Prédica: Romanos 5.1-11
Leituras: Gênesis 28.10-17 e Marcos 8.31-18
Autor: Heloísa Gralow Dalferth
Data Litúrgica: 2º Domingo da Quaresma
Data da Pregação: 16/03/2003
Proclamar Libertação - Volume: XXVIII
Tema: Quaresma
1. Introdução
O evangelho de Jesus Cristo já havia chegado a Roma bem antes da redação da Epístola aos Romanos. Segundo At 2.10, havia romanos presentes em Jerusalém na festa de Pentecostes, que ouviram a pregação de Pedro (At 2.14ss.). Não se tem notícias se eles (ou alguns deles) estavam entre os três mil que creram e foram batizados. Mas observa-se que eles são o único grupo de europeus a receber menção entre os peregrinos.
Mas, mesmo que nenhum destes romanos tivesse levado a notícia do Evangelho de Cristo para Roma, a evangelização não tardaria, pois todos os caminhos levavam a Roma. A fé cristã provavelmente chegou até Roma através das correntes comerciais. Já tinha, pois, uma longa história quando Paulo escreveu a sua epístola.
O próprio apóstolo Paulo, mesmo sendo cidadão romano, não conhecia a comunidade de Roma quando lhe escreveu. Ele julgava ter concluído a sua missão no Oriente, voltando-se então para o Ocidente, ou seja, para a outra metade do Império Romano.
2. A redação da Carta aos Romanos
Provavelmente Paulo escreveu a Carta aos Romanos quando esteve durante três meses na cidade de Corinto, hospedado na casa de um amigo chamado Gaio, que havia se convertido. Isso ocorreu por volta do ano 56 (ou 57), quatro antes de sua viagem a Jerusalém, visando entregar uma coleta que fora feita entre os cristãos gentios, para estreitar laços de amizade entre os cristãos da igreja-mãe da Judéia e as igrejas gentílicas.
E depois de concretizada essa entrega, ele ficou ansioso para iniciar uma evangelização na Espanha. Mas antes queria passar por Roma para conhecer a cidade da qual era cidadão, bem como conviver com os cristãos daquela comunidade. Ele já conhecera pessoas de lá em suas viagens missionárias e queria renovar seu espírito com algumas semanas de companheirismo com os cristãos de Roma.
A Epístola aos Romanos deveria preparar os cristãos de lá para a sua visita. O seu conteúdo seria uma exposição de sua compreensão cio evangelho que ele pregava. Ele não se dirige a essa comunidade (não-fundada por ele) com o objetivo de trabalhar nela como missionário, mas apresenta-se como ministro de Jesus para os gentios (Rm 15.16), tendo a intenção de chamar-lhes à memória a graça que lhe foi concedida por Deus (Rm 15.15).
3. A comunidade de Roma
Havia uma comunidade judaica em Roma já desde o século 2 a. C. Os judeus, porém, sofreram expulsões, uma vez pelo imperador Tibério, no ano 19 (retornando alguns anos depois em número bem maior), depois foram novamente expulsos pelo imperador Cláudio, conforme At 18.2, onde é relatado o encontro de Paulo com os recém-chegados de Roma (Áquila e sua esposa Priscila), que de lá haviam sido expulsos com os demais judeus. Priscila e Áquila já eram cristãos antes de conhecerem Paulo, fazendo certamente parte do primeiro grupo de cristãos de Roma.
Há informações de que esses judeus de Roma estavam em constante rebelião por causa de um agitador chamado Chrestos (uma variante gentílica de Christus).
Este primeiro grupo de cristãos de Roma era exclusivamente de origem judaica. Contudo, por volta do ano 57, a comunidade era formada tanto por cristãos de origem judaica como pelos de origem gentílica. Mas Paulo frisa aos cristãos de origem gentílica que não devem esquecer a base judaica desta comunidade (Rm 11.18). Ele tenta zelar pela harmonia entre esses dois grupos dentro da comunidade.
