Auxílios Homiléticos - Proclamar Libertação



ID: 2911

Mateus 10.26b-33

Auxílio Homilético

31/10/2010

Prédica: Mateus 10.26b-33
Leituras:Isaías 45.19-25 e Filipenses 2.12-13
Autor: Gottfried Brakemeier
Data Litúrgica: Dia da Reforma
Data da Pregação: 31/10/2010
Proclamar Libertação - Volume: XXXIV

1. Introdução

“Reforma” é palavra antipática. É sinônimo de mudança, transformação, até mesmo de renovação. Provoca medo nas pessoas satisfeitas com o status quo, acomodadas, detentoras de privilégios e poder. Reformas costumam sofrer resistência. Em nosso país, lembramos a reforma agrária, a reforma fiscal, a reforma da previdência. Interesses estão em jogo. Por isso as reformas emperram, são proteladas ou até canceladas. Foi o que aconteceu também com a reforma da igreja no século XVI. A igreja oficial negou-se a reconhecer a urgência. E quando finalmente reagiu, já era tarde. A divisão da cristandade não mais pôde ser evitada. Sob tal perspectiva, o “Dia da Reforma” é um dia de alerta: importa descobrir a tempo o que precisa ser mudado para evitar irrecuperáveis prejuízos. Isso tanto na igreja como na sociedade.

A igreja luterana nasceu de reforma e está comprometida com ela. Proclama as “reformas” que Deus exige. Assim fez o próprio Jesus. Reformou o mundo não tanto pela conclamação ao arrependimento, e sim, muito mais, pela demonstração do amor de Deus à sua criatura. A “lei de Cristo” são o amor, o perdão, a misericórdia. Onde essa se instala, ali o mundo se renova e o reino de Deus chega perto.

É o que cumpre pregar. Isso, nesta ocasião, com base no texto de Mateus. As leituras paralelas têm cada qual seu escopo próprio. É difícil reconhecer uma linha convergente entre elas. No texto de Isaías 45, Deus diz através da boca do profeta que não falou em segredo a seu povo. Revelou-se em termos claros, razão pela qual insiste em que seja reconhecido como Deus único e verdadeiro. Já os dois versículos da Carta aos Filipenses alertam quanto à necessidade de trabalhar pela salvação com temor e tremor, embora seja Deus quem opera tanto o querer como o realizar. Convém concentrar a prédica no texto sugerido do Evangelho de Mateus.

2. Exegese

Visto que o texto foi tratado por diversas vezes nesta série de auxílios homiléticos (VI, 291; XII, 268; XVIII, 176; XXIV, 203; XXX, 168), a exegese pode ser sucinta. A perícope faz parte do assim chamado “sermão missionário de Jesus”. Ainda antes da crucificação e ressurreição, os discípulos são enviados para levar adiante a proclamação de seu mestre. Para tanto recebem a necessária instrução (v. 5). Trata-se de missão perigosa, cheia de riscos, pois o mundo é hostil aos emissários de Deus. O alerta confirmar-se-ia na sorte de Jesus e, poste- riormente, na perseguição sofrida pela primeira cristandade. Mas Jesus encoraja seus obreiros. Três vezes lhes diz: “Não temais!” (v. 26, 28, 31). É esse o propósito da perícope, a saber: motivar para a confissão destemida de Jesus Cristo perante todo o mundo. Quem assim faz tem a promessa de que também Jesus há de confessá-lo perante o Pai celeste (v. 32s).

Isso porque o evangelho é assunto público. Não permite ser mantido em segredo. Nenhuma oposição aos mensageiros será capaz de impedir que ele venha à luz (v. 26). Consequentemente, os discípulos são encarregados de divulgar o que Jesus lhes disse às escuras (v. 27). Devem tratar da “publicidade” da mensagem cristã. E não há o que temer dos “homens”. Esses podem matar apenas o corpo, não a alma, ou seja, podem destruir a vida física, mas não a pessoa. O temor é devido somente a Deus. Ele, sim, pode aniquilar o ser humano por inteiro (v. 28). Enquanto isso, violência humana é limitada em seus efeitos.

Ademais, a providência de Deus protege seus servos. O valor dos mesmos não se compara ao de pássaros. Não obstante, Deus cuida também desses (v. 29). Ora, “vocês valem mais do que muitos passarinhos” (v. 31). Enfim, Deus conhece o ser humano. Em forma de uma imagem extrema, Jesus diz que até mesmo os cabelos do ser humano estão contados. Assim ele consola seus discípulos amedrontados. É verdade que ele os manda como ovelhas para o meio de lobos (v. 16). Mas, no fundo, não há o que temer. Deus é maior do que os perigos deste mundo. Ele cuida de seu pessoal.

