Prédica: Lucas 20.27-38
Leituras: Jó 19.23-27a e 2 Tessalonicenses 2.1-5; 2.13-17
Autoria: Luiz Temóteo Schwanz
Data Litúrgica: 22º. Domingo após Pentecostes
Data da Pregação: 10 de novembro de 2019
Proclamar Libertação - Volume: XLIII
Cremos na vida, cremos na ressurreição!
1. Introdução
Faremos uma breve análise temática dos textos previstos. O texto de Jó lembra todo o sofrimento de um justo. Mas, em meio a toda a situação caótica, Jó é fiel a Deus e tem uma certeza: seu Redentor vive, ele se levantará sobre a terra e também Jó o verá.
O texto de 2 Tessalonicenses nos faz enxergar que a fé cristã (fé no Cristo ressuscitado) vem aumentando nessa cidade e que os colaboradores suportam perseguições. Esses serão considerados dignos do reino de Deus, pelo qual estão sofrendo. A motivação está em dar graças e permanecer firmes, guardando as tradições e os ensinos, seja por palavra ou epístola, consolo mútuo e confirmação em boas obras e boas palavras são uma recomendação.
O texto em questão, previsto para a prédica – Lucas 20.27-38 –, traz à tona a pergunta de alguns saduceus sobre a ressurreição; Jesus, no diálogo, conclui que Deus não é um Deus de mortos, e sim de vivos, porque para ele todos vivem!
A unidade temática que perpassa as perícopes em questão é a confissão de fé “Creio na ressurreição!”. Em Jó, o Redentor vive; em 2 Tessalonicenses, a fé cristã (na ressurreição) tem aumentado; e Jesus, diante da pergunta dos saduceus, afirma que “para Deus todos vivem”. Embora os questionamentos e as
dificuldades estejam presentes nos textos, a afirmação na ressurreição também está presente nas perícopes.
2. Exegese
A perícope está delimitada a Lucas 20.27-38, mas poderíamos ainda incluir os v. 39 e 40, que concluem a narrativa. O texto anterior é Lucas 20.19-26; os principais sacerdotes e os escribas questionam se é legítimo ou não dar tributo para César, ao que Jesus responde magistralmente: Dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus. No texto posterior – Lucas 20.41-44 –, Jesus questiona o título “Cristo, Filho de Davi”. Nos textos paralelos de Mateus e Marcos, a perícope aparece entre os textos da questão do tributo e do grande mandamento do amor.
Podemos comparar o texto com as versões paralelas e ver que ele se repete nos evangelhos sinóticos com pouquíssimas nuanças. Em si, a unidade temática e a problemática permanecem em “uníssono”, sem muitas alterações.
No início do texto, os saduceus questionam Jesus acerca da ressurreição. Os saduceus são um grupo sobre o qual temos poucas informações no Novo Testamento. Essas provêm de grupos oponentes. Eles formavam um grupo influente pela sua posição social. Aparentemente, esse grupo surgiu no contexto da revolta dos macabeus. Há teorias de que o grupo descendia de Zadoque (1 Reis 2.35), cujos descendentes, conforme o profeta Ezequiel, detêm a linhagem sacerdotal para o exercício do sumo sacerdócio (Ez 40.46; 43.19; 44.15; 48.11). Outra hipótese, mais provável, é que o nome do grupo derive de zaduk (justo), que é como os saduceus se consideraram (Hoefelman, 2018, p. 116).
O partido dos saduceus era constituído da aristocracia e nobreza leiga, sendo em sua maioria anciãos, e constituída pelos chefes dos sacerdotes e nobreza sacerdotal.
A teologia dos saduceus baseava-se na defesa da Torá escrita e rejeição da tradição oral, negação da ressurreição e da vida após a morte (At 23.8). Eles também negavam a existência de anjos e espíritos. Achavam que bem e mal estão ao alcance da escolha do ser humano. Caracterizavam-se ainda pelo rigor no cumprimento da lei e aplicação de sentenças.
Sabe-se pouco sobre os saduceus a partir do Novo Testamento. João Batista e Jesus eram contrários a eles (Mt 3.7-9; 16.1-12). A discussão dos saduceus e Jesus acerca da ressurreição aparece nos evangelhos sinóticos. O assunto também vem à tona em Atos 23.6-9, quando Paulo é interrogado pelo Sinédrio em Jerusalém no final de suas viagens missionárias. O grupo era contrário a Jesus (Jo 11.48-51) e tinha interesse em eliminá-lo (Mc 8.31) (Hoefelman, 2018, p. 117 e 118).
Os saduceus eram fiéis à Torá, rejeitando os outros escritos que viriam a compor o Antigo Testamento. Também rejeitavam a tradição oral dos escribas e fariseus. No Antigo Testamento não há uma teologia da ressurreição do corpo. O tema é recente para o Antigo Testamento. Antes do exílio, imagina-se a perpetuação humana através da descendência. No restante do Antigo Testamento, pode-se falar de uma existência crepuscular no Sheol, o mundo dos mortos ou mundo da não existência, mas não de ressurreição.
Politicamente, os saduceus, a princípio, eram contra o Império Romano, mas eram suficientemente espertos para saber que era impossível obter autonomia. Por isso eles se aliavam ao poder dominante para defender seus interesses e procuravam acalmar os ânimos da população.
