Diaconia - A fé ativa pelo amor



ID: 2660

Ser como um Cristo para a outra pessoa é o nosso jeito de ser

- Subsídio para a pregação

06/04/2015

 

 

 

Dia Nacional da Diaconia

19 de abril de 2015

Subsídios para culto e reflexão

 

Subsídio para a pregação

 

 

 

 

Ser como um Cristo para a outra pessoa é o nosso jeito de ser

1. Compartilho desse auxílio homilético com alegria. Abstenho-me do detalhamento de uma exegese mais aprofundada. Há riquíssimas informações nos PLs 6, 21, 27, 32 e 38. Nestes, acentua-se, como premissa teológica, a ressurreição de Jesus e o partir do pão na perspectiva do sacramento. Acolho este fundamento e o pressuponho. Neste texto, somos desafiados a perceber os desdobramentos deste fundamento teológico, sobretudo na perspectiva da Diaconia. O que significa este fundamento teológico da ressurreição e sacramento para a vida da pessoa e comunidade cristã? O que significa viver a vida como pessoa e como comunidade, tendo a fé na ressurreição como fundamento, como um modo de vida?

O texto é a narrativa de um fato da época. Fato que ilumina e inspira a diaconia em nosso tempo. Reconto o texto em quatro momentos:

Fato 1: os discípulos no caminho: após os eventos da festa da páscoa, em Jerusalém, dois discípulos (Cleopas e, possivelmente, sua esposa, tios de Jesus) retornam para uma vila chamada Emaús, distante cerca de 11 km de Jerusalém. Caminham entristecidos, com dor, enlutados. Desanimados. A esperança depositada em Jesus e no movimento iniciado ruiu. Decidem retornar para a vila de Emaús e “tocar a vida”.

A dor, o luto e a desesperança dos discípulos são compreensíveis. Sentimentos que não são novidade para nós. Quando olhamos ao nosso redor, vemos muitas pessoas desesperançadas. As causas são diversas. Mas todas andam cabisbaixas, entristecidas, em luto, sem esperança de vida, sozinhas... Vemos também muitas pessoas rejeitadas e excluídas. No contexto urbano, as pessoas em situação de rua são talvez a face mais visível da rejeição e exclusão. Perambulam pela cidade e não têm um paradeiro.

Há também pessoas ativas, participantes, dedicadas e até líderes da comunidade/sociedade e também não entendem os fatos que acontecem ao seu redor. Veem, mas não enxergam. Expressam igualmente dores, mágoas, raivas com o governo, com a sociedade, com a violência... Mas, não raro, são agentes de sustentação do sistema que criticam. Como diz o ditado popular: fazem a roda, que os atropela, girar.

Fato 2: o jeito de Jesus: Jesus se aproxima, mas não é reconhecido por eles. Mesmo assim, caminha junto. Pergunta sobre o que conversam. Ouve com atenção as dúvidas que perpassam a vida dos dois. Ouve suas inconformidades. Percebe a dificuldade de compreender os fatos. E, depois de ouvir, fala. Faz memória da história de Deus com seu povo. Reconta os fatos com os olhos de Deus. Pelo diálogo, as dúvidas dos discípulos são ressignificadas. É um diálogo proveitoso. Esclarecedor. Que faz entender. Ao mesmo tempo, consola e conforta. Dá um mínimo de sentido mesmo ao mais doloroso dos acontecimentos: a prisão, julgamento, condenação e morte de Jesus.

Aqui se inicia a ação diaconal: na sensibilidade de Jesus e no seu empenho para com quem está triste. Jesus não só percebe a tristeza dos discípulos como se dispõe a caminhar com eles os mais de 11 km entre Jerusalém e Emaús. Creio que este não era o caminho de Jesus, mas o fez por considerar que os dois precisavam de companhia. Eis uma postura diaconal: caminhar o caminho que não é meu. Caminhar o caminho que é o caminho do outro, que é o caminho da outra. Caminhar o caminho do outro porque ele precisa da tua companhia. Caminhar o caminho da outra porque ela precisa da tua companhia.

