“A Igreja pode tornar-se a vertente
na qual Deus cria um novo mundo”.
Subsídios para pregação no Dia Nacional da Diaconia
30 de abril de 2017
Quando Martim Lutero afirmou isto, estava convicto de que as pessoas cristãs são capazes de transformar o mundo existente de tal forma que nele se torne visível a boa vontade de Deus para com a sua criação.
Uma ideia fantástica! A Igreja ser o lugar onde Deus cria um novo mundo, diferente deste, marcado por violência, maldade, egoísmo e destruição.
Como poderia acontecer isto?
O enfoque de Lutero poderia ser chamado de “teologia da diaconia”. No entanto, isto não deve ser entendido como se Lutero tivesse desenvolvido, dentro do seu enfoque teológico ou ao lado dele, uma “teologia da diaconia”. Não. O próprio enfoque da teologia de Lutero é diaconal.
Quem explica isto muito bem é Theodor Strohm (em “Teologia da diaconia na perspectiva da Reforma”, no livro de Kjell Nordstokke [org.]. A diaconia em perspectiva bíblica e histórica, São Leopoldo: Sinodal, 2003, páginas 154-190).
Considerando o enfoque principal da teologia de Lutero “a pessoa viverá pela fé”, Strohm fala das consequências para a diaconia quando diz:
Esta justificação por graça tem consequências profundas para a pessoa que se apropria desta verdade. Quando ela crê que é justificada por Deus unicamente pela sua graça e não por algum merecimento próprio, ela adquire um novo olhar sobre si mesma, sobre o mundo e as pessoas. A libertação de si próprio e da soberba, o amor e o humilde temor a Deus são consequências óbvias para o novo ser humano que busca a semelhança com Cristo.
A fé, como obra criadora de vida que Deus realiza na pessoa, é ativa por si própria no amor (conforme Gálatas 5.6). Desta forma, a pessoa que crê não faz obras de amor para sua “autorrealização”. Pelo contrário: quem crê já é uma pessoa realizada e, por isso, está livre para servir à pessoa próxima sem reservas.
A pessoa que foi libertada para o serviço é dirigida para a mesma perspectiva e o mesmo trilho em que também transcorre o serviço divino de reconciliação com o mundo: o amor de Deus que não busca o que é “digno de amor”, mas o que deve ser libertado. Lutero diz: Porque Deus ama “pecadores, maus, tolos, fracos, para torná-los justos, bons, sábios e fortes”. O amor criativo em que Deus introduz a pessoa é “constituído de tal maneira que ele faz alguma coisa, algo precioso, honroso e bem-aventurado a partir daquilo que não é nada, que é insignificante, desprezado, mísero, morto”.
Lutero também enfatizou a regra áurea como uma regra do amor e da razão, na qual a frase “ama o próximo como a ti mesmo” aparece como algo compreensível e concretamente praticável para cada pessoa. Ela vale de igual modo tanto para pessoas cristãs quanto para pessoas não cristãs. Na fé, contudo, cumpri-la é um dever óbvio. Lutero diz:
“Ora, quem cumpre seriamente e deseja aplicar esse mandamento não pode contentar-se com sua boa intenção, mas tem de medir todas as obras, palavras e pensamentos de sua vida inteira por esse mandamento como baliza, e perguntar-se sempre com o pensamento voltado ao próximo: que gostarias que ele fizesse a ti? Se a pessoa tivesse isso em mente, ela também começaria a agir para com a outra de maneira análoga. E em breve as brigas [...] e a discórdia teriam um fim, e [...] como diz (o apóstolo) aqui, o cumprimento da lei teria chegado” (do comentário de Lutero à Carta aos Romanos).
Para a concretização da nova convivência cristã, Lutero diz que o ser humano recebe a honra de cooperar com Deus, assumindo responsabilidades dentro de diferentes funções. Ele fala em três “estados”, usando a palavra latina “status”:
É função do status ecclesiasticus testemunhar a vivacidade do senhorio de Cristo, que “traz e concede justiça eterna, paz eterna e vida eterna”. No status politicus, ou seja, na “autoridade e ofício secular”, trata-se de estabelecer, preservar e fomentar a justiça temporal, a paz e a vida temporais. No status oeconomicus estão em pauta a preservação e promoção da base biológica da vida, o serviço à criação, família, trabalho, sustento da vida. Todo ser humano participa em sua vida desses três elementos de status, ainda que com ênfases distintas.
Como colaboradores e colaboradoras de Deus nas relações concretas, Lutero distingue uma “tríplice diaconia”, ou seja:
- uma diaconia elementar, a ser praticada no círculo de convívio primário e no contexto da família e do trabalho remunerado;
- uma diaconia da Igreja, voltada à congregação, que no “treinamento e aprendizado” da fé visa não apenas a uma “unidade fraternal cristã”, mas também à renovação do mundo em conformidade com seu sentido criacional;
- uma diaconia política, voltada à comunidade civil, que começa pelas causas da miséria, da fome e da enfermidade e que recebe sua incumbência positiva para disponibilizar, assegurar e desenvolver dinamicamente possibilidades de vida para os membros da comunidade civil e, além dela, para o convívio de diversas comunidades.
Theodor Strohm conclui que, com essa visão, Lutero abriu uma perspectiva que era apropriada para criar estruturas eclesiais completamente novas. A sociedade dos tempos modernos tornou-se, desde Lutero, o grande campo de experimentação e experiência no qual o impulso inicial foi acolhido, transformado ou perdido, ou então no qual fracassou no confronto com a dura realidade da formação de novos sistemas. Porém, continua até hoje o desafio de concretizar a visão de Lutero.
Diaconisa Ruthild Brakemeier