Prédica: Mateus 21.33-46
Leituras:
Autoria: Eduardo Paulo Stauder
Data Litúrgica: 19° Domingo após Pentecostes
Data da Pregação: 08/10/2023
Proclamar Libertação - Volume: XLVII
Onde estão os frutos?
1. Introdução
A vinha tão bem cuidada e preparada pelo seu dono produz uvas amargas. O que fazer com essa vinha? Seus frutos não podem ser aproveitados. O dono resolve destruir a vinha e transformá-la num espaço de pastagem. Isaías 5.1-7 traz, por meio de um cântico, essa imagem da vinha que produz uvas amargas. Uma vinha a ser abandonada.
O apóstolo Paulo também precisou abandonar sua tradição religiosa. Como ele diz na Carta aos Filipenses: Eu joguei tudo fora como se fosse lixo, a fim de poder ganhar a Cristo e estar unido com ele. Eu já não procuro mais ser aceito por Deus por causa da minha obediência à lei. Pois agora é por meio da minha fé em Cristo que eu sou aceito; essa aceitação vem de Deus e se baseia na fé.
O Evangelho de Mateus 21.33-46 apresenta uma parábola que traz a imagem de uma plantação de uvas. Em Isaías, as uvas produzidas eram amargas. Na parábola, não se comenta sobre a qualidade das uvas. Aqui a preocupação é sobre quem fica com os frutos. O dono da vinha prepara o vinhedo com toda a estrutura necessária para uma boa e segura produção, mas ele vai viajar para um lugar distante. Deixa arrendatários responsáveis em cuidar da vinha. Mas na hora de receber os frutos da vinha, os vinhateiros querem ficar com os frutos e buscam se adonar da propriedade por meio da violência.
Os frutos que produzimos, a forma como eles são partilhados nem sempre correspondem à vontade de Deus. A partir de Cristo, a pedra que foi rejeitada, fundamentamos a nossa fé.
2. Exegese
Jesus se encontra no templo de Jerusalém ensinando. Seus ensinamentos questionam e provocam conflitos com o grupo dos sacerdotes, fariseus, líderes judeus, saduceus. A presença, os ensinamentos e as atitudes de Jesus revelam conflitos sociais e religiosos, denunciando como a prática religiosa voltada para o templo está distante do Reino de Deus. A fala de Jesus direciona uma crítica a esses grupos. A tensão entre Jesus e esses grupos perpassa os capítulos 21 a 23 do Evangelho de Mateus.
Até o final do capítulo 23, Jesus se encontra no templo ensinando. A multidão acompanha Jesus e o considera um profeta. Esse apoio popular impedia a prisão de Jesus por parte das autoridades religiosas, que tinham medo da reação do povo.
Jesus não se apresenta de uma forma neutra diante da realidade. Ele toma posições. O ensino de Jesus por meio de parábolas revela uma dimensão profética que questiona, denuncia e chama para mudanças.
Em Mateus 21.23, Jesus chega ao Templo e passa a ensinar. Nesse processo de ensino se estabelece uma série de conflitos com o grupo dos fariseus, dos sacerdotes, líderes judeus, os quais questionam a autoridade de Jesus. Eles perguntam a Jesus: Com que autoridade você faz essas coisas? Quem lhe deu essa autoridade?
Jesus não responde de forma direta e objetiva. Ele devolve uma pergunta: Quem deu autoridade a João para batizar? Os líderes religiosos não respondem a Jesus, que também não apresenta uma resposta. Mas, na sequência, Jesus apresenta três parábolas: os dois filhos (Mateus 21.28-32); os vinhateiros maus (21.33-46); a festa de casamento (22.1-14). Essas parábolas nos fazem refletir não somente sobre de onde vem a autoridade de Jesus, mas também de onde vem a autoridade das lideranças. Como a autoridade está relacionada ao Reino de Deus?