Portanto é a confiança em Deus que vence o medo. Jesus não ilude seus discípulos com respeito à realidade. Essa é cruel. Ele não diz que as crises são passageiras e que passarão ao largo dos fiéis. Pelo contrário, o testemunho corajoso provocará feroz oposição e poderá redundar em martírio. O mundo não gosta dos profetas. Paradoxalmente, porém, precisa deles para a sua salvação. Eis a razão por que o evangelho não pode permanecer escondido. Deve ser trazido à luz e anunciado abertamente para o bem da criação. Manter o evangelho em sigilo é ato culposo de quem foi enviado por Jesus. Os discípulos e as discípulas são cooperadores com a “reforma salvífica” que Deus promove em seu mundo. Caso deixassem de cumprir sua missão, privariam as pessoas de algo realmente essencial.

3. Meditação

Em que se baseia tamanha convicção? O pluralismo religioso da atualidade suspeita das verdades únicas e exclusivas. Com que direito afirmamos que so- mente nós dispomos da receita para a salvação? O exclusivismo religioso está na raiz de trágicos conflitos no passado e presente. Não será preferível admitir muitos caminhos à salvação? Para quem assim argumenta, o evangelho de Jesus Cristo será apenas uma via entre outras. Por que investir energia em fazê-lo conhecido? Cada qual, assim se sustenta, deverá ter o direito a seu próprio credo, seja muçulmano, cristão, luterano, católico, pentecostal, índio e até mesmo ateu. Pois religião é assunto particular. Somente tolerância poderá garantir a paz na terra, enquanto o fanatismo religioso alimenta o ódio e produz violência.

Igreja luterana não é igreja fanática. Pelo contrário, ela repudia qualquer violência praticada em nome de Jesus, o crucificado. O evangelho não constrange as pessoas, não as mete numa camisa-de-força nem lhes tira a responsabilidade própria. É verdade que a igreja cristã pecou em sua história. Usou da força para impor o seu credo. Maltratou pessoas, razão pela qual precisa fazer sincera peni- tência. Mas seria trágico se essa penitência significasse a renúncia à missão. Jesus continua enviando gente para espalhar o evangelho. Isso sem fanatismo, e todavia com determinação, bem assim como Jesus aqui neste texto explica.

Pois nem todos os credos são iguais. Há coisas que são vitais e que não permitem ser declaradas opcionais. Também o relativismo é perigoso. Destrói a normatividade. Joga as pessoas na incerteza e a sociedade no caos. Então cada qual segue a sua própria lei, de “fabricação caseira”, sem se importar com o resto. Jesus foi um inimigo da violação do próximo. Mas não menos foi do “vale-tudo” e do arbítrio individual. O evangelho a ser proclamado publicamente é fundamental para a saúde da humanidade, para a sua sobrevivência, para a sua salvação. Por quê?

As razões são muitas. Nós vamos nos ater a apenas uma. Foi aquela que fez eclodir a Reforma do século XVI. Lutero redescobriu o Deus misericordioso, que justifica por graça e por fé. Ninguém diga tratar-se de assunto obsoleto hoje. O apóstolo Paulo resumiu-o em palavras muito simples ao confessar de si: “Pela graça de Deus sou o que sou” (1Co 15.10). Por acaso não é essa uma das grandes verdades sobre o ser humano? A Reforma do século XVI insistiu na gratuidade que está na origem da vida humana e que lhe assegura o futuro. Quem produziu a si mesmo? Quem é dono de seu próprio destino? Lutero lembrou o ser humano de suas dívidas junto a Deus, que o jogam na dependência do perdão. Simultanea- mente, apontou para a misericórdia divina manifesta no Cristo crucificado, que lhe abre novas perspectivas. Gratuidade requer a acolhida pela fé, bem como a gratidão que glorifica Deus por suas maravilhas.

O evangelho a ser espalhado aos quatro ventos não é verdade “relativa”, opcional, negociável. Quem tem dúvidas quanto à sua validade não se presta a ser seu mensageiro. Certamente devemos nos envergonhar dos pecados na história da igreja, inclusive a luterana. Mas ai de nós se começarmos a nos envergonhar do próprio evangelho (cf Rm 1.16s). Nesse caso será ridículo dizer ser a missão a nossa paixão. Missão faz-se mediante intrépida confissão da fé. Importa ressaltar, no entanto, que o evangelho é oferta, jamais imposição que fere a liberdade e a dignidade das pessoas a que se destina. Deus respeita sua criatura como parceira, desistindo de violência de qualquer tipo. Missão é convite. Ela quer a adesão voluntária, não obrigatória. Jesus envia seus discípulos sem armas. Isso os torna vulneráveis. Tanto mais importante é a exortação: “Não temais”. Creio dizer nada demais se constato: Falta autoestima aos luteranos neste nosso país. Vivem por demais angustiados, desanimados entre os gigantes do catolicismo, de um lado, e do pentecostalismo, de outro. Cabe-nos sair da toca e enfrentar o mundo à nossa volta. É assim que Jesus quer os seus discípulos.

