Fortalecendo a diaconia comunitária em rede
25 anos de caminhada da diaconia na IECLB
Introdução
O presente texto destaca os 25 anos de caminhada da diaconia na IECLB, a partir da criação do Departamento de Diaconia, em 1988. Num primeiro momento, em retrospectiva histórica, ressaltam-se importantes avanços obtidos neste período com a maior articulação da diaconia comunitária em rede, através da atuação da Coordenação de Diaconia. De igual modo, se reforça a relevância da formação diaconal em nível superior e o reconhecimento do ministério diaconal e da ordenação para este ministério na IECLB. Num segundo momento, a partir do Tema do Ano, se evidencia que a diaconia é uma dimensão fundamental para a vivência comunitária. Na prática, porém, muitas vezes ela ainda não é assumida como uma prioridade pelas comunidades. O desafio de um crescente fortalecimento da diaconia comunitária poderá potencializar ainda mais a articulação de ações em rede.
Breve retrospectiva histórica
A prática diaconal na IECLB remonta à criação das primeiras comunidades luteranas no Brasil. O serviço e o atendimento às pessoas doentes, às pessoas idosas e às crianças, por exemplo, foi algo que caracterizou a vivência da fé e sua prática no âmbito comunitário. No início do século XIX, as comunidades sentiram, de maneira muito forte, a falta de profissionais na área da saúde e educação infantil. Para suprir esta carência, uma Casa Matriz de Diaconisas, em Wittenberg, formava estas profissionais para o exterior. Nela não ingressavam somente mulheres alemãs, mas também brasileiras. Infelizmente, a vinda de diaconisas foi duas vezes interrompida pelas Guerras Mundiais. Mas as que aqui trabalharam lançaram a semente para iniciativas diaconais importantes, até que, em 1939, uma Casa Matriz de Diaconisas também foi fundada no Brasil. Reconhecendo a importância de pessoas capazes de coordenar e incentivar trabalhos, as diaconisas sempre receberam muito apoio por parte das comunidades, principalmente de grupos de mulheres.
A diaconia na IECLB ganhou uma nova expressão, na década de 70 do século passado, com a criação, em 1974, pela Casa Matriz de Diaconisas, do Seminário Bíblico-Diaconal. Esta escola passou a formar assistentes comunitárias, em curso com a duração de três anos, que obteve o reconhecimento da IECLB para a habilitação ao ministério diaconal.
Em 1976, estudantes egressos do Seminário Bíblico-Diaconal e da Associação Diacônica Luterana (ADL) criaram a Comunhão de Obreiros Diaconais (COD), hoje denominada de Comunhão Diaconal. Existem, desde então, duas comunhões diaconais na IECLB: a comunhão da Irmandade Evangélica Luterana, que congrega diaconisas, irmãs diaconais e pastoras com identificação diaconal, e a Comunhão Diaconal, que é um importante espaço de comunhão, de reflexão e de articulação entre as diáconas e os diáconos da IECLB.
Não obstante a relevância da diaconia na vida comunitária, faltava-lhe, contudo, maior expressão de reconhecimento em âmbito nacional, na estrutura da própria igreja. Havia a expectativa e o pedido das comunhões diaconais para que a diaconia tivesse uma representação na Secretaria Geral da IECLB. Esta aspiração foi atendida, em 1988, com a criação do Departamento de Diaconia como parte integrante da Secretaria de Missão. Para a função de diretora deste Departamento foi escolhida uma diaconisa, a Ir. Hildegart Hertel. Ela atuou até o ano de 2003 e deixou um importante legado.
O Departamento de Diaconia passou a articular e a integrar as mais diversas iniciativas diaconais comunitárias, em diferentes áreas temáticas. A ênfase do trabalho do Departamento, neste período, foi no sentido de promover incidência interna, em diferentes setores na IECLB, ajudando a formar convicção de que a diaconia é um ministério, que deve ser também valorizado e reconhecido como tal. De forma planejada, o Departamento atuou para prover motivação e liderança para um significativo número de lideranças que atuavam de forma voluntária em âmbitos locais: para oferecer espaços de encontro, compartilhar as experiências e articular as iniciativas, avançar no planejamento conjunto, bem como para oferecer capacitação, tanto teológica quanto prática.
Diferentes áreas temáticas, com distintos públicos, receberam destaque e passaram a ser desenvolvidas de forma mais integrada, cada qual com a sua respectiva comissão organizadora, sob a coordenação do Departamento de Diaconia. Entre as temáticas que foram acompanhadas, destacam-se as atividades com pessoas idosas, crianças e adolescentes empobrecidos e pessoas com deficiência; saúde comunitária, HIV/AIDS, acompanhamento de pessoas doentes e em fase terminal; voluntários de missão (programa de acompanhamento a estudantes alemães) e formação de multiplicadores e multiplicadoras em diaconia.