O que Jesus ganha com isso? Nada. A sociedade em que vivemos é regida pelo capitalismo. Nele, tudo que faço precisa gerar um saldo: ou de dinheiro, ou de prestígio, ou ainda um crédito – você fica me devendo um favor. Tudo tem uma utilidade. Quem pensa com o pressuposto das regras do capitalismo não consegue ver o cristianismo. Está como que sem possibilidade de ver. O cristianismo e a diaconia não conhecem esta visão utilitarista. O cristianismo conhece a postura amorosa, desinteressada, como a das mulheres que vão ao túmulo de Jesus limpar-lhe o corpo no domingo pela manhã (Lucas 24.1). O que um corpo morto pode ainda oferecer de retorno? Kierkegaard afirma que temos certeza de que a ação amorosa é desinteressada quando eliminamos toda possibilidade de retribuição (veja KIERKEGAARD, 1962, p. 320 apud WESTHELLE, 2008, p. 132.). O cristianismo e a diaconia conhecem esta postura desinteressada, movida por puro amor. Amor que dignifica. Amor que age por gratidão.

Esse é o amor bonito. Por isso divino. Amor que é ressurreição: que confere dignidade, autonomia, vida. Que não pede nada em troca. É amor que caminha junto por causa da necessidade da outra pessoa.

Fato 3: a partilha do pão: constrangido a ficar, Jesus entra na casa deles. Acolheu e agora é acolhido. À mesa acontece a segunda partilha: a do pão. Pelo caminho, a vida foi compartilhada. Agora, é o pão. A partilha do pão é precedida por um gesto muitas vezes feito por Jesus: um gesto de ação de graças. O gesto faz reconhecer. Faz ver. O gesto dá sentido e significado à Palavra ouvida pelo caminho. Materializa o discurso. O gesto dá sentido à história vivida em Jerusalém. É o gesto da nova esperança. A conversa pelo caminho fez arder o coração, mas o gesto da partilha e da comunhão faz reconhecer o Cristo.

Eis uma postura diaconal: falar do amor de Deus é essencial, mas colocá-lo em prática é indispensável. Ouvir da solidariedade é bom, experimentá-la é melhor ainda; ouvir da acolhida é bom, ser acolhido, é melhor ainda; ouvir do cuidado é bom, experimentá-lo é melhor ainda; falar de alimento diante da fome é bom, mas alimentar-se de fato é cuidar da vida.

Na opinião de Lutero, isto é dever da pessoa cristã. Deus, por misericórdia – não por mérito – ajuda, salva e liberta a todas as pessoas. Tendo sido ajudado, me “porei à disposição de meu próximo como um Cristo, (...) nada me propondo a fazer nesta vida a não ser o que vejo ser necessário, vantajoso e salutar a meu próximo” (Obras Selecionadas, v. 2 – Das Boas Obras, p. 453, 1520).

Fato 4: contar adiante: uma vez reconhecido na acolhida, no diálogo fraterno e na partilha do pão, Jesus pode se retirar. Os discípulos, agora empoderados, precisam contar adiante o que viram e ouviram. Voltam para Jerusalém, para o centro dos acontecimentos. É ali que a novidade precisa ser contada.

Os discípulos experimentaram diaconia. A dor, a desesperança, a tristeza, o luto... Foram ressignificados. A comunhão e a partilha, experimentadas. Agora é hora de praticar diaconia. Imagino que pensaram assim: há amigos nossos, há amigas nossas, com as mesmas dores, lamúrias, dúvidas e incertezas que nós tínhamos. Fomos consolados, agora é hora de consolar. Fomos ajudados, agora é hora de ajudar. Precisamos voltar a Jerusalém e contar o que vimos e ouvimos.

