Quando quer, a igreja cristã consegue fazer muitas coisas em prol de uma sociedade mais solidária. Organizações como a Cruz Vermelha, em nível internacional, Cáritas, Diaconia e FLD, nacionais, têm em comum a inspiração cristã. No relato que compartilharemos a seguir, veremos como moradores de Itapema-SC, em parceria com igrejas e organizações locais, estão conseguido dar apoio a haitianos e haitianas que chegam ao Brasil em busca de acolhida e novas oportunidades.
Porque tive fome, e destes-me de comer; tive sede,
e destes-me de beber; era estrangeiro,
e hospedastes-me (Mateus 25:35)
Por isso amareis o estrangeiro, pois fostes
estrangeiros na terra do Egito (Deuteronômio 10:19)
O relato foi compartilhado pelo pastor Günter Bayerl Padilha, da Comunidade Luterana de Itapema - IECLB.
Em 2012, cheguei como minha família em Itapema (SC) para assumir os trabalhos pastorais na Paróquia Evangélica de Confissão Luterana em Itapema. Ao passear pelas ruas e orla da cidade percebi a presença de pessoas que falavam um idioma que não conhecia. Comentando aquela percepção com minha esposa, concluímos que se tratavam de migrantes de alguma parte do planeta que tivesse construído seu idioma a partir do francês, por alguns sons se pareciam ao francês.
No ano de 2014, causalmente, encontrei com Dalila Pedrini, professora aposentada da Universidade Regional de Blumenau (FURB), que me apresentou sua preocupação com a situação dos haitianos que se encontravam na cidade, principalmente, em relação ao aprendizado da língua portuguesa e sobre as condições de trabalho. Ela disse que começou a ouvir sobre a chegada dos haitianos em Santa Catarina em 2012, e que por ter experiência em cooperativismo e atuação como assessora em políticas sociais públicas e assistência social, ela ficou sensibilizada com a necessidade de acolhê-los, pois constatou que estes eram em grande número na região e não havia nenhuma instituição ou serviço público que lhes oferecesse alguma acolhida.
Unidade cristã
Durante esse encontro, Dalila nos informou que, desde dezembro de 2013, a Associação de Haitianos de Itapema estava em processo de organização, e advogava que instituições religiosas e sindicais deveriam formar uma rede de apoio. Informou ainda que estava dialogando com o padre da Paróquia Sagrado Coração de Jesus, e estendeu o convite para que a Igreja Evangélica de Confissão Luterana também viesse somar na ação solidária em prol dos imigrantes haitianos e, assim, auxiliar no processo pedagógico popular para que a sociedade se sensibilizasse com eles (obs.: hoje a parceria também conta com apoio de presbiterianos e batistas). Na ocasião, ela explanou ainda seu esforço em realizar uma reunião com os haitianos e entidades civis e governamentais para articular ações que auxiliassem os haitianos e haitianas a garantirem seus direitos nos municípios do litoral norte de Santa Catarina.
Foi nesse contexto que veio o convite para participar de uma reunião que ocorreria com haitianos e outras pessoas na sede da Federação dos Trabalhadores das Indústrias de Santa Catarina (FETIESC), no dia 11 de fevereiro de 2014. Hoje, eu e outras pessoas de nossa comunidade luterana participamos, dando apoio e compartilhando alegrias, da Associação de Haitianos em Itapema e seus Amigos.
Preocupações comuns de quem chega
A primeira grande preocupação das pessoas que migram está relacionada ao idioma local; aprendê-lo é um desafio. A segunda, mas não menos importante, é o trabalho. Por esta razão, desde o início, a ficamos mobilizados, com a Associação, a proporcionar curso de português e capacitação profissional para os migrantes.
No início, os cursos de português eram ofertados por pessoas voluntárias, mas no ano de 2017, com um projeto aprovado pela Fundação Luterana de Diaconia (FLD), e parceria com a Secretaria de Educação de Itapema, foi possível fazer com que o curso de português se tornasse uma política pública, onde a Secretaria de Educação fornecia a professora e a Associação os tradutores. Nascia o projeto “Imigração: direitos e integração à realidade local e brasileira”, que durou um ano.
Terminado o projeto que nasceu com a FLD, demos continuidade às aulas de português em parceria com a Secretaria de Educação.
A cada ano, em média, cerca de 80 pessoas aprendem português a partir desta rede se solidariedade e integração social. Além do curso de português o projeto proporciona aos migrantes conhecimentos básicos de seus direitos, como por exemplo, direitos trabalhistas, a ter acesso à educação e saúde.
Informação e capacitação
Algumas palestras foram realizadas sobre a Lei Maria da Penha, ECA, qual o papel do Conselho Tutelar e, também, a nova Lei de Migração. No âmbito da capacitação profissional o Projeto ajudou na capacitação profissional em Hamburgueria, na qual as pessoas participantes tiveram orientações sobre como fazer o hambúrguer (carne) além das fases de montagem dos diferentes lanches que são oferecidos nos cardápios pelas lanchonetes locais. Outro curso foi o de panificação, pizza e biscostos. Também teve curso de manipulação de alimentos em parceria da Vigilância Sanitária de Itapema e Universidade do Vale do Itajaí (Univali).
Para aproximar a sociedade geral dos haitianos e haitianas é realizado um almoço em que são servidos pratos típicos do Haiti. No fim de cada ano também fazemos encerramento das atividades com a entrega dos certificados de participação para as pessoas que frequentaram os cursos. E há apresentações artísticas. O grande desafio para manter este projeto passa pelo viés financeiro porque as ações cidadãs e voluntárias são as verdadeiras forças que mantém as redes de solidariedade.
Reuniões
As reuniões da Associação ocorrem sempre no primeiro domingo de cada mês, às 16 horas, na Comunidade Católica Cristo Rei, na Rua 402-B, no Bairro Morretes.
Em média, a participação conta com 90 pessoas. Creio que é importante a atuação em rede para que os imigrantes possam alcançar garantir os seus direitos e poder uma plena e digna inserção à sociedade. Isto porque sabemos que nossa sociedade, mesmo que viva do mito da democracia racial, é extremamente preconceituosa e discrimina com muita facilidade as pessoas que possuem sua ancestralidade ligada ao continente africano. A rede de solidariedade é necessária para que haja a superação do racismo e da xenofobia em nossa sociedade. Por isso, acredito que a participação das igrejas seja fundamental para a mudança de pensamento das pessoas nativas em relação aos migrantes, principalmente, em tempos de polarização política em que os discursos são permeados pela ideologia da violência.
Fotos: Reprodução / Acervo Pessoal