Geralmente aqui neste mundo é assim: Quando o povo está passando por um momento de grande sofrimento em sua história, espera-se um “salvador da pátria”. Que venha alguém forte e poderoso para mudar a situação. Assim também era na época do profeta Isaías. As coisas estavam difíceis. Havia muito sofrimento. A esperança era de que viesse alguém forte e poderoso para devolver a vida, a paz, a liberdade e a felicidade ao povo sofrido de Israel. O profeta Isaías, então, anunciou a vinda de um salvador. Só que este salvador, conforme o profeta, é um humilde servo. Este servo não grita, nem impõe e nem faz discursos pelas ruas como fazem os poderosos deste mundo. Ele não vem para ser servido, mas para servir. Ele mesmo precisa ser fortalecido por Deus para cumprir a sua missão de servir. E a sua missão é cuidar dos que sofrem. Seu esforço será o de não permitir que o galho, já quebrado, seja completamente esmagado. Sua missão é não permitir que a luz, já fraca, se apague completamente. Ele vem para alentar a esperança. Ele vem para fortalecer as pessoas fragilizadas. Ele vem para dar resistência aos enfraquecidos. Pois nisto consiste a vontade de Deus: livrar e salvar a quem está no mais profundo poço do sofrimento. E assim esta missão salvadora do servo trará alegria ao coração de Deus. É esta a mensagem profética que Isaías anuncia.
A comunidade cristã reconhece que este servo sofredor, anunciado pelo profeta Isaías, é Jesus Cristo. E é para este servo sofredor, Jesus Cristo, que nós voltamos o nosso olhar nesta quinta-feira da semana da paixão.
Dois acontecimentos são especialmente lembrados na quinta-feira santa: o lava-pés e a instituição da Ceia do Senhor. Na noite em que Jesus foi traído ele lavou os pés dos discípulos e, com eles, celebrou a última ceia. Nestes dois episódios se concretizou aquilo que foi anunciado pelo profeta Isaías acerca do servo sofredor que vem para salvar quem já está quebrado e que vem reacender o que já está se apagando.
Dá para se imaginar como o grupo dos discípulos estava fragilizado. Vivenciava-se, naquela noite, um clima de traição, de perseguição e de morte. Jesus tinha prevenido os discípulos muitas vezes de que era necessário que o Filho de Deus, o Salvador do mundo, enfrentasse o caminho do sofrimento e da morte (Mt 16.21). E agora, nesta noite trágica, muitos sonhos de vitória e de glória que povoavam a alma ferida dos discípulos, estavam indo morro abaixo. Os seguidores de Jesus eram um galho quebrado e uma luz que estava se apagando. Nesta situação, a promessa do profeta Isaías foi cumprida por Jesus, o Servo Sofredor.
Lavando os pés dos discípulos e instituindo a Santa Ceia, ele estava fazendo a alegria do Pai, pois estes dois atos não apenas fortaleceram o grupo dos doze apóstolos que estavam próximos a Jesus naquela noite, mas continuam alentando a esperança e a fé do povo de Deus de todos os tempos e de todos os lugares, reacendendo, sempre de novo, a capacidade para resistir e para lutar em meio aos sofrimentos, angústias e medos. O lava-pés e a Santa Ceia são instrumentos de Deus para evitar que o galho quebrado seja esmagado e que a lâmpada apenas fumegante se apague.
O lava-pés nos ensina o valor da humildade e do serviço de uns pelos outros. Entre os que sofrem, a solidariedade e o cuidado de uns pelos outros é essencial. Quantas vidas já foram salvas porque se exercitou a diaconia! Quantas pessoas resistiram na luta porque houve solidariedade e ajuda mútua. Na história da igreja luterana no Estado do Espírito Santo a solidariedade esteve muito presente. Quando uma família entrava em dificuldades por causa da doença ou da morte de um membro da família, a vizinhança se ajuntava para ajudar aquela família. Eram organizados os mutirões, ou os assim chamados “ajuntamentos”, para a preparação da roça ou para a colheita do café na propriedade daquela família em apuros. Estas iniciativas de solidariedade salvaram muitas famílias da fome, da miséria e da morte. Qualquer iniciativa que promove a vida e capacita para a resistência em meio aos sofrimentos podemos chamar de lava-pés. Depois de lavar os pés dos seus discípulos naquela noite tenebrosa, Jesus falou: “Se eu, sendo o Senhor e o Mestre, vos lavei os pés, também vós deveis lavar os pés uns dos outros” (Jo 13.14). Exercitar a diaconia, praticar a solidariedade e a compaixão é lavar os pés uns dos outros.
A Ceia do Senhor desperta, possibilita e capacita para a vida em comunhão com Deus e com as pessoas. Ao participarmos da Santa Ceia experimentamos algo que é essencial para quem se encontra no vale escuro da sombra da morte e do sofrimento: num mundo que exclui, nós somos incluídos na comunhão com Deus e na comunidade de fé. Num mundo que só exige sacrifícios do povo sofredor, o próprio Deus se sacrifica por nós ao nos oferecer o seu corpo e o seu sangue no sacramento do altar. Isto liberta do medo, nos fortalece na caminhada e renova a nossa vida. Num mundo que condena e que julga, nós recebemos perdão e vivenciamos comunhão. O Servo sofredor, anunciado pelo profeta, vem a nós, na Santa Ceia, para curar o galho que está quebrado e para reacender a luz que está quase se apagando.
Que nesta semana da paixão possamos ser fortalecidos, reerguidos, alentados, consolados e reanimados para a vida. Porque o Servo Sofredor, enviado por Deus, está em nosso meio para lavar os nossos pés e para nos incluir na comunhão do povo santo de Deus.
Pastor Valdemar Gaede