Prédica: Mateus 28.1-10
Leituras: Atos 10.34-43 e Colossenses 3.1-4
Autor: Guilherme Lieven
Data Litúrgica: Domingo da Páscoa
Data da Pregação: 04/04/1999
Proclamar Libertação - Volume: XXIV
Tema: Páscoa
1. Introdução
Jesus ressuscitou! Os cristãos ressuscitam! Todos já ouviram esta afirmação. Porém a maioria têm dificuldade para vivenciar e testemunhar o conteúdo que ela comunica e expressa. O Domingo da Páscoa continua sendo uma data de destaque no calendário da Igreja. Mas suspeitamos que o seu conteúdo central, a proclamação e a fé na ressurreição de Jesus, esteja diluído pelas tradições, pelas dúvidas em relação à vida e à morte e pela distância do povo da alegria da vitória de Deus sobre a morte. A vida está morrendo em todos os sentidos.
Quando anunciamos a ressurreição de Jesus e dos mortos deparamos com muitos desafios. Alguns deles:
* A tese da reencarnação simplifica a morte e consola a tantos com a ideia da morte parcial, apontando a possibilidade de reencarnação da alma ou do espírito;
* O cadáver ressuscita? Tantos que estão presos aos túmulos e não assumem a fé na nova criação pela ressurreição;
* Outros acreditam que a alma é imortal, que a pessoa toda não morre e a alma perambula por aí, ou já está com Deus;
* Tantos que perderam o sentido de viver e não sentem nenhuma alegria por causa da vida aqui, muito menos por aquela que há de vir.
Diante de tantos desafios, e tocados pela morte e pelos túmulos cheios, somos chamados para anunciar a vida, a vitória de Deus sobre a morte. Neste Domingo da Páscoa o texto de Mt 28.1-10 é a nossa âncora, amarrada ao Espírito Santo.
2. A ênfase do texto
Somos convidados a anunciar a vitória de Deus sobre a morte, a partir do relato da ressurreição de Jesus apresentado pelo evangelista Mateus. No primeiro dia da semana duas mulheres, Maria Madalena e a outra Maria, vão visitar o túmulo de Jesus. Acontece um terremoto, os guardas ficam apavorados de medo, e um anjo do Senhor aparece para remover a pedra, mostra o sepulcro vazio e ordena às mulheres que anunciem a ressurreição de Jesus e o seu encontro com os discípulos na Galiléia.
O relato de Mateus tem as suas ênfases próprias. Destacamos uma delas:
Vv. 2-4: Mateus inclui na narrativa da ressurreição de Jesus (28.1-10) informações que não aparecem nos relatos dos outros evangelistas: um terremoto que abre o túmulo, o pavor dos guardas e a presença do anjo do Senhor associada com o terremoto. Mateus dá à narração do acontecimento um estilo apocalíptico. Certamente para destacar e assegurar a sua veracidade, já que sua comunidade, marcada pelas tradições judaicas, atendia aos apelos do apocalipsismo. Mesmo que a origem da fé na ressurreição de Jesus não tenha sido baseada no sepulcro vazio, e sim nas aparições, a espiritualidade e a linguagem da época de Mateus destacam o túmulo de Jesus vazio; colocam na boca do anjo o anúncio da ressurreição de Jesus — o sepulcro está vazio: vinde ver onde ele jazia (v. 6) — e enfatizam aquele momento com o fenômeno do terremoto. Para afastar as suspeitas levantadas sobre o roubo do corpo por parte dos discípulos, para provar a ressurreição de Jesus e absorver a tradição mais antiga do testemunho das aparições dele, o relato do túmulo vazio recebe o seu destaque. E a presença do anjo do Senhor também tem sua importância, já que a tradição judaica creditava às aparições do anjo de Javé (mal'ak Yahwe) a autoridade da revelação do próprio Deus. O anjo tem o aspecto de um relâmpago, suas vestes são alvas como a neve (as vestes de Deus).
Vv. 9-10: Vale mencionar, ainda, o material exclusivo de Mateus que apresenta o encontro de Jesus com Maria Madalena e a outra Maria, depois que elas saíram do sepulcro. Os exegetas explicam este relato como uma inclusão posterior, visto que no v. 7 o anjo havia enviado as mulheres para marcarem o encontro de Jesus com os discípulos na Galiléia. Certamente esta é mais uma ênfase do evangelista.
Porém proponho uma escolha. Sugiro centralizai- a meditação no destaque dado por Mateus ao túmulo vazio, apresentado com a linguagem e estilo de uma espiritualidade que impulsiona a fé.
