Prédica: Romanos 11.1-2a,29-32
Leituras: Isaías 56.1,6-8 e Mateus 15.21-28
Autoria: Atílio Hunzücker
Data Litúrgica: 11º. Domingo após Pentecostes
Data da Pregação: 20/08/2017
Proclamar Libertação - Volume: XLI
Deus inclui na construção do seu Reino
1. Introdução
Neste 11º Domingo após Pentecostes, podemos dizer que a temática que nos oferecem os textos é a inclusão no projeto salvífico que Deus concede a “todos” (e todas) conforme sua soberania.
Isaías 56.6-7 fala claramente da inclusão salvífica do estrangeiro: é uma inclusão pelo serviço e obediência a Deus. O estrangeiro que cumpre com os preceitos, respeita o sábado, une-se à aliança, será reconhecido, aceitos seus sacrifícios e holocaustos; e conclui com a afirmação: “Minha casa será casa de oração para todos os povos”. Essa inclusão não está presente na promessa feita a Abraão? Gênesis 18.18: Visto que Abraão certamente virá a ser uma grande e poderosa nação, e nele serão benditas todas as nações da terra.
Mateus 15.21-28 relata-nos o encontro de Jesus com a mulher cananeia e apresenta a inclusão como fruto da fé: Ó mulher, grande é a tua fé! Faça-se contigo como queres. E, desde aquele momento, sua filha ficou sã. Jesus reconhece a fé da mulher, o amor dela por sua filha sofredora, a total falta de orgulho frente ao tratamento que ele lhe deu. Jesus, diante dessa demonstração de fé, modifica sua afirmação no v. 24: Não fui enviado senão às ovelhas perdidas da casa de Israel. Sua fé está em aceitar ao menos as migalhas que caem da mesa, e elas serão suficientes para curar sua filha.
O texto de Romanos reafirma a inclusão dos gentios sem a rejeição definitiva a Israel.
Creio que nossa celebração pode conter essas diferentes perspectivas de inclusão que Deus nos oferece para viver em seu Reino.
2. Exegese
Ao tratar um texto da, quem sabe, mais rica carta de Paulo, encontramos o esforço de conciliar, mesclar a mensagem do evangelho aos gentios (alheios à história de Israel) com os que já pertenciam por nascimento a Israel, dando-lhe força para o paradoxo da ruptura e continuidade gerada em Cristo.
No meu entender, há, pelo menos, quatro palavras-chave em nosso texto: rejeição, irrevogável, desobediência e misericórdia.
Rejeição – Paulo sustenta que Deus não rejeitou seu povo; e ele mesmo se coloca como exemplo de israelita colocado a serviço dos gentios; se todo o Israel tivesse sido rejeitado, ele não poderia realizar sua missão. O estar fora, desobedecer, não aceitar a vontade de Deus não implica uma definitiva exclusão, somente significa uma oportunidade para voltar a ser enxertado no tronco, como o apóstolo descreve com a imagem dos ramos da oliveira.
Irrevogável – Paulo necessita sustentar a continuidade do projeto divino com Israel, com Cristo e com os gentios. Os dons e o chamado não têm volta; mais tarde ou mais cedo está dito, dito está, não há possibilidade de mudança. Por isso o povo eleito seguirá sendo para sempre. Irrevogável refere-se à soberania de Deus e seu agir na história, às suas decisões, que nunca são carentes de amor e misericórdia.
Desobediência – Poderíamos dizer que em nosso contexto significa auto- exclusão como consequência do pecado, da cegueira, da surdez diante da Palavra. Não é a rejeição de Deus a seu povo; mas a rejeição do povo a Deus e à sua vontade. Essa ideia é incorporada em Romanos 11.32 com a afirmação: Porque Deus a todos encerrou na desobediência, a fim de usar de misericórdia para com todos. Podemos pensar assim: desobediência = afastamento; reconhecimento do afastamento = oportunidade para que Deus ofereça sua misericórdia. Paulo inclui tanto judeus como gentios nessa experiência de afastamento-desobediência.
Misericórdia – Não posso afastar de mim a mais rica imagem que dá pleno sentido ao termo: o regresso do filho menor em Lucas 15.20: E, levantando-se, foi para seu pai. Vinha ele ainda longe, quando seu pai o avistou, e, compadecido dele, correndo, o abraçou, e beijou. Transportemos essa imagem aos israelitas que regressam, aos gentios que regressam, a cada um de nós que regressa e nos restaura com a misericórdia de Deus. Com isso podemos entender a última afirmação de Paulo no v. 32.
Não devemos esquecer que a rejeição ao evangelho por parte dos judeus torna o apóstolo disponível para chegar aos gentios. Assim podemos explicar o conteúdo do v. 30. Porém Paulo segue inquieto a respeito do destino de Israel e afirma contundentemente que Deus não rejeitou o povo que chamou, embora não seja em memória dos patriarcas. Todos os que pertencem à raiz, como os que foram enxertados, recebem a seu tempo a misericórdia, alguns primeiro, outros mais tarde. O esforço de Paulo é fazer complementares as partes que antes resultavam excluídas: judeus e gentios complementam-se e necessitam-se para a plenitude da salvação.
