Prédica: Hebreus 11.1-3,8-16
Leituras: Gênesis 15.1-6 e Lucas 12.32-40
Autor: Aline Steuer
Data Litúrgica: 12º Domingo após Pentecostes
Data da Pregação: 27/08/1995
Proclamar Libertação - Volume: XX
1. Introdução
Estamos no meio do ano. Ainda é inverno e desconfiamos, às vezes, que a primavera não virá nunca. Sabemos que no decorrer do tempo a primavera, e depois o verão, seguem-se ao inverno como o dia segue-se à noite. A nossa experiência nos ensina isso. Mas, na ausência de alguns sinais do revigoramento da natureza, podemos até desconfiar daquilo que sabemos. Os textos de hoje querem dialogar conosco sobre essa nossa tendência de fraquejar diante das dificuldades que duram tempo demais, diante do tédio que diminui a energia do nosso seguimento de Cristo. Onde estão os sinais da presença do Reino?, perguntamos. Será que devemos continuar a acreditar nas promessas de Deus? É de se esperar que continuemos lutando por uma sociedade mais humana, apesar de todos os sinais de derrota que experimentamos?
A liturgia de hoje nos coloca diante de testemunhas fiéis do passado e diante das palavras exigentes de Jesus. Mas este domingo nos coloca, também, diante de um outro grupo de testemunhas fiéis: pessoas que têm que aceitar o desafio de enfrentar a vida inteira em condições de desigualdade. Hoje é o dia dedicado às pessoas portadoras de deficiências, os excepcionais. Hoje essas pessoas também podem querer entrar num diálogo sobre a fútil facilidade de desistir diante de obstáculos e dificuldades. Deus queira que possamos aprender desses dois diálogos: o da liturgia e o das pessoas excepcionais.
2. Contexto
O texto indicado para hoje vem no fim de Hebreus, após a obra ter estabelecido com firmeza a superioridade e a fidelidade de Jesus. A comunidade à qual Hebreus foi dirigida parece estar enfrentando um período comparável ao inverno comprido antes de qualquer sinal da chegada da primavera. Já enfrentou perseguições (10.32-39). O tempo passa. Jesus não retorna. O efeito provocado na comunidade não é bom. Parece que há quem valoriza revelações transmitidas por anjos (2.1-4) mais do que as palavras e a presença de Jesus (2.14-18). Há quem está ameaçado de cair na incredulidade, na revolta, no endurecimento do coração (caps. 3-4), apesar da certeza que Jesus se compadece de nossas fraquezas (4.15-16).
Também na comunidade há membros atraídos pelos cultos mistéricos, que, ao colocar toda a ênfase na alma, provocam a alienação da pessoa de sua realidade. Diante dessa situação, o autor insiste que Jesus é completamente humano e solidário com a humanidade (2.11-18; 3.15; 4.14-16; 5.1-5) e ao mesmo tempo superior aos anjos (1.5ss). Ele nos deu um caminho novo e vivo que ele mesmo inaugurou através (...) da sua humanidade (10.19). Os cristãos estão chamados a seguir o mesmo caminho através da práxis da fé.
3. O texto
O texto inicia com uma dupla afirmação sobre a fé: ela é a segurança (hypostasis) daquilo que ainda não está presente, mas que é esperado com confiança; e ela é a convicção (eleghos) da realidade presente que só é conhecida pela fé. Esta frase resume o pensamento do autor. Cristo veio ensinar o caminho que leva ao Pai (2.1-4) e abrir um caminho novo e vivo (10.19). É pela fé que esse ensinamento e esse caminho são reconhecidos.
A segurança de receber o que ainda não está presente (o Reino e tudo que este implica) é fundamentada na promessa de Deus e garantida pela morte, paixão e ressurreição de Jesus. A convicção da realidade presente (a vitória de Jesus sobre as forças da morte) está fundamentada em fatos do passado que permitem ver a realidade presente como uma caminhada de transformação que leva à comunhão de todos (10.19-25). O fato principal que garante tal fé é a morte salvífica de Jesus e o seu sacerdócio eficaz. O autor enfatiza que tais eventos (cf. também 2.4) são fatos e não uma ilusão.
