Diaconia - A fé ativa pelo amor



ID: 2660

As Contribuições da Reforma Protestante à Diaconia

Artigo

01/11/2017

 
As Contribuições da Reforma Protestante à Diaconia[1]
 
“Não nos cansemos de fazer o bem”! Gl 6.9ª
 
No tempo de Lutero a Europa estava pobre e havia muitas doenças. A peste bubônica, por exemplo, dizimou grandes parcelas da população. O antigo sistema feudal estava sendo substituído pelo capitalismo trouxe progresso, embora milhares de pessoas tenham sido excluídas desse progresso. A Igreja (somente católica, então) era dona de mais da metade das terras da Europa, não pagava impostos e os camponeses tinham que lhe servir com dias de trabalho. Lutero faz várias críticas em relação a esse modo de ser Igreja e ao sistema político que também pertencia à Igreja Católica. Um dos motivos que leva Lutero a escrever o Tratado sobre o Comércio e a Usura se deve ao fato de muitos comerciantes enganarem os vendedores e se favorecerem às custas do próximo através dos contratos de fianças. Não importava a necessidade do outro, contudo que pagasse. O próprio Lutero diz que “inventaram” que “ninguém é obrigado a socorrer o necessitado a não ser em caso extremo”. Para ele isso era um truque vergonhoso e uma prática não-cristã. Os juros para vendas a prazo eram altíssimos. Para Lutero tal prática era falta de preocupação para com o próximo e necessitado. A regra não deveria ser “posso vender minha mercadoria pelo preço que quero”, mas “quanto o preço é correto e justo”. Lutero não se omitiu diante dos problemas. Ao mesmo tempo em que exortava as autoridades políticas, incumbiu-os de introduzir práticas políticas concernentes com o evangelho para o melhoramento da vida da população, por exemplo, introduzir um sistema escolar universal para meninos e meninas, romper com os sistemas político e papal, atender os reclamos legítimos dos camponeses. Estava convicto de que é tarefa cristã importar-se com assuntos, deveres e responsabilidades sociais. No seu escrito sobre “Os Dois Reinos” descreve que servimos como pessoas cristãs na Igreja com nossos dons e nossa fé (= no Reino Espiritual) e no mundo secular com nossa profissão (= Reino Secular) de modo que servimos a Deus em toda parte.
 
Lutero descobre na leitura da Escritura Sagrada que o ser humano é justificado por graça mediante a fé e, portanto, nada pode fazer para obter a justificação. A fé “não é nenhum mero processo mental (acreditar); é, antes de tudo, confiança, é entrega do coração a Deus”. A verdadeira fé é aquela onde não eu vivo, mas o próprio Cristo. O ser humano “vive em Cristo pela fé, no próximo, pelo amor”. A fé nesse Cristo nos faz entender que “Deus justifica a pessoa antes das obras”. Essa é a justiça de Deus. Já nossa forma de praticar justiça deve ser consequência da pessoa justificada. É somente pela fé em Jesus Cristo que nos tornamos atuantes no amor e no serviço ao próximo. Enquanto critica as obras, defende o amor como consequência da fé. Lutero não anula as obras, embora muitos o pensem e até deixam de exercitar o amor, por isso, escreve o livro sobre As Boas Obras, que são aquelas que Deus deixa claro nos Dez Mandamentos. Boas obras são aquelas nas quais não se espera recompensa. São livres e feitas unicamente pensando em quem sofre.
 
Algumas citações de Lutero:
* “fé verdadeira (...) é uma obra divina em nós, que nos modifica e faz renascer de Deus (Jo 1.13) (...) há algo muito vivo, atuante, efetivo e poderoso na fé, a ponto de não ser possível que ela cesse de praticar o bem. Ela também não pergunta se há obras a fazer, e sim, antes que surja a pergunta, ela já as realizou e sempre está a realizar’” (...).
* “Cristo nos ensina para quem devemos fazer obras, mostrando-nos quais são boas obras. Todas as outras obras, com exceção da fé, devemos fazê-las para o próximo. (...) deixa todas as tuas obras com toda a sua vida visar o teu próximo. Procura onde há pobres, doentes, pessoas com deficiência; ajuda-os; exercita neles a tua vida, para que tenham apoio por tua parte, todos aqueles que precisam de ti; ajuda-os na medida de tuas capacidades com teu corpo, teus bens e tua honra...”
* “Olha para a tua vida. Se não te encontrares, como cristão no Evangelho, em meio aos pobres e necessitados, então saiba que a tua fé ainda não é verdadeira e que certamente ainda não experimentastes em ti o favor e a obra de Cristo”.
* “Saiba que servir a Deus não é outra coisa, senão servir ao teu próximo, fazendo-lhe bem com amor, seja ele uma criança, uma mulher, um criado, um inimigo ou um amigo. Não façais distinções quaisquer. O teu próximo é aquele que necessita de ti em assuntos de corpo e alma. Onde podes ajudar corporal e espiritualmente, lá há serviço a Deus e boas obras”.
* “Aqueles que agora receberam o suficiente de Cristo, têm que seguir o exemplo de Cristo e fazer o bem, do fundo do coração, ao próximo, como Ele tem feito para nós, livremente, sem a intenção de ganhar algo com isso, unicamente pelo motivo de que isso agrada a Deus.”
* “Teu coração deve, pois, entregar-se ao amor e aprender que este sacramento é um sacramento do amor e que, assim como tu recebes amor e assistência [na Santa Ceia], deves, por tua vez, demonstrar amor e assistência a Cristo na pessoa de seus necessitados.”
* “Deves deixar-te tocar pelas deficiências e necessidades dos outros como se fossem tuas próprias, (...), assim como Cristo age contigo no sacramento. É isto o que significa ser transformado um no outro pelo amor, tornar-se de muitas partes um só pão e uma só bebida, abandonar a forma própria e assumir uma forma comum.”
 