4. O texto
Paulo mostra como a justificação ocorrida através da morte e da ressurreição de Cristo atua na prática da existência cristã. A sua intenção é destacar a esperança como sendo a determinação central do ser cristão. Para isso, ele argumenta na perspectiva escatológica.
a) A estrutura do texto
v. J-2a, com a primeira tese: paz com Deus, como consequência
da fé;
v. 2b, com a segunda tese: a esperança da glória de Deus como segunda consequência da fé;
v. 3-5a, constituem uma consequência lógica que ilustra e justifica a segunda tese. Mas, no v. 5a, é lançada uma nova tese, de que há esperança de que a salvação escatológica será cumprida;
v. 5b-8, a esperança escatológica é desdobrada e fundamentada;
v. 9-11 acentuam a esperança. Paulo conduz a sua argumentação sobre a paz com Deus e a esperança da glória de Deus como uma nova categoria na vida cristã. O maior acento está na esperança, pois ela é fundamentada nos blocos 3-5a e 5b-8.
b) Análise detalhada do texto
Em Rm 5.1, inicia um novo enfoque acerca do tema tratado até ali, ou seja, que, pelo Evangelho, a justiça será algo pertinente à fé. Agora se acrescenta ainda que esta justiça significa salvação e vida.
v. 1: faz ligação direta com Rm 4.25. Ser justificado significa ter paz com Deus. Sem Cristo, reina inimizade entre Deus e as pessoas. A pessoa está em contraposição a Deus e Deus em contraposição à pessoa pecadora. Mas este estado chega ao fim, pois nós tornamo-nos pessoas justas a partir da nossa fé; e, como pessoas justas, estamos em paz com Deus.
v. 2: o mediador desta paz com Deus é Cristo, que nos deu acesso ao estado de graça, no qual nos encontramos, por causa da nossa fé. E com a paz é dada a garantia de que participaremos da sua glória, isto é, da sua vida eterna.
É por causa do pecado que as pessoas estão privadas da glória; mas onde existe justiça, aí não faltará glória. Nós ainda não a temos. Ela permanece sendo nossa esperança, ainda que, ao mesmo tempo, possamos esperar por ela com certeza.
v. 3: o futuro está sob a luz da esperança. Ao mesmo tempo, o presente, que é cheio de dificuldades e sofrimentos que fazem parte da vida, não trava a alegria. Ele leva ao encontro da glória futura.
v. 4: as dificuldades do presente fortificam a esperança. É uma corrente que vem desde o sofrimento, conduzindo para a glória. Paulo fala na fé, e somente das pessoas que têm fé. Para os crentes, a fé, isto é, esperança e vida, são recíprocos: fé e esperança determinam a vida e, ao mesmo tempo, a f é e a esperança crescem na vida, através da vida.
v. 5: o último elo da corrente (a esperança não confunde) está firmemente vinculado à experiência: estamos ancorados no amor de Deus, e a nossa esperança baseia-se na promessa de Deus que tem o seu cumprimento garantido. Paulo não somente afirma que a certeza do amor de Deus no coração é dádiva do Espírito Santo, mas entende que o amor, por si só, é derramado em nossos corações. O Espírito não somente opera a certeza do amor, mas ele, como dádiva, é a realidade certa e imediata do amor de Deus.
v. 6: Paulo ainda mostra de outra forma até que ponto as nossas experiências são resultado do amor de Deus. Ele faz um jogo de palavras, elevando o amor de Deus, dizendo que Cristo morreu por nós quando ainda éramos fracos e morreu também pelos não-crentes.
v. 7: e o amor de Deus é elevado ainda mais pelo apóstolo Paulo, quando ele compara a disposição de sacrifício das pessoas: como pessoas humanas somos (praticamente) incapazes de dar a nossa vida pelos justos, - que dirá pelos injustos! Mas o apóstolo admite que existem tais pessoas, ainda que raras, capazes e dispostas a tal sacrifício. E sua atitude é louvável. Mas, mesmo assim, o seu sacrifício não é comparável ao sacrifício de Cristo. Perante Deus, tais pessoas boas e justas também são pecadoras e necessitam da graça de Deus.
v. 8: Deus permitiu que Seu Filho morresse por nós, quando ainda oramos pessoas pecadoras. E esse é o grande milagre do amor de Deus, que ultrapassa a todas as capacidades humanas.
v. 9: e o seu amor, que nos acolheu quando ainda não éramos justificados, acolhe-nos agora muito mais intensamente ainda, depois de sermos justificados pelo seu sangue.
v. 10: este versículo é paralelo ao v. 9, reforçando o que já foi nele afirmado. Se a morte de Cristo causou efeitos tão grandiosos, reconciliando consigo os seus inimigos, então tanto mais a vida que vem da ressurreição nos conduz para a sua glória.
v. 11: a inimizade das pessoas para com Deus é transformada em amizade. Elas puderam experimentar a totalidade do amor de Deus, pois foi por iniciativa dele que aconteceu a reconciliação.