Há que se destacar que, com a criação do Departamento de Diaconia, uma das áreas temáticas que recebeu maior impulso foi o trabalho com pessoas com deficiência, fato este que levou à criação, no ano de 1992, de um setor específico dentro do Departamento, intitulado Diaconia Inclusão. Este setor passou a ter uma pessoa responsável atuando, por vezes, de forma parcial e, na maior parte do tempo, com dedicação exclusiva.
Diaconia e desenvolvimento
Há que se destacar, igualmente, que a criação do Departamento de Diaconia, em 1988, promoveu maior colaboração e sinergia entre a diaconia e os projetos de desenvolvimento, resultando na integração do Serviço de Projetos de Desenvolvimento (SPD) sob a supervisão do Departamento. O SPD, cuja existência remonta à segunda metade da década de 1960, contava com parcerias de cooperação internacional no apoio a projetos de desenvolvimento. Os projetos apoiados, naquele tempo, tinham relação, sobretudo, com as áreas da agricultura, da educação e da saúde. Sob o acompanhamento do Departamento, o SPD passou gradualmente a ter uma atuação mais integrada com a diaconia na IECLB. Esta relação de diálogo e cooperação entre diaconia e desenvolvimento persiste ainda hoje, mesmo que já não mais sob o mesmo abrigo jurídico, pois em 2000 foi criada a Fundação Luterana de Diaconia (FLD).
A FLD é uma instituição autônoma de direito privado, criada por decisão do Conselho da IECLB, para suceder o SPD na tarefa de ampliar e qualificar a mobilização de recursos e a gestão de projetos sociais em âmbito nacional. Mais recentemente, há dois anos, a FLD lançou um edital específico para o apoio a projetos diaconais de grupos e/ou organizações que mantêm vínculo confessional com a IECLB. Desta forma, sem abdicar de sua atuação pública e ecumênica, no apoio a grupos e organizações da sociedade civil, a FLD reafirma o seu compromisso com o fortalecimento da diaconia, em âmbito local, seja comunitário ou institucional, e que represente um compromisso efetivo do grupo proponente com a promoção da qualidade de vida, da cidadania e da justiça social no seu respectivo âmbito de atuação.
A década de 80, portanto, representou um período muito importante para a diaconia na IECLB, considerando que, a partir de uma nova percepção do contexto socioeconômico do país, com seus múltiplos desafios, se buscou fortalecer a capacidade de resposta diaconal das comunidades, numa perspectiva transformadora da realidade de sofrimento e de exclusão de setores, de grupos e de pessoas. Para tanto, também foi importante a decisão estratégica de integrar o SPD e o seu mandato de apoio às iniciativas de desenvolvimento socioeconômico sob a coordenação do Departamento de Diaconia. Esta relação entre diaconia e desenvolvimento, por mais relevante e necessária que seja, porém, não está isenta de tensões e, eventualmente, de alguns conflitos.
A relação entre diaconia e desenvolvimento se expressa também, de forma ecumênica, através da participação da IECLB na DIACONIA, de Recife, criada em 1967, e na Coordenadoria Ecumênica de Serviços (CESE), cuja sede fica em Salvador. A CESE foi fundada em 1973, mas a adesão da IECLB se efetivou somente em 1983. Adicionalmente, em âmbito internacional, a IECLB integra a Diakonia of the Americas and Caribbean (DOTAC), participa de e colabora com as iniciativas diaconais, de ajuda humanitária e de desenvolvimento da Federação Luterana Mundial (FLM) e do Conselho Mundial de Igrejas (CMI).
Diaconia e ministério compartilhado
A caminhada para o reconhecimento e a equiparação de diferentes ministérios ordenados na IECLB exigiu muita capacidade de diálogo e de negociação. Em 1994, com a aprovação do programa Ministério Compartilhado, a IECLB deu um importante passo rumo à equiparação dos ministérios pastoral, catequético e diaconal. Tal decisão, sem dúvidas, representou um avanço muito importante para o reconhecimento do ministério diaconal. Em 1998, se incluiu ainda o ministério missionário no elenco dos ministérios compartilhados.
Em fins de 1998, o Seminário Bíblico-Diaconal e a Associação Diacônica Luterana (ADL) encerraram suas atividades como centros de formação de obreiros/as para o ministério diaconal. A partir de 1999, a formação diaconal foi transferida para a Escola Superior de Teologia (EST), obtendo assim nível superior. O Seminário Bíblico-Diaconal foi fechado e a ADL retomou sua vocação de preparar lideranças comunitárias com enfoque diaconal, como fazia originalmente. Em 2002, a EST iniciou o bacharelado em teologia com três ênfases: educação cristã, diaconia e pastorado.
Com a aprovação do Estatuto do Ministério com Ordenação (EMO), em 2002, o ministério diaconal recebeu o reconhecimento oficial na IECLB, e a ordenação de diáconos, diáconas e diaconisas foi devidamente regulamentada. Reconheceu-se que, para desenvolver trabalhos diaconais voluntários nas comunidades, é preciso haver lideranças vocacionadas e devidamente capacitadas para sua orientação.
