Com as palavras: Sirvam uns aos outros, cada qual conforme o dom que recebeu (l Pedro 4.10) , a Bíblia nos anima e nos orienta para o serviço e o compromisso com os grupos historicamente marginalizados e excluídos na sociedade brasileira. O Projeto Pequenos Agricultores Quilombolas trouxe ao Centro de Apoio ao Pequeno Agricultor -CAPA, a grata oportunidade de conhecer, aprender e servir junto à população negra rural. Com o apoio da Fundação Luterana de Diaconia, este projeto atende diretamente 142 famílias, aproximadamente 820 pessoas nas áreas de Cidadania, Segurança Alimentar, Geração de renda, Saúde Comunitária e Memória Histórica, Cultura e Etnia. Para desenvolver estas atividades, temos recursos do Ministério do Desenvolvimento Agrário - Governo Federal (MDA), da Igreja Evangélica da Alemanha (Evangelischer Entwicklungs-Dienst - EED) e Evangelical Lutheran Church in America (ELC A) dos Estados Unidos.
Quem são as comunidades quilombolas? Os quilombolas constituem uma população numerosa e desassistida, fruto da história brasileira e do descaso na atualidade. Estas pessoas trazem como bagagem 500 anos de exploração e carências de todo o tipo, desde as mais básicas como alimentação, saúde, moradia, energia elétrica, água, educação e respeito. As crianças requentam a escola, mas o diagnóstico realizado pelo CAPA mostrou que 45% da população jovem e adulta são analfabetos. Das quatro comunidades, apenas uma possui energia elétrica. A falta de energia elétrica impossibilita o acesso à água de qualidade para o consumo das famílias. Das quatro comunidades, duas ainda viviam até 2004 em casas de barro, como seus antepassados escravos. Em apenas uma comunidade, os agricultores quilombolas possuem terra suficiente para praticar agricultura como atividade econômica. É com esta realidade de descaso, discriminação e abandono que o CAPA se defrontou ao trabalhar com as comunidades quilombolas.
Pela sua experiência no trabalho com comunidades empobrecidas e pela metodologia adotada, bem como a possibilidade de estabelecer parcerias com organizações sensíveis a esta realidade, o CAPA vem desenvolvendo ações que se propõem a resgatar a auto-estima, valorizar a cultura e etnia, e proporcionar a busca de melhor qualidade de vida a esta população. Demos atenção especial à segurança alimentar, com a implantação de quintais, onde se cultivam frutíferas diversas e verduras e o plantio de sementes próprias de milho, abóbora e batata, visando à melhoria do padrão alimentar. Na saúde, trabalhamos o resgate do conhecimento tradicional das plantas medicinais e o uso de remédios caseiros. A valorização do artesanato local, característico da cultura afro, tem possibilitado uma nova fonte de renda a estas famílias. Um dos grandes avanços que alcançamos neste projeto são a visibilidade e reconhecimento das comunidades quilombolas, proporcionando acesso às políticas públicas como construção de moradias, energia elétrica, programas de apoio à agricultura e à saúde básica junto aos governos.
O reconhecimento dos quilombolas como grupo social com características próprias é recente no Brasil. Para o CAPA, apesar de seus 28 anos de trabalho com agricultores familiares empobrecidos, o trabalho com este público é novo, estimulante e desafiador. Apesar da realidade de extrema carência em que vivem, te¬mos que reconhecer que a característica principal destas pessoas é a alegria. Não se deixam abater pelo desânimo. Fomos recebidos com confiança e grande vontade de participar. No nosso encontro com as diferentes culturas, temos aprendido a respeitar e enxergar com encantamento a diversidade da criação, e como cristãos, somos gratos pela oportunidade de conviver com pessoas tão dignas e com elas poder construir caminhos de esperança.
Rita Surita – Coordenadora do CAPA em Pelotas/RS
(Fonte: Anuário Evangélico 2008, p.123-124)