Caminhar junto, mesmo que não seja o meu caminho; ouvir atentamente a angústia do outro, da outra; dialogar de forma a elucidar os fatos; praticar partilha e comunhão. Esta é uma proposta que dá sentido à vida de forma diferente do que o mercado/capitalismo busca dar sentido à vida. No Evangelho, o sentido da vida está no “ser”. A diaconia contribui neste vir a ser, pois a ação diaconal se materializa no cuidado à outra pessoa pelo fato dela ser a outra. A comunidade diaconal é instrumento que irradia o amor fraternal. Já o mercado nos induz ao “ter” e nos diz quem somos se temos e consumimos bens e serviços. São perspectivas absolutamente diferentes. A missão da Igreja é apontar para a proposta que comunica a postura e o cuidado diaconal. Assim, entendo a apresentação do tema do ano pela Igreja: “Em 2015, a IECLB destaca a Comunidade como espaço no qual acontece o amor fraterno, instância que irradia e torna-se instrumento de Deus no contexto em que está inserida”.

Entendo o caminhar junto e a partilha como um modo de ser da comunidade e da pessoa cristã. É da sua natureza. Por isso, valorize os pequenos e os grandes gestos diaconais dos quais tens conhecimento na comunidade. Anime outras tantas pessoas mais. A pregação não pode ser encerrada sem convidar as pessoas e a comunidade a este gesto concreto. Cito alguns exemplos de ações diaconais praticadas na comunidade em Campinas/SP, que podem ajudar na reflexão:

- internos da comunidade: grupo de visitação (a doentes, pessoas enlutadas, desempregadas, idosas etc.); doação de cestas básicas, fraldas geriátricas e brinquedos conforme necessidade; nas salas, onde aos domingos as crianças do culto infantil se reúnem, durante a semana, duplas psicossociais (assistente social e psicóloga) de uma ONG chamada CRAMI (Centro Regional de Atenção aos Maus-tratos na Infância) realizam acompanhamento a crianças vítimas de violência, sobretudo abuso sexual, cometido principalmente por pessoa próxima; OASE realiza chás mensais e, no final do ano, efetua doações para entidades de assistência social (em 2014, foram doados R$ 6.400,00 para oito entidades);

- externos e institucionais: abrir as portas do templo e oferecer espaço para diálogo, oração e prática da acolhida a quem quiser entrar – a experiência feita no advento de 2014 foi encantadora e será continuada em 2015; acompanhamento regular a famílias não membro com alimento, remédio, oração e encaminhamentos diversos, conforme a vida os exige; parceria com entidades da sociedade civil organizada: ABBA – Associação Beneficente Boa Amizade –, que cuida de crianças em situação de vulnerabilidade social no contraturno escolar; Casa Santa Clara (Cáritas), que acolhe mulheres em situação de rua grávidas ou com crianças pequenas; participação na CEPIR (Coordenadoria Especial de Promoção da Igualdade Racial, órgão da Secretaria Municipal de Cidadania Assistenciada e Inclusão Social da Prefeitura de Campinas/SP), especialmente na perspectiva do Diálogo inter-religioso.

Podemos, agora, concluir que Diaconia é um serviço de cuidado com a vida, impulsionado pela fé. Sobretudo, é um serviço para com a vida daquela pessoa que não reúne as condições necessárias para cuidar de sua própria vida – não importa se essa incapacidade é momentânea ou continuada –, ou é sistematicamente estigmatizada na sociedade. É, portanto, uma ação transformadora da condição que está dada. O critério para a realização desse serviço é a necessidade da outra pessoa – não se ela é, ou não, membro da comunidade. A comunidade diaconal declara, portanto, que não concorda com interpretações casuísticas, de destino ou “Deus quis assim”, mas age no sentido de tornar concreta a misericórdia de Deus entre nós. Ela se compreende como um Cristo para com o outro, para com a outra. E este é seu modo de ser: como um Cristo para o outro, como um Cristo para a outra.


P. Marcos Jair Ebeling
Atua na Comunidade Evangélica de Confissão Luterana em Campinas/SP


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Autor(a): Marcos Jair Ebeling
Âmbito: IECLB
Área: Missão / Nível: Missão - Diaconia
ID: 32771

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