A partir de 2003, a Faculdades EST formou bacharéis em teologia, com ênfase em diaconia. Na década de 2000, se ampliou também o número de estudantes de pós-graduação (mestrado e doutorado) que passaram a pesquisar temas com ênfase diaconal. Desta forma, ampliou-se igualmente a produção de bibliografia especializada sobre diaconia, de autoria nacional. Em 2006, no processo de reorganização da Secretaria Geral, o Departamento de Diaconia foi transformado em Coordenação de Diaconia. E, desde 2008, a Coordenação de Diaconia está abrigada sob a coordenação da Secretaria de Ação Comunitária, juntamente com a Coordenação de Gênero, Diaconia Inclusão e Voluntários de Missão.
Em 1996, a IECLB instituiu o Dia Nacional de Diaconia, que é celebrado anualmente no domingo Misericordias Domini (a misericórdia do Senhor). A finalidade desta data especial é promover a oração e a reflexão nas comunidades e instituições da IECLB sobre a diaconia, a partir do Tema do Ano.
A dimensão diaconal de nossa vivência comunitária
O Tema do Ano – Ser, Participar, Testemunhar. Eu Vivo Comunidade – nos convida para uma reflexão sobre a dimensão diaconal de nossa vivência comunitária.
A retrospectiva histórica anterior destacou, de forma abreviada, os avanços da IECLB, como igreja nacional, na sua expressão, organização e formação diaconal. É importante que como igreja possamos olhar de forma retrospectiva sobre o caminho percorrido, seja para destacar, valorizar e celebrar os avanços obtidos, seja para constatar, reconhecer e criticar as omissões e equívocos no caminho percorrido. Sem querer fechar os olhos para os problemas, há muito que valorizar e celebrar em gratidão a Deus.
O Tema do Ano de 2013 nos remete à vivência comunitária, no âmbito local. Nossa compreensão eclesiológica valoriza a comunidade local como espaço de vivência e de celebração da fé, e de igual forma valoriza a expressão confessional da nossa fé nos âmbitos nacional e ecumênico. Somos igreja de comunidades que caminham juntas.
Por isso, somos convidados/as a refletir e compartilhar sobre a forma como vivemos a nossa fé em comunidade. Há muitas e distintas formas de aprofundar este tema. No Dia Nacional de Diaconia, porém, buscamos refletir sobre a expressão diaconal de nossa vivência comunitária. Ou, em outras palavras, somos motivadas e motivados a nos questionar sobre qual é o lugar e a importância da diaconia na nossa vivência comunitária. Esta é uma questão que merece tempo para ser refletida e compartilhada.
Para responder a esta pergunta não precisamos permanecer tão somente no nível ideal, que, entrementes, já está bem difundido e aceito, ou seja, que a diaconia é uma dimensão essencial e inerente da vida comunitária. Dificilmente uma comunidade cristã não vai ter alguma expressão ou prática diaconal que possa ser descrita, apresentada ou compartilhada. Tais práticas são importantes e precisam ser valorizadas no âmbito comunitário.
A questão, porém, é em que medida estas práticas são efetivamente um compromisso apropriado, assumido e apoiado pela comunidade - ou são iniciativas de pessoas ou de grupos, ou ainda de profissionais pagos pela comunidade, mesmo diáconos diáconas e diaconisas, que assumem a tarefa em lugar da comunidade?
O compromisso diaconal exige pessoas, tempo e recursos para a sua concretização. Há diferentes formas de se envolver e apoiar as iniciativas diaconais no âmbito comunitário. Muitas pessoas não têm tempo para se envolver diretamente na ação, mas podem apoiá-la e participar dela, seja com visitas esporádicas, seja pela sua oração e contribuição financeira. Há outras pessoas, por sua vez, que têm tempo, mas não têm recursos. Estas podem oferecer a sua ação voluntária como uma efetiva colaboração.
O compromisso diaconal comunitário, como bem aponta o PAMI-Plano de Ação Missionária da IECLB, também exige planejamento. Na vivência comunitária, a prática da diaconia tem relação direta com a proclamação (testemunho) e a liturgia. E a inter-relação das três dimensões fomenta a comunhão.
Neste ano, em diálogo com o Tema do Ano, somos desafiados a assumir a diaconia (Ser), colaborar de forma ativa na sua execução (Participar) e compartilhar a fé que nos move à ação (Testemunhar). A prática diaconal é, efetivamente, uma dimensão necessária da nossa missão e que fortalece a vida comunitária. E o fortalecimento da diaconia comunitária, por sua vez, de forma articulada em rede, reforça a nossa presença e testemunho na sociedade brasileira.
Referências bibliográficas
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IGREJA EVANGÉLICA DE CONFISSÃO LUTERANA NO BRASIL. Ser, Participar, Testemunhar. Eu Vivo Comunidade. Guia de Estudos. Tema e Lema do Ano. Porto Alegre: IECLB, 2013.
Carlos Gilberto Bock
Teólogo - Secretario Executivo da FLD
Colaboração da Diac. Ruthild Brakemeier