            O pão nosso de cada dia, trecho da oração do Pai nosso, faz parte de uma oração de intercessão onde não pedimos somente por nós mesmos, mas pelo próximo, caso contrário, Jesus teria ensinado “o pão meu de cada dia dá-me hoje”. Desta forma, se pedimos pelo próximo, cumpre-nos auxiliá-lo em suas necessidades, repartir e lhe servir. A oração nos faz cair nos braços de Deus e confiar Nele totalmente; crer que Deus nos supre as necessidades quando pedimos com fé; que não pedimos por nós mesmos; que não é só o pão o necessário para viver, mas muitas outras coisas. Se nos dispomos a repartir e servir, isto significa olhar para o próximo de uma forma integral. Orar pelos outros é uma tarefa diaconal da comunidade cristã.
 
Na diaconia lidamos com as desigualdades sociais. E não é novidade que mais da metade dos lares brasileiros são sustentados por mulheres. Lutero deu muita autonomia para Katharina, sua esposa. Katharina foi a administradora da casa: empenhou-se para as reformas e construções do “velho convento” que ganharam para ser a moradia deles, torna-se hospedeira, visitadora, esposa, chefe-de-casa (isso incluía a administração não só da imensa casa, mas a agricultura, o comércio, a criação de animais, a fabricação da cerveja e outras tarefas), mãe, mãe adotiva e articuladora “escondida” da Reforma. Lutero mantinha-a informada acerca dos acontecimentos da Reforma e ela mesma era muito interessada e participava das reuniões e ajudava a definir até os pastores e diáconos das paróquias. O diácono Georg Röher foi o primeiro diácono ordenado por Lutero e cuidava da instrução das crianças na casa de Lutero e de assuntos da comunidade local. Esse diácono fez o batismo do primeiro filho de Lutero e Katharina.
 
A visitação e a hospitalidade são os dois pilares da diaconia e Lutero escreveu muito sobre esse tema. Destaco uma frase dele: “Importante seria que se dividisse uma cidade como esta em 4 ou 5 e cada setor recebesse um pregador e alguns diáconos que fossem distribuir os bens, visitar os doentes e que olhassem quem está precisando de ajuda”. Lutero e Katharina eram dedicados a hospitalidade e visitação. Não raras vezes, receberam em sua casa órfãos, estudantes, viajantes, refugiados. Katharina fazia muitas visitas a idosos e enfermos. Às vezes nem podia ir ao culto com Lutero porque estava cuidando de alguém, visto que tinha grande conhecimento com plantas medicinais, sabia orar e entendia a bíblia até no hebraico.
 
A oração, o ensino nas Escrituras, os Catecismos que foram editados e publicados na época e até hoje, e a música foram incentivados por Lutero para o ensino às crianças, aos jovens e aos adultos. A ênfase no ensino mudou toda a forma de ser igreja e sociedade. Que os fundamentos da Reforma Luterana sejam estudados e preservados para que o mundo pós-moderno não caia em armadilhas e esfrie na fé e no amor.
 
Diác. Angela Lenke
Departamento de Diaconia - Comunidade Evangélica de Joinville – UP


[1] Fonte: Angela Lenke. Diaconia em Lutero: A Justificação por Graça e Fé na perspectiva diaconal. Trabalho Semestral. Área Histórico-sistemática. Orientador: Prof. Dr. Wilhelm Wachholz. Escola Superior de Teologia: São Leopoldo, novembro de 2005.
 


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