Essas parábolas são ditas aos opositores de Jesus. Elas defendem e justificam o evangelho contra os críticos e inimigos da boa nova, que se escandalizam e rejeitam Jesus por acolher os pobres e pecadores e manter comunhão de mesa com os desprezados (Jeremias, 1986, p. 126).
Mateus 21.33-46 encontra textos paralelos em Marcos 12.1-12 e Lucas 20.9-19. O Evangelho de Tomé, que apresenta uma coletânea das palavras de Jesus, também traz a parábola na palavra 65 de Jesus. O Evangelho de Tomé demonstra ser o texto mais próximo das palavras de Jesus. Ao compararmos como cada um dos evangelhos narra essa parábola, percebemos diferenças que revelam que a parábola sofreu alterações e acréscimos.
A parábola apresenta um cenário de conflito pela posse da terra, marcado pela violência. Os vinhateiros se rebelam para garantir a posse da terra. Existe o desejo de não entregar os frutos ao dono da terra. Agem com violência contra o filho do dono da terra. Querem eliminar o herdeiro para se adonar da propriedade. Esse clima de conflito espelha a relação existente entre os camponeses galileus e os latifundiários estrangeiros. As terras no vale superior do rio Jordão, provavelmente também a margem norte e noroeste do lago de Genesaré e grande parte do planalto galileu, estavam na posse de latifundiários estrangeiros.
No Evangelho de Mateus, temos um texto que foi escrito também para responder a perguntas das comunidades para as quais o evangelho foi dirigido. Comunidades que sofreram o impacto da revolta judaica, que levou à destruição do Templo de Jerusalém pelo Império Romano em 70 d. C.
Mateus 21.33-46 forma um conjunto, mas pode ser dividido em duas partes: os v. 33-41 apresentam a narrativa da parábola dos vinhateiros maus; os v. 42-46 trazem uma interpretação da parábola e suas consequências.
Nos v. 33-40, Jesus conta a parábola, que não apresenta uma conclusão, mas termina com uma pergunta: Quando, pois, vier o senhor da vinha, que fará àqueles lavradores?
O v. 33 é uma introdução. Descreve como o dono das terras plantou a sua vinha, organizou toda a infraestrutura, a arrendou a lavradores e foi viajar para um outro país. A cerca, os lagares e a torre são uma referência a Isaías 5.1.
. 34-36: como o dono das terras está ausente, ele envia empregados para receber a sua parte da colheita. Os empregados são maltratados, espancados e até mortos.
V. 37-39: o dono das terras faz uma última tentativa, enviando o seu filho para receber os frutos da colheita. Os lavradores veem uma oportunidade de eliminar o herdeiro e se apossar da terra. O filho é levado para fora da plantação e então assassinado, numa referência clara à morte de Jesus na cruz.
V. 40: Jesus encerra a parábola com uma pergunta, que tem por finalidade provocar um juízo por parte dos ouvintes: Que fará o senhor daquela vinha aos lavradores?
O v. 41 apresenta uma resposta dos ouvintes, que não são identificados nem relacionados a algum grupo. Essa resposta se coloca entre as duas falas de Jesus. Ela apresenta uma compreensão da parábola por parte dos ouvintes. A resposta dos ouvintes também reflete a reação do Império Romano diante da revolta judaica, ou seja, o dono da terra matará os lavradores.
Nos v. 42-44, a narrativa devolve a palavra para Jesus lembrando o Salmo 118.22, onde se diz que a pedra que foi rejeitada se transforma na pedra angular. Essa comparação veterotestamentária foi usada pela igreja primitiva para falar da ressurreição e exaltação do Cristo rejeitado (At 4.11; 1Pe 2.7). Essa comparação provavelmente foi acrescentada para fazer uma referência à ressurreição, dando uma interpretação cristológica à parábola. A atenção se concentra no filho morto pelos lavradores, o qual é o herdeiro. Esse filho é uma pedra de tropeço aos fariseus
e líderes judeus.