5. Pistas para a prédica
A leitura deste texto é um tanto longa, e penso que algumas expressões chamarão a atenção dos e das ouvintes, como: a tribulação (o sofrimento) produz perseverança (v. 3). Esse aspecto deveria ser tematizado na prédica, uma vez que provoca questionamentos, críticas e protestos. Como eu, sendo cristã ou cristão, trabalho a questão do sofrimento?
* Tenho as minhas perguntas, mas devo também escutar as perguntas dos outros;
* Tenho a minha esperança, mas devo também levar a sério as esperanças das outras pessoas;
* Temos que perguntar pela paz - paz conosco mesmos, paz com outras pessoas e pela paz com Deus. O que significa isso na nossa vida?
A reconciliação, que chega a nós por iniciativa de Deus, faz de nós pessoas justas. Estamos aptos para a glória de Deus, não por merecimento, mas por causa do grande amor de Deus para conosco. E, estando reconciliados, podemos viver em paz.
Sugiro que o texto de Rm 5.1-11 seja apresentado em seu contexto original. É sempre interessante para as pessoas que ouvem tomar conhecimento de para quem e por que um determinado texto está destinado em sua origem.
Falar um pouco da comunidade de Roma, de sua origem e de sua situação ajudará nossos e nossas ouvintes a entender a mensagem deste texto. Isso poderia ser o início da prédica. Num segundo passo, deixar o texto falar e concluir com a questão da reconciliação com Deus, que nos permite estar em paz.
A não-conformidade com o sofrimento (com o meu próprio ou o de outros) contribui para o engajamento por um bem-estar da pessoa. Só se pode estar em paz se existe uma luta para que todos tenham paz.
6. Subsídios litúrgicos
Oração de confissão
Senhor Deus, nosso Pai Celestial. É de coração aberto que nos dirigimos a ti neste momento. Temos motivos para te agradecer e, ao mesmo tempo, tantos pedidos a te fazer. Nossos corações estão cheios de ansiedades, de dúvidas, nossa fé é fraca. Queremos melhorar; para isto precisamos de tua ajuda. Tantas vezes não agimos, porque não queremos errar e conseqüentemente não ser criticados, pecando por omissão.
Senhor e Deus, quantas vezes somos insensíveis diante de outras pessoas, não querendo ver as suas necessidades. Quantas vezes somos impertinentes demais. Quantas vezes queremos acumular poder e ser os únicos cheios de razão. Sabemos que somos pessoas cheias de limitações, mas nem estas queremos admitir. Poderíamos continuar enumerando as nossas fraquezas, mas isto nem é necessário. Tu as conheces todas. E nós queremos pedir-te perdão e uma nova chance. Tem, Senhor, piedade!
Oração de oferta
Eterno e todo-poderoso Deus, Pai Celestial. Hoje, neste segundo domingo da paixão, estamos reunidos aqui em culto, como tua comunidade. Queremos lembrar de tua paixão e morte na cruz de teu Filho. Tu vieste ao mundo, como uma frágil criança. Tu soubeste te colocar no lugar das pessoas, viver como pessoa, amar, sofrer, sentir. E o mundo não suportou o teu modo de viver e de conviver. O mundo não suportou o teu imenso amor, o mundo não suportou a tua paz! E tu acabaste na cruz Foi o pecado que te matou - o pecado das pessoas naquela época e também o nosso pecado. Nós, que geralmente nos preocupamos demais com a nossa própria vida e conosco mesmos, também somos responsáveis pela falta de amor e pela falta de paz neste mundo. Que sejamos tocados por tua palavra e que ela transforme a nossa vida. Por Cristo Jesus, nosso único Senhor e Salvador. Amem.
Bibliografia
ALTHAUS, Paul. Der Brief an die Römer. Göttingen: Vandenhoeck & Ruprecht, 1966, (NTD,6).
BRUCE, F. Romanos: introdução e comentários. São Paulo: Mundo Cristão, 1977.
GREIVE, Wolfgang. 2. Sonntag der Passionszeit (Reminiszere) Rm 5,1-5(6 –l1) In: Neue Calwer Predigthilfen, zweiter Jahrgang, Band A: Advent bis Himmelfahrt. Stuttgart, 1979. p 203-211.
KÜMMEL, Werner Georg. Introdução ao Novo Testamento. São Paulo. Paulinas, 1982.
Proclamar Libertação 28
Editora Sinodal e Escola Superior de Teologia