3. Meditação
Ao ter em nossa frente versículos da, quem sabe, mais rica carta de Paulo, não deixa de me surpreender a informação e o conhecimento que o apóstolo tem sobre a igreja de Roma. Conhecemos o projeto que ele tinha de visitar as pessoas que não conhecia pessoalmente. Havia uma disputa na igreja de Roma entre gen- tios e judeus? Havia uma rejeição manifestada na igreja aos judeus não converti- dos? Que gravidade tinha esse problema? Creio que o esforço que Paulo realiza a respeito da não rejeição definitiva de Deus para com o povo eleito aponta para o risco que correm os gentios de tornar-se sem misericórdia frente aos judeus e desenvolver um orgulho vazio.
A história da salvação, ou melhor, a história da ação de Deus no mundo (seu mundo) não é linear; pelo contrário, é manifestamente escabrosa e tortuosa. Por isso o povo de Deus, formado por gentios e judeus, ou o Israel não cristão, experimentou ao longo do tempo aproximações e distâncias, fidelidade e rejeição, sofrimento e felicidade. Paulo parece dizer-nos: Deus necessita de nós todos, e a plenitude chegará quando a salvação alcançar todos (todos chegam a ser incluídos). Os gentios devem ser considerados em relação aos judeus, já que pela desobediência desses aqueles receberam a misericórdia.
Como essa mensagem de não rejeição e de inclusão afeta nossa igreja de hoje?
O que nos diz Paulo diante de uma realidade em que a religião ou as diferentes ofertas religiosas fazem parte do mercado? Estamos em condições de aceitar que “todos fomos incluídos sob a desobediência para assim receber misericórdia”?
Neste tempo, quando em mais ou menos dois meses celebraremos os 500 anos da Reforma protestante, estamos em condições de discernir sobre nossa própria fidelidade, nossa presença misericordiosa no mundo?
Como olhamos para a história? O que aconteceu aos judeus nesses dois milênios? O que aconteceu e o que acontece hoje com os muçulmanos?
Saindo agora da visão das religiões e suas lutas, penso no mais geral de nosso mundo social, econômico e político. Algum tempo atrás, escutei a Sra. Christine Lagarde, diretora-geral do Fundo Monetário Internacional (FMI), ma- nifestando seriamente sua preocupação a respeito do aumento de sobrevida das pessoas após sua aposentadoria. Fica claro que o sistema econômico dominante (que fala e declama sobre inclusão) termina dizendo que “alguns, perigosamente, sobram” ou atentam contra o êxito do sistema econômico-financeiro mundial. Sobram os velhos porque gastam e não produzem; sobram os pobres dos países onde os ricos extraíram tudo e deixaram terra arrasada; sobram os que, por formação, condição social, lugar de residência, não conseguiram transformar-se em eficientes consumidores que colaborem para reproduzir o sistema. São milhões os rejeitados, os “esquecidos de Deus”; são milhares os que tentam integrar-se à misericórdia do sistema, seja no México, seja cruzando o Mediterrâneo, e somen- te encontram a morte. Os cristãos e as igrejas podem discutir com Paulo e dizer-lhe: Esses são os rejeitados de Deus. Como podemos ajudá-los minimamente em seus padecimentos? Ganhou relevância o problema dos refugiados nos países centrais. Seria mais apropriado poder reconhecer o que temos feito aos integrados no sistema para que tantos milhares estejam fora. É urgente ouvir e ampliar a voz profética do apóstolo: Misericórdia para todas as pessoas.
Corremos o sério risco de tornar-nos sem misericórdia e perder o que faz de Deus nosso Deus, manifestado plenamente em Jesus Cristo: sua misericórdia. É necessário poder ter em nossas comunidades, por mais insignificante que nos pareça, um olhar amplo na perspectiva do projeto salvífico de Deus para não cair na impotência ou nos dopar com o orgulho.
4. Imagens para a prédica
Creio ser importante poder enumerar, brevemente, épocas históricas, quando distintos grupos foram excluídos a partir da perspectiva do privilégio de ser cristãos: as Cruzadas; a expulsão dos mouros na Espanha; a conquista “cristã” do continente agora chamado América; a situação dos negros nos Estados Unidos... Seguramente encontraremos exemplos mais próximos e atuais que possamos apresentar: Paulo foi lido? Foi entendida sua afirmação de que “todos” alcançarão a misericórdia de Deus?
5. Subsídios litúrgicos
Confissão de pecados
Podemos enumerar as exclusões próprias e alheias com suas consequên- cias e rogar a Deus por seu perdão.
Oração de coleta
Recordamos os feitos de Deus e suas inclusões em seu projeto salvífico.
Oração de intercessão
Incluir e pedir por aquelas pessoas que ainda sofrem rejeição em nossas igrejas e em nosso mundo.
Bibliografia
COMENTARIO BÍBLICO SAN JERÓNIMO. Nuevo Testamento. Madrid: Verbo Divino; Estella, 2004.
LA SAGRADA ESCRITURA, BAC. Nuevo Testamento. Tomo II. Madrid, 1968.
(Tradução: João Artur Müller da Silva)
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