Publicações no âmbito da Igreja



ID: 2957

Sinais do Sagrado no Cotidiano: Fé, Amor, Ação

07/06/2018

Sinais do Sagrado no Cotidiano: Fé, Amor, Ação

O que tem um profissional do cuidado do sofrimento emocional a dizer sobre o Sagrado?

O Sagrado é um componente da experiência humana total.

Chamamos de experiência humana total a vida vivida, não pensada ou planejada, mas da maneira como se dá para nós a cada dia, o que podemos chamar de cotidiano.

Ora, a percepção do que nos atinge/nos constitui a cada dia depende de nossa atitude total como seres humanos a cada momento. Essa atitude pode ser entendida como a posição em que nos colocamos dentro da vida vivida: olhamos o que acontece a nossa volta? Percebemos os seres humanos que vêm ao nosso encontro? Consideramos que haverá um amanhã? Temos consciência do que trazemos em nossa bagagem, como histórias, relacionamentos, marcas, experiências, traumas? Ou empurramos tudo para debaixo do tapete?

A atitude total que se põe disponível para o encontro com os vários elementos da vida vivida chamaremos de presença.

Estar presente num certo momento da vida vivida é diferente da mera presença física corporal/material. É estar disponível para todos os encontros que acontecem na experiência da vida: o encontro com o que o próximo produz em mim, a partir de seus sentimentos e comportamentos, o encontro com as emoções, lembranças e impulsos que acontecem quando estou em ligação viva com ele; o ambiente com suas cores, seus sons, os vestígios das histórias que aconteceram nesse local; o encontro com todas as manifestações da vida aí presentes; o encontro com o Sagrado.

Da mesma forma que existe a vida pensada e a vida vivida, falamos do Sagrado pensado e o Sagrado vivido, a Experiência do Sagrado.

Todos já ouvimos muito sobre o Sagrado Pensado: as confissões de fé, os acontecimentos como narrados no Antigo Testamento e nos Evangelhos; a existência de Deus como origem de tudo, seu gesto de amor enviando ao nosso mundo seu Filho Primogênito, nosso irmão mais velho.
Ouvimos sobre todos os símbolos e mitos que têm a propriedade de nos apontar o Sagrado.

Mas queremos agora falar do Sagrado Vivido: aquele momento onde cada um de nós sente a presença de Deus, e ao mesmo tempo a presença da própria alma, infinita, habitando um corpo finito, na finitude da circunstância presente.

Aquele momento paradoxal quando sentimos que Deus nos olha a partir de tudo a nossa volta e nos fala de dentro de nosso interior mais próximo. O momento da epifania, o acontecimento que propicia o fenômeno da fé.

Falamos aqui da fé como experiência extática do encontro com Deus dentro e fora de nós mesmos, quando somos abordados e ao mesmo tempo vamos ao encontro Dele.

Ora, somos Espírito encarnado em corpo humano, falível, limitado, finito.

Assim, o que transpõe o abismo entre toda essa finitude e o limiar do absoluto não é jamais um esforço cognitivo ou atitude existencial de nossa parte, mas a GRAÇA, presente de Deus que nos envolve e responde aos nossos pedidos mais autênticos, e que portanto necessita, para acontecer, de nosso movimento fundante de quem pede uma graça como quem pede um milagre, milagre esse que talvez seja a condição fundamental para o acesso do homem ao mundo de Deus e dos milagres, o Milagre da Fé.

Lembramos que aqui não chamamos de fé o ato racional de acreditar em algo, como acreditar que Deus existe, ou que seu filho morreu e ressuscitou após três dias.

Mais do que isso, aqui falamos da fé como a experiência imanente ao humano do Sagrado, da presença de Deus - sem barganhas, sem procedimentos protocolares, sem cálculos.

Não chamamos aqui de fé a tão humana convicção de que se eu for bom, ou rezar, ou comparecer aos cultos, ou mesmo se ler diariamente a Bíblia, Deus me PROTEGERÁ de qualquer infortúnio. Não. Falamos da PRESENÇA, da GRAÇA, AQUI E AGORA, do INFINITO como fagulha do sagrado em minha condição de FINITUDE e INDIGÊNCIA.

Os Evangelhos nos contam de inúmeras passagens onde não estamos disponíveis para o encontro com o Sagrado, e, portanto, não percebemos sua Presença.

Em Lucas 4.16, quando após voltar do deserto Jesus vai à sinagoga de sua vila, seus conterrâneos não estavam disponíveis para o encontro com o divino. Jesus fez uma leitura da Torá que indicava que ele era a própria encarnação - ali, naquele momento - da profecia de Isaías.

MAS Jesus ainda lhes provocou mostrando como o Sagrado se faz Presente de formas diferentes do que esperamos. Afinal, Elias desposou uma viúva que não era israelita; Eliseu curou um leproso que também não era israelita.

Seus conterrâneos, enfurecidos com a frustração de um Deus que não vinha como determinavam os homens que viesse, não fazia trocas ou acordos, enfureceram-se e tentaram jogar Jesus de um penhasco.

Mas naquele momento eles não conseguiram enxergar a figura do Nazareno como filho de Deus, como o Sagrado aqui e agora; tanto que ele passou por entre eles como uma brisa, como se não o enxergassem, e desapareceu dali.

Como você se sente tocado por Deus no seu Dia a dia? Há quem receba a graça em seus momentos de oração; há quem seja tocado por ela na contemplação da Natureza.

Eu vivo esses momentos de várias maneiras, talvez algumas familiares a vocês.

Quando me emociono com a presença de Jesus ao ler os Evangelhos; quando consigo realizar meu ofício e o percebo pelo olhar de alívio de alguém que estou atendendo; quando abraço meus filhos; quando me perco na mansidão dos olhos de meus cachorros......

Percebamos que ser tocado pela presença de Deus requer AÇÃO - um movimento que nasce em nosso interior e emerge abrindo as janelas de nossa alma para a entrada da Luz e do Vento do Divino.

Quando um movimento nos aproxima do próximo ou de outros representantes da VIDA, estamos em pleno âmbito do AMOR.

Não o Amor que procura no outro gratidão, recompensa de qualquer coisa que sirva para na verdade me lembrar de como sou piedoso, encantador, sábio, ou qualquer outro adereço do amor próprio.

Mas o amor que caminha para o outro de braços abertos, disponível para acolher, oferecendo como amparo a própria PRESENÇA, o amor que nos abre para a percepção do Divino para a dádiva da FÉ.


Dr. Maurício Garrote - Psiquiatra e Psicoterapeuta
 


Autor(a): Maurício Garrote
Âmbito: IECLB
Área: Publicações / Nível: Publicações - Artigoteca
Natureza do Texto: Artigo
ID: 47519

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