As resistências ao evangelho variam de lugar para lugar e de acordo com a época. Quem prega o evangelho em países islâmicos corre risco de vida. Em muitas partes do planeta, cristãos e cristãs sofrem perseguição violenta – incomparavelmente mais do que qualquer outro grupo religioso. Nos países ocidentais, as ameaças são outras. Entre elas menciono a privatização da fé, que a considera um segredo sobre o qual não se fala. Fé quase se transformou num “tabu” intocável. Para outros, fé é incompatível com a ciência. Seria coisa de ontem. O ateísmo moderno está em franca ofensiva, sugerindo a abolição da fé como algo danoso. Ignora-se que a ciência tem seus limites e que também o ateísmo tem seus credos. Ainda outros transformam a fé em objeto de mercado, sobre cuja validade decide a lei da oferta e da procura. Será isso o que Jesus ensina?

O Dia da Reforma oferece-se como oportunidade para clarear a missão de igreja cristã. Jesus envia seus discípulos e suas discípulas para ser multiplicadores de sua missão. Em que consiste essa missão? Quais são os entraves e os perigos hoje? E qual é a necessidade que o mundo, particularmente o Brasil de hoje, tem do evangelho? O luteranismo não decreta, ele argumenta. Os poucos elementos apresentados acima poderiam encorajar a trabalhar com o talento luterano. De qualquer maneira, valem as palavras do hino que dizem: “No tempo em que vivemos, imprescindível é que sempre confessemos bem claro a nossa fé...” (HPD 76,4).

4. Imagens para a prédica

As melhores imagens para a prédica são sempre as do próprio texto. Isto significa neste caso: cristãos são “propagandistas” do evangelho. É claro que a “propaganda cristã” não vai simplesmente copiar o jeito da mídia secular, embora tenha muito a aprender com ela. De certa forma, também a igreja precisa de marketing. Mas há regras a observar: a forma da mensagem deve corresponder a seu conteúdo. Credibilidade está em jogo. E essa pressupõe a coerência entre palavra e ação. Pregação cristã não pode mentir. Não pode enganar as pessoas. Deve ser honesta. Foi o que a Reforma de M. Lutero quis. Estava comprometida com a verdade do evangelho, com a verdade sobre o ser humano, com a verdade sobre Deus e o mundo.

Reside nisso um dos grandes problemas da atualidade. Cultuam-se ilusões, a exemplo da felicidade através do consumo, da paz através da força militar, do paraíso na terra através da tecnologia. A verdade costuma ser incômoda. A prédica poderia ilustrar isso num exemplo concreto. Para tanto sugerimos o da “gratuidade” em termos acima expostos. O ser humano é dependente do que Deus dá. Vive da graça que lhe é concedida, seja em recursos naturais, seja em perdão de seus erros, seja em forças para vencer as adversidades. Sem a fé em Deus, o ser humano torna-se imensamente pobre. Enquanto isso, a descoberta da graça de Deus vai produzir gratidão, alegria e louvor a Deus. Trata-se de verdade, não de opinião, razão pela qual importa fazer o que Jesus diz, a saber: fazer público o evangelho.

Missão bem-sucedida exige a convicção das pessoas que são os seus agentes. Estamos convictos da causa luterana, evangélica, em nosso país? Por acaso já não temos mais palavra de peso a dizer? Será verdade que o evangelho perdeu a cotação na bolsa de valores? Já não mais precisamos de reformas? O texto do Evangelho de Mateus quer encorajar para uma missão algo mais apaixonada. Jesus rejeita a fúria religiosa. Mas ele busca gente que percebeu o valor do evangelho e que se empenha por sua divulgação.

Uma prédica no Dia da Reforma deveria abster-se de polêmica barata. Não temos motivos para rebaixar os nossos irmãos e as nossas irmãs cristãs. Se for necessário discordar – e em muitos casos não podemos evitá-lo –, façamo-lo com amor. Importa anunciar com vigor o legado de Jesus Cristo, que veio para salvar, não para condenar. Isso num mundo que se torna cada vez mais secular e multirreligioso.