Os v. 45-46 apresentam a conclusão, fechando o texto a partir da reação dos sacerdotes e dos fariseus. Esses compreendem que era a respeito deles que Jesus falava. Entenderam o que Jesus lhes queria dizer: Israel se negou a cumprir a vontade de Deus e sofrerá o juízo, pois em vez de ouvir os servos de Deus, os maltrata e rejeita e assassina o próprio Filho.
3. Meditação
Os vinhateiros se rebelam contra a entrega dos frutos da vinha. Não querem entregar ao dono da vinha os frutos que lhe pertencem. A revolta se estabelece por meio de ações violentas contra os empregados enviados para recolher a parte da produção que cabe ao dono da vinha. Existe uma rebelião violenta para tomar posse dos frutos da vinha. Essa violência nega a própria presença de Deus entre nós.
O uso e a posse da terra revelam tensões e conflitos. Quem não tem terra se sujeita a trabalhar como empregado ou meeiro. O meeiro partilha com o dono da terra os frutos da produção. É o que acompanhamos na parábola dos vinhateiros. Eles não têm a posse da terra e se revoltam no momento da partilha da produção. Podemos imaginar dois motivos para a revolta dos vinhateiros: a ganância dos vinhateiros, querendo aumentar os seus lucros, ou a exploração do dono das terras, que não garante uma partilha justa. No último caso, os vinhateiros já estariam numa situação de violência, em que a partilha dos frutos não lhes garante uma vida digna.
Temos um conflito em torno da partilha dos frutos e da posse da terra. Como resolver esse conflito? Na Galileia no tempo de Jesus, não havia muitas possibilidades. Por meio da força, o Império Romano controla a região e determina a submissão e obediência da população local. A ordem está estabelecida e deve ser mantida. Nessa situação, a rebelião se apresenta como uma alternativa. É o que os israelitas experimentaram na revolta judaica em 70 d. C., a qual foi sufocada pelos romanos.
A solução desses conflitos por meio da violência revela a dificuldade ou impossibilidade de se estabelecer novas relações sociais que promovam justiça e equidade na sociedade. Quando não existe a possibilidade do diálogo para promover mudanças sociais, a rebelião se apresenta como alternativa. Mas Gandhi demonstrou que a rebelião não precisa ser violenta.
A violência estabelece uma relação de negação do outro. Ela rejeita, exclui, destrói. A violência não promove comunhão, mas impõe, por meio da força, a vontade de um sobre o outro.
A violência está presente nas relações familiares e sociais. Por meio da violência se resolvem conflitos entre os povos. A violência se manifesta por meio da agressão física, mas também está presente no uso de palavras e de sentimentos.
A violência se faz presente na fome, no desemprego, na falta de moradia, no preconceito. A violência se manifesta de diferentes formas na nossa vida em sociedade, mas ela sempre revela a negação da outra pessoa na sua autonomia, alteridade, dignidade. A violência rompe com a fé, pois a gente deixa de reconhecer o outro como pessoa criada à imagem e semelhança de Deus. A violência destrói não apenas a vítima, mas também o agressor, que perde a sua humanidade, a sua identidade de ser filho ou filha de Deus.
Nas diversas formas de violência, percebemos que o filho do dono da vinha continua sendo morto. Os frutos da vinha não são partilhados, mas são negados. A partilha dos frutos não acontece quando deixo de reconhecer no outro um irmão, uma irmã.
A partilha dos frutos revela que precisamos satisfazer nossas necessidades. Negar a partilha dos frutos é negar a satisfação das necessidades do outro. É romper com a relação comunitária, impondo sobre o outro a satisfação da minha necessidade.
A pedra rejeitada se transforma na pedra angular. Deus, diante da violência, constrói o novo, usando justamente o que foi rejeitado. Deus acolhe as vítimas da violência para restabelecer a comunhão e a partilha dos frutos. Acolher a vítima, reconhecendo que ela também participa da partilha dos frutos, é ouvir e obedecer ao herdeiro que questiona os frutos que são acumulados, negando ao outro a satisfação de suas necessidades.
