar a qualidade de vida. Está aí um enorme campo de trabalho, um fabuloso mandato que eu iria caracterizar como “semear a alegria”. Amar o próximo é isto: Ajudar-lhe a ser alegre. Dar-lhe razões para tanto. O reino de Deus é justiça, paz e alegria, diz o apóstolo Paulo. Vamos nos tornar colaboradores de Deus e levar um pouco mais de luz, calor, alegria aos outros, ao nosso cotidiano. Nós mesmos seremos com isto abençoados.

Dito isso, porém, permito-me chamar a atenção a mais outra dimensão da questão do próximo, nem sempre suficientemente considerada. Para tanto me valho do texto previsto para a prédica neste domingo, dia da Reforma, conhecido como a parábola dos trabalhadores na vinha. Eu leio o texto Mateus 20.1-16:
......
Pois é! À primeira vista o texto nada diz com respeito ao tema do próximo. O dono de um grande parreiral, em época de colheita, contrata diaristas, em horários diferentes, e depois paga a todos o mesmo salário. É um procedimento estranho. Empresário cristão, se seguisse este exemplo, muito em breve deveria declarar a falência da firma. Além disto, é assim que se estimula a preguiça. Se não faz diferença trabalhar 12 horas ou uma única só, é claro que vamos preferir o caminho do menor esforço. Mas não é isto o que Jesus quer dizer. Um denário, isto era sinônimo da subsistência para um dia. Passar o dia desempregado, portanto sem este salário, isto significava fome. O dono é bondoso, diz Jesus. Não quer que aqueles homens e suas famílias sofram miséria. Por isto dá a todos um denário sem levar em conta o tempo de trabalho.

Também este aqui é um caso de amor ao próximo, diria eu, embora em outro nível, outra esfera. Tem a ver com relações de trabalho. Aquele dono dificilmente conhecia o pessoal contratado. Ele manda fazer os negócios através do capataz. Mas uma coisa ele sabe: Pessoal desempregado passa miséria. E ele resolve o problema à sua maneira. Como eu já disse: Imitar seria perigoso. Jesus não quer dar nenhuma receita econômica. O que ele quer é sensibilizar para necessidades humanas. Aquele patrão enxerga nos operários não apenas força de trabalho, braço descartável, material humano. Ele os trata como “gente”, dando-llhes o sustento mesmo sem a produção correspondente. Não admite a mínima dúvida que Jesus tem em vista Deus. Assim como aquele proprietário da vinha, assim Deus trata a sua criatura. Justifica por graça, não por méritos, como bem insistiram os reformadores, razão para sermos gratos a Deus, louvar o seu nome e nos tornar ativos no cumprimento de sua vontade. Mesmo assim, a parábola é interessante também no que diz respeito a realidade econômica, tanto daquela época como também da de hoje. Vejamos.

Amor ao próximo não pode conformar-se com a miséria seja na vizinhança, seja em regiões longínquas. Isto uma vez por motivos de consciência. Não podemos deixar de amar o que Deus amou, e ele amou o mundo ao ponto de por ele ter dado seu filho unigênito, como lemos no evangelho de João. Então, permanecer apático frente ao sofrimento alheio, não dá. Não é este o jeito de Deus, Pai de Jesus Cristo. Reagir é uma questão de fé. Ao mesmo tempo, porém, é uma questão de sabedoria. Pois na miséria está a principal raiz da violência, do terror, da desgraça. Para não ser mal interpretado: Não é a pobreza que gera a violência. Entre os criminosos de nosso planeta existem muitos que são de família rica. Não, o que gera a violência é a falta de perspectivas, de esperança, é a violação da dignidade humana. O problema é complexo, eu sei. Limito-me a mencionar a questão do desemprego, problema este que está em evidência nesta parábola. É um dos grandes flagelos da humanidade neste início do terceiro milênio. Onde é que estão os “donos” de vinha que procuram solução?

Nós individualmente não o podemos. Mas quero lembrar o exemplo de M. Lutero. Entre seus grandes escritos está um que dirigiu “À nobreza cristã da nação alemã, acerca da melhoria do estamento cristão”. É um escrito “político” endereçado às autoridades de seu tempo, exigindo uma série de “melhorias” na sociedade. Assim também nós luteranos hoje. Como Igreja não somos especialistas em economia ou política. Mas nós insistimos junto aos especialistas e às autoridades para que procedam às reformas necessárias, para que sejam criativos na busca de soluções, para se empenhar na eliminação dos flagelos que fazem o povo sofrer e que respondem pelo menos em parte para a onda de violência que nos assusta. Não só insistimos, como também contribuimos. De qualquer maneira rogamos: Por amor de Deus, não deixem o barco correr.

Prezada comunidade! Não há nada mais sábio do que amar o próximo. Quem o faz, vai estar preparando a paz. Não existe nada mais estúpido do que o desinteresse no bem comum ou o desejo de vingança. Mais uma vez, não há nada mais importante do que ensinar o amor, pois é disto de que o ser humano precisa para ser realmente humano. O próprio Deus dá o exemplo. Resgata o mundo por seu amor. Ele mesmo se tornou próximo em Jesus Cristo. E nos conferiu este magnífico mandato, a saber de espalhar amor por este mundo afora, curando feridas, reconciliando inimigos, aliviando sofrimento e, com tudo isto, multiplicando a alegria no convívio das pessoas. Que Deus nos ajude!

Amém
 


Autor(a): Gottfried Brakemeier
Âmbito: IECLB / Sinodo: Sudeste / Paróquia: Santo Amaro (São Paulo-SP)
Natureza do Domingo: Dia da Reforma

Testamento: Novo / Livro: Mateus / Capitulo: 20 / Versículo Inicial: 1 / Versículo Final: 16
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Prédica
ID: 13954

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O amor ao próximo não olha para o que é próprio. Também não olha se a obra é grande ou pequena, mas considera apenas a sua utilidade e a necessidade para o próximo ou para a Comunidade.
Martim Lutero
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Quando eu sofro, eu não sofro sozinho. Comigo sofrem Cristo e todos os cristãos. Assim, outros carregam a minha carga e a sua força é também a minha força.
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