5. Subsídios litúrgicos

Confissão de pecados:
Senhor, nosso Deus! Comemoramos hoje a Reforma da Igreja, ocorrida há quase quinhentos anos. Por ela agradecemos! Pedimos-te, porém, que nos conce- das a humildade de reconhecer que também nós individualmente necessitamos de reforma. Temos defeitos a corrigir. Fracassamos em nossos bons propósitos. Confessamos-te os nossos pecados e pedimos perdão por eles. Ajuda-nos a cumprir melhor a missão da qual nos incumbiste. Somos tuas testemunhas. Afasta de nós o temor de confessá-lo publicamente e de agir conforme os teus preceitos. Tem compaixão de nós, Senhor!

Oração de coleta:
Senhor, o Dia da Reforma é para nós um dia de alegria. Ele nos lembra que tu mesmo, através de pessoas destemidas, corriges o curso de tua igreja. Assim aconteceu com a reforma de Lutero. Mas ela não foi a única. Sempre de novo a tua palavra reorientou a tua igreja. É o que te pedimos também para os nossos dias e, em particular, para a IECLB. Dá-nos o espírito crítico para ver o que precisa ser mudado. Reformas requerem coragem, percepção do evangelho, bom senso. Ajuda-nos a ser de fato o que devemos ser, a saber: “igreja da reforma”. Amém.

Intercessão:
Senhor, nós intercedemos em favor da nossa igreja, a IECLB, suas comuni- dades, suas instituições, seus órgãos diretivos. Somos uma igreja pequena, mo- desta e, todavia, com uma grande vocação. Somos igreja “evangélica”, comprometida com o evangelho de Jesus Cristo. Nós te pedimos: queiras fortalecer a consciência evangélica em cada um dos membros para que sejam representantes teus onde quer que estejam. Dá força ao testemunho de leigos e obreiros, de leigas e obreiras, fazendo com que a luz do evangelho brilhe forte em nossa sociedade. Juntamos nossa prece à de igrejas-irmãs, seja em nossa cidade, no Brasil, seja no exterior. Nossa oração inclui a família cristã em todo o mundo. Queiras fazer com que a semente de tua palavra traga ricos frutos. Lembramo-nos, em especial, daquelas igrejas que sofrem perseguição, principalmente nos países islâmicos. Dá- lhes amparo e protege-as contra todo mal.

Pedimos não menos em favor do mundo, de nosso país, de nosso estado e município. Sentimos os efeitos das múltiplas crises que nos afetam e ficamos assustados com os prognósticos sombrios que nos são trazidos pelos noticiários. Faze com que as autoridades, bem como os cidadãos e as cidadãs reconheçam as exigências do momento e promovam as reformas que se fizerem necessárias. Acaba com a corrupção em nosso país, com os escândalos, com a injustiça social. Pedimos-te por paz em nosso mundo.

Manifestamos o mesmo desejo em relação à nossa cidade. Afasta de nós a calamidade e o crime, fazendo com que vivamos em boa vizinhança. Concede- nos condições climáticas favoráveis para que não falte o pão de cada dia. Consola as pessoas enlutadas, desesperadas, enfermas. Assiste-as em sua dor, fortalecendo-lhes a fé e a esperança. Faça crescer em nós e em todo o mundo o amor que resolve a maioria dos problemas humanos. Senhor, nós nos dirigimos como filhos e filhas a seu pai. Multiplica sobre nós a tua bênção. Amém.

Bibliografia

DIETZFELBINGER, Wolfgang. Mateus 21.1-9. Hören und Fragen. Eine Predigthilfe. Neukirchen-Vluyn: Neukirchner Verlag, v. 1, 1978, p. 1s.

SCHWEIZER, Eduard. Das Evangelium nach Markus. Das Neue Testament Deutsch, v. 1, Göttingen: Vandenhoeck & Ruprecht, 1967.
 

 




 


Autor(a): Gottfried Brakemeier
Âmbito: IECLB
Área: Celebração / Nível: Celebração - Ano Eclesiástico / Subnível: Celebração - Ano Eclesiástico - Dia da Reforma
Área: Governança / Nível: Governança - Rede de Recursos / Subnível: Governança-Rede de Recursos-Auxílios Homiléticos-Proclamar Libertação
Natureza do Domingo: Dia da Reforma

Testamento: Novo / Livro: Mateus / Capitulo: 10 / Versículo Inicial: 26 / Versículo Final: 33
Título da publicação: Proclamar Libertação / Editora: Editora Sinodal / Ano: 2009 / Volume: 34
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Auxílio homilético
ID: 20094

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