Publicações no âmbito da Igreja



ID: 2957

O Homem de Nazaré

10/05/2017

 

O HOMEM DE NAZARÉ

Harald Malschitzky

Dois milênios depois a figura de Jesus de Nazaré ocupa páginas e livros inteiros que procuram responder a tantas perguntas sobre sua origem, seu papel, seu lugar na história da humanidade, que teimam em existir, tanto entre não cristãos como entre cristãos. O conhecido Padre Zezinho, autor de muitos cânticos e músicas de cunho cristão, escreveu uma música com o título Meu bom José. Na verdade, a pergunta que está por detrás é pelo filho de José.

Por que será, meu bom José/ que esse teu pobre filho um dia/ andou com estranhas idéias/ que fizeram chorar Maria.

E quase num lamento ele termina: Me lembro às vezes de você/meu bom José, meu pobre amigo/ que desta vida só queria/ ser feliz com sua Maria.

As perguntas, na verdade, já começaram muito cedo na vida de Jesus, tanto entre familiares e amigos como entre o povo. O imaginário que se havia criado através de séculos sobre o messias era diferente, não batia com a presença e aparência de Jesus de Nazaré. O que havia de estranho em suas palavras e sua vida?

O seu nascimento, filho de casal simples do povo, em uma estrebaria e numa cidade insignificante, nada tem a ver com o que se imagina de uma casa real e importante. É uma pena que em nossos dias as luzes, os presentes, as festas ofuscam a realidade do nascimento de Jesus. A rigor essa criança não poderia ser o messias, tanto que os magos vindos do Oriente vão procurá-la em algum palácio.

Toda a vida de Jesus foi o avesso do que se esperava. Ele se relacionava com todas as pessoas, também com fariseus que o criticavam e maquinavam a sua morte. Conversava com mulheres, até com aquelas que eram mal faladas, como as samaritanas, e até livrou uma mulher de ser apedrejada pelos critérios vigentes na época. Não só isso, aceitava convites para sentar-se à mesa com mulheres!

E se envolvia com doentes e marginalizados; curava doentes e lhes devolvia a dignidade de vida e convivência na sociedade, enquanto principalmente líderes religiosos deles se distanciavam.

Era um tipo de andarilho que ousava falar de Deus com autoridade e que a partir da vontade de Deus desmascarava sem piedade hipocrisia e falsidade. Convidou para serem seus amigos mais próximos alguns tipos que não eram benquistos: pescadores, gente simples e quem sabe impura, e cobradores de impostos, seguramente mancomunados com o poder romano. Como se isso não bastasse, esses convidados largaram tudo e começaram a seguir Jesus como discípulos, alunos!

Ele gostava de contar histórias e através delas ilustrar tanto o amor de Deus por suas criaturas como todas as formas de desamor e maldade das criaturas, principalmente no seu relacionamento de uns com os outros.

De forma radical ele afirmava que nem sequer uma letrinha poderia ser mudada na lei e nos profetas, mas era irreverente diante de interpretações e aplicação que se faziam da lei, que muitas vezes serviam para acobertar as próprias desculpas. Lembremos, por exemplo, a parábola do bom samaritano ou das críticas dos fariseus a curas que Jesus realizava em sábados. Mais impressionante é seu ataque de fúria quando percebe que os sacrifícios de agradecimento no templo estavam sendo usados para um grande comércio na entrada do templo.

Como qualquer ser humano Jesus também foi tentado a negar a Deus diante do fascínio do orgulho e do poder e mando sobre cidades e gente. Ele resistiu decididamente, mas teve que passar pela tentação.

Inesquecível a cena de sua entrada em Jerusalém, uma ironia, uma sátira à pompa e ao luxo dos desfiles reais. Em lugar de cavalos de raça, um jumento; em lugar de tapetes caros, capas empoeiradas e puídas das pessoas; em lugar das fanfarras, o povo aplaudindo e louvando a Deus!

Em seguida começa um tempo de muito sofrimento. Grupos religiosos tentavam incriminá-lo tanto em nível religioso como em âmbito político. Idas e vindas nas mãos de autoridades, interrogatórios, tudo humilhante. Até os seus próprios amigos o deixaram só. Um deles o traiu, outro o negou.

Em meio a todas as turbulências e sofrimento, o Homem de Nazaré ainda reúne forças para celebrar com seus amigos, uma celebração alusiva à história de seu povo. Ele os reúne para uma ceia. Mas em dado momento ele dá outro significado à mesma, dizendo que pão e vinho eram seu corpo e sangue derramados pelos outros e, com isso, apontando para a natureza e razão de sua vida – e morte.

Preso, ele foi condenado à morte na cruz, uma forma de execução reservada a criminosos e adversários políticos, desde que não romanos! Os discípulos só olharam de longe. Morreu o amigo que em tudo era tão diferente. A trajetória do Homem de Nazaré chegara a um triste fim. Seus amigos nem do sepultamento cuidaram. Outra pessoa se encarregaria de fazê-lo.

No primeiro dia da semana – assim o testemunham passagens bíblicas – algumas mulheres amigas, foram ao sepulcro render as homenagens usuais e tiveram a grande surpresa: Deus havia mudado radicalmente o rumo das coisas, o Nazareno já não estava entre os mortos, mas fora ressuscitado. Assim Deus abria um novo horizonte para a vida e a humanidade aqui e por toda a eternidade.

Não resta dúvida que sem essa ação radical de Deus o Homem de Nazaré, com suas “estranhas idéias” , constaria na galeria de tantos outros pensadores e heróis, mas não mais do que isso. Coube a Deus impedir que ele fosse fixado em tal galeria para se tornar salvação, norte e esperança para a humanidade.

Muitos cristãos e cristãs têm dificuldade com a realidade do Homem de Nazaré. Preferem falar apenas do ressurreto, glorioso, vencedor da morte. Esquecem que o ressurreto é justamente o Nazareno, esquecem que não se trata de uma miragem, esquecem que falar do Cristo vivo é falar do Homem de Nazaré e falar do Homem de Nazaré é falar do Cristo vivo. Uma pequena poesia do autor alemão Detlev Block do expressa assim:

Como tudo começou?/ Não com os pastores do campo,/não com os anjos e seu canto -/mas com o homem de Nazaré.

Com o que temos que começar/ para compreender a alegria/e para a vida ganhar?/Com o homem de Nazaré!

Harald Malschitzky (maio 2016).
 


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