3. Meditação
O sepulcro está vazio. Jesus ressuscitou! Para a comunidade de Mateus isto é fundamental. O túmulo vazio é o sinal mais forte de que Jesus não está morto, mas ressuscitou e apareceu para os discípulos. E toda esta obra é de Deus. É fundamental a vitória sobre a morte. O Cristo proclamado e seguido é aquele que vive e que dá a vida, maior do que a morte, a todos os que o seguem, que o temem e que fazem o que é justo (At 10.35). Este Cristo é nossa vida (Cl 3.4).
Hoje, a fé na ressurreição é um dom vivido por poucos. Para a maioria que participa das comunidades cristãs o seguimento a Jesus está dissociado da fé na ressurreição. A ressurreição de Jesus perdeu a sua centralidade, até mesmo nos sacramentos do Batismo e da Santa Ceia. Os impulsos que levam as pessoas a procurarem a comunidade cristã, os sacramentos e a fé em Jesus Cristo estão dissociados da fé na ressurreição, mesmo que marcados por necessidades imediatas e concretas do dia-a-dia ocasionadas pela morte; por exemplo: o desemprego, a doença, a fome, a exclusão familiar e social, os medos, os sofrimentos em geral. Poucos relacionam a ressurreição de Jesus e a fé na sua ressurreição e na ressurreição do outro com a prática de fé que inclui a vida concreta neste mundo. O conteúdo de fé da ressurreição foi deslocado da alegria da vida, livre da morte, para responder exclusivamente à questão da salvação eterna, como se esta estivesse desvinculada da outra.
Essa é uma perda enorme para todo o povo de Deus. A ressurreição de Jesus e a nossa ressurreição têm o poder da vida que transforma e vence a realidade de morte em que estamos inseridos. O anúncio da salvação, da Nova Aliança, do amor de Deus, passa fundamentalmente pela ressurreição de Jesus e pela nossa ressurreição. Todo o exercício do discipulado, do sacerdócio geral, da diaconia, toda a ação viva de Deus no mundo que inclui o seu povo, estão ancorados necessariamente na fé na ressurreição. Pois ela é a certeza da presença viva de Jesus na realidade e na história, é a alegria de lutar contra um inimigo já vencido, é a alegria da liberdade que tem o poder de uma vida que não termina. E a maioria do povo de Deus não vive esta experiência de fé.
Todos estão sofrendo a morte. A morte é a realidade que ameaça a dignidade, a cidadania, a alegria, a esperança, as grandezas da vida. Crescem os mecanismos de morte nos meios urbano e rural e todos acostumam-se com eles. Os que lutam pela vida são perseguidos, são assassinados. As iniciativas comunitárias são perseguidas, caluniadas e abortadas. Neste contexto anunciamos a ressurreição, a páscoa de Deus — a libertação, a vitória da vida sobre a morte e seus poderes.
A Páscoa é o espaço especial para proclamarmos a vida, o túmulo vazio — a vitória de Deus sobre a morte. Todos estão sedentos deste anúncio. Querem vencer as suas dúvidas, almejam um rumo, um horizonte; estão tristes e esperam um motivo concreto para a alegria de viver e enfrentar a morte. A partir do texto de Mt 28.1-10, somos desafiados a fazer esse anúncio com uma linguagem e estilo espiritual que chamem a atenção, que imponham credibilidade, que creditem o fato da ressurreição ao poder e à ação de Deus. Como fazer isso?
4. Sugestão
O texto com a sua linguagem e estilo, a data especial do calendário eclesiástico, a tradição de grande participação na celebração da Páscoa exigem uma atenção e um empenho especiais para programar e dirigir o encontro pascal da comunidade. Pressupondo isso, sugiro o envolvimento de jovens e lideranças da comunidade na preparação de um cenário especial no ambiente do encontro.
* Construir um barraco de papelão, totalmente escuro por dentro, em forma de túnel — com entrada e saída. Ao lado da entrada do barraco desenhar a tampa de um caixão fúnebre ou sepultura.
* Em anexo a este, construir um espaço totalmente claro, alvo, iluminado, também em forma de túnel. No interior afixar um cartaz, ou faixa, para comunicar que Jesus ressuscitou, Ele vive. Ou anunciar a ressurreição pela gravação de uma voz.
* Convidar a comunidade para cruzar o ambiente de encontro passando por dentro dos dois túneis.
A proposta é impulsionar a fé na ressurreição; é prender a atenção dos participantes já pela presença das construções no ambiente do templo. Não será como um terremoto, conforme a linguagem de Mt 28.1-10. Mas facilitará o anúncio do túmulo de Jesus vazio, a ressurreição e o seu impacto na vida dos participantes.
Bibliografia
BOFF, Leonardo. A ressurreição de Cristo — a nossa ressurreição na morte. Petrópolis Vozes, 1974.
Proclamar Libertação 24
Editora Sinodal e Escola Superior de Teologia