O dono da vinha age com uma paciência surpreendente. Ele envia empregados que são maltratados e até mortos, mas não reage com violência para reivindicar a partilhar dos frutos. Enviar o filho, o herdeiro, para junto desses lavradores parece ser uma grande ingenuidade, que desconhece a maldade e as injustiças cometidas. O dono da vinha revela perseverança, agindo sem violência e que busca restabelecer uma conexão com os lavradores para que reconheçam a sua autoridade. As pessoas que ouvem e obedecem ao herdeiro têm dignidade para cuidar da vinha e partilhar os frutos. Bem-aventurados os mansos, porque herdarão a terra (Mt 5.5).
Perdemos os frutos do Reino quando deixamos de reconhecer no outro a sua dignidade e negamos a sua alteridade. Damos os frutos, partilhamos os frutos quanto aceitamos que somos devedores de Deus e vivemos da sua graça. Vivemos da graça de Deus por causa de Jesus Cristo, a pedra principal. Por causa do amor de Deus, somos comunidade e vivemos como filhos e filhas de Deus, partilhando os frutos do seu Reino.
4. Imagens para a prédica
Compartilho uma narrativa que faz refletir sobre a partilha dos frutos. Um antropólogo visitou um povoado africano. Queria conhecer a sua cultura. Resolveu fazer uma brincadeira para as crianças. Colocou um cesto de frutas perto de uma árvore e propôs a seguinte brincadeira às crianças:
– A primeira criança que chegar à árvore ficará com o cesto de frutas.
Podemos imaginar a correria das crianças para ganhar o cesto. Mas não foi o que aconteceu. Ao dar o sinal para que começasse a corrida em direção ao cesto, as crianças deram as mãos umas às outras e correram juntas até o cesto de frutas. Chegaram juntas, ao mesmo tempo. Elas se sentaram e repartiram as frutas.
O antropólogo perguntou às crianças:
– Por que vocês correram juntas, quando somente uma poderia ter ficado com todo o cesto?
Uma das crianças respondeu:
– Ubuntu. Como uma de nós poderia ficar feliz se o resto estivesse triste?
Ubuntu é uma antiga palavra africana que, na cultura Zulu e Xhosa, significa: “Sou quem sou porque somos todos nós”. O arcebisto anglicano Desmond Tutu, prêmio Nobel da Paz em 1984, diz a respeito do significado de ubuntu: “É também uma maneira de dizer: minha humanidade é ligada inextricavelmente à sua ou nós pertencemos ao mesmo ramo de vidas. Nós temos um princípio: um ser humano existe somente em função de outros seres humanos. É muito diferente do penso, logo existo de Descartes. Isso significa antes que: eu sou humano porque faço parte, participo, partilho”.
5. Subsídios litúrgicos
No altar, colocar uma cesta de frutas, que, ao final do culto, podem ser partilhadas entre os presentes.
Apresento uma sugestão de bênção final:
O SENHOR te abençoe e te guarde.
Ele faça crescer a tua vida, florescer a tua esperança,
amadurecer os teus frutos.
O SENHOR faça resplandecer o seu rosto sobre ti,
e tenha misericórdia de ti.
Que a misericórdia de Deus te permita encontrar o rosto de Deus
junto às pessoas que necessitam de amor e de cuidado.
O SENHOR sobre ti levante o seu rosto e te dê a paz.
Que ao olhar nos olhos de quem tu encontras no teu caminho,
tu encontres a paz de estar diante de um irmão, de uma irmã.
Segue em paz e partilha os frutos.
Vive em humildade e pratica a misericórdia. Amém.
Bibliografia
JEREMIAS, Joachim. As Parábolas de Jesus. São Paulo: Paulus, 1986. <https://cebi.org.br/biblia/os-chefes-e-que-sao-ruins-pe-luis-sartorel/>.
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