Tendo estabelecido a função da fé, o autor passa a apresentar exemplos do passado de pessoas que esperavam com confiança a realização das promessas. O texto de hoje seleciona Abraão e Sara da grande nuvem de testemunhas ao nosso redor (12.1) que encorajam os leitores a correr com perseverança na corrida, com os olhos fixos em Jesus, que é o autor (iniciador) e realizador da fé (12.1d-2). Abraão é lembrado porque acreditou na promessa de terras e migrou, mesmo sem saber para onde. Permaneceu fiel numa terra estrangeira, terminando a vida com apenas um túmulo. Sara concebeu, na sua velhice e na de Abraão, porque teve fé na promessa de uma descendência incalculável. Ela e Abraão acreditaram, apesar de enumerar somente Isaque como filho. É evidente por que Paulo, citando Gn 15.6, escreve: Abraão (e Sara) teve fé em Deus e isso lhe foi creditado como justiça (Rm 4.3).
4. Textos auxiliares
A complementaridade entre Gn 15 e Hb 11 é evidente. A frase citada por Paulo é o versículo final do trecho: a fé de Abraão e de Sara serve para encorajai a nossa fidelidade enquanto perseveramos no caminho, apesar das dificuldades c da escassez de sinais da realização das promessas. O texto de Lucas parece iniciar o diálogo exatamente nesse ponto. Não tenha medo, pequeno rebanho, porque o Pai de vocês tem prazer em dar-lhes o Reino. (Lc 12.32.) Como c difícil proclamar esta palavra no meio do sofrimento sócio-econômico que nos assola! Como é difícil crer na vida quando a morte nos cerca tanto! Daí o exemplo de Abraão e de Sara, que deixaram suas terras (cf. Lc 12.33-34) e envelheceram sem ter filhos, mas cuja fé nas promessas de Deus resultou num povo numeroso e numa terra onde correm leite e mel.
5. Sugestões para a pregação e a liturgia
Todos os que se comprometem com a construção do Reino enfrentamos a dificuldade de manter tal compromisso no meio de desapontamentos, de traições, de pouca realização e da oposição ferrenha de quem não compartilha a visão de uma sociedade igualitária. Porém a maioria de nós enfrentamos tais decepções e desanimes com razoável saúde física e mental.
Neste domingo somos convidados a pensar sobre as pessoas que têm que fazer o mesmo compromisso, ser fiéis da mesma forma, mas carregam um peso a mais. São as pessoas excepcionais, portadoras de deficiências. São vistas como diferentes, e a nossa sociedade exclui, marginaliza o diferente. Carregam o peso de serem vistas como pessoas sem sonhos, sem os desejos comuns a todos nós, até sem capacidade de pensar e tomar decisões. Será que as promessas de Jesus não valem para essas pessoas tanto quanto para nós (ou até mais)? Como é que a liturgia de hoje pode tornar-nos mais solidários com essas irmãs e irmãos nossos?
a) Em nossa sociedade muitas pessoas excepcionais ainda são escondidas, guardadas no interior da casa. Faça um levantamento do número de pessoas portadoras de deficiência que moram na sua paróquia/cidade. Organize um encontro com elas para conversar sobre o tema das leituras. Talvez haja a possibilidade de ter uma homilia feita por elas ou dialogada com elas.
b) Organize uma equipe da Igreja para trazer para a celebração as pessoas portadoras de deficiência e planejar uma recepção depois a fim de começar a entrosá-las na paróquia.
c) Convide alguém de uma organização que trabalha com pessoas excepcionais (APAE, Pestalozzi, etc.) para falar sobre o seu trabalho.
d) Organize um dia para os membros da paróquia/cidade se tornarem mais sensíveis às pessoas com deficiências. Cada membro pode assumir algum tipo de limitação física (cegueira, surdez, paralisia, etc.) e passar o dia experimentando as dificuldades que tal limitação traz.
e) Confissão de pecados: convide a refletir sobre a insensibilidade às necessidades e dificuldades das pessoas que encontramos no dia-a-dia. Reconhe¬cendo que todos somos deficientes, fazer propósitos de solidariedade.
f) Organize grupos para continuar a socialização com as pessoas excepci¬nais da paróquia/cidade.
6. Bibliografia
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HOEFELMANN, Verner. Alento para os Cansados e Atemorizados. Estudos Bíblicos, Petrópolis e São Leopoldo, 34:9-14, 1992.
LIMA, Cyzo Assis. A Fé: Força dos que Crêem no Deus Libertador e Salvador. Estudos Bíblicos, Petrópolis e São Leopoldo, 34:73-79.
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VANHOYE, Albert. A mensagem da Epístola aos Hebreus. São Paulo, Paulinas, 1983.
VOLKMANN, Martin. 12e Domingo após Pentecostes. In: Proclamar Libertação. São Leopoldo, Sinodal, 1991. v. XVH, p. 183-188.