O texto mais importante sobre a relação entre os saduceus e Jesus, sem dúvida, é Lucas 20.27-38 e paralelos. Os saduceus, com base na lei do levirato (Dt 25.5-10), questionam Jesus sobre um caso construído. Segundo essa lei, se um homem morresse sem deixar filhos, seu irmão ou parente mais próximo deveria casar-se com a viúva e ter descendência com ela, que seria contada como se fosse do falecido. De acordo com a tradição normativa, eles baseiam sua pergunta na Torá escrita e iniciam a provocação com: Moisés nos deixou escrito (v. 28). A questão levantada pelos saduceus é sobre uma mulher que esteve casada, sucessivamente, com sete irmãos. A pergunta é: de quem ela será esposa após a ressurreição? A intenção, obviamente, é ridicularizar a ressurreição como algo completamente inviável. Jesus responde que a vida ressurreta não é simplesmente um prolongamento das relações existentes neste mundo: Os filhos deste mundo casam e se dão em casamento e os que são havidos de alcançar a era vindoura e a ressurreição não casarão. Porque estes serão iguais a anjos e são filhos de Deus, sendo assim filhos da ressurreição (v. 34-36).
Jesus conclui argumentando também com uma passagem do Pentateuco, onde Moisés é o protagonista: a passagem da sarça ardente, onde Deus se apresenta a Moisés como sendo o Deus de Abraão, Isaque e Jacó (Êx 3.6). Jesus interpreta essa passagem no sentido de que Deus é Deus de vivos, e não de mortos. Portanto, se ele é (e não foi) o Deus de Abraão, Isaque e Jacó, esses devem estar “vivos”, pelo que passaram pela experiência da ressurreição.
Sobre o termo filhos de Deus, segundo J. Jeremias, o termo aparece três vezes nos sinóticos (Mt 9.45 par.; Lc 6.35; Lc 20.36) e possui sentido escatológico nesses três lugares (Jeremias, 2011, p. 271).
3. Meditação
Se Cristo não ressuscitou, vã é a nossa fé e somos as pessoas mais infelizes deste mundo, afirma o apóstolo Paulo em 1 Coríntios 15.19. No entanto, Cristo ressuscitou e por isso existe a páscoa da ressurreição. A páscoa é a vida que ressurge, vida plena. Hoje não estamos no dia de Páscoa, mas estamos nos reunindo em culto, poucos dias após Finados. Lembro que, certa vez, em culto, no cemitério da Colônia Rio-grandense em Maracaí/SP, uma pessoa me disse que eu trouxe uma prédica “mais leve” para um dia tão “pesado” como Finados, dia em que lembramos pessoas amadas que nos antecederam na morte. Apenas falei de ressurreição, e se cremos nela, o restante da vida comunitária tem sentido de ser/acontecer.
No texto da prédica Jesus é questionado quanto à questão da ressurreição. E como acontece a ressurreição? Não sabemos, mas sabemos que ela é plena, é o ressurgir do corpo, da alma e do espírito. Por isso confessamos que cremos na ressurreição do corpo – do nosso corpo em plenitude –, mas também na ressurreição do corpo de Cristo, a sua igreja, nós ramos unidos em Cristo, a videira verdadeira (Jo 15.1ss). Jesus foi questionado de como seria a ressurreição. Nós também nos questionamos e perguntamos. Os saduceus, um grupo que não acreditava na ressurreição, pergunta a Jesus: se uma mulher ficar viúva sete vezes, na eternidade, como será e quem será o seu legítimo esposo? Jesus responde com sua sabedoria e diz que nos céus não haverá casamento nem estruturas familiares como as que conhecemos, mas nós seremos como anjos. Claro que sempre o nosso desejo é o do reencontro. Como ele será também não sabemos, mas será conforme os parâmetros celestiais e não os nossos. Serão como anjos, diz Jesus! E o Deus da ressurreição é o Deus dos antepassados, os que nos antecederam na morte. Jesus cita um texto, o de Êxodo 3.6, onde se afirma que Deus é o Deus de Abraão, Isaque e Jacó, porque Deus não é um Deus de mortos, e sim de vivos, porque para Deus todos vivem. Inclusive aqueles que nos antecederam na morte e dormem em Deus no pó da terra. Esses, porém, aguardam o dia da ressurreição, sendo acordados pela voz do bom pastor, Cristo Jesus (Jo 10).
Nós sempre nos lembramos de nossos entes queridos. Lembramos o que eles nos deixaram como legado. E de forma simbólica nós ainda cuidamos deles. Nós lavamos os túmulos e cuidamos deles, levamos flores, visitamos o cemitério. Cemitérios são lugares que merecem todo o cuidado. Que bom que nós cuidamos deles e também deveríamos ensinar isso aos pequeninos. Assim, passamos para eles a memória dos que nos antecederam. O cemitério é um lugar que fala muito a respeito das pessoas daquela comunidade. Quanto mais cuidado, mais dignidade damos ao lugar em que deixamos nossas pessoas falecidas. Mais respeito demonstramos pela nossa própria história, nossa herança de vida, nossas raízes, pelo legado que temos dos que nos antecederam na morte. E mais, valorizamos e publicamente proclamamos que cremos no Cristo ressuscitado e na ressurreição.
Cuidar dos cemitérios, dos túmulos de nossos entes queridos mostra a reciprocidade do amor e a fé na ressurreição. Cada um de nós é único perante Deus e por isso, mesmo “dormindo”, para ele nós vivemos. Em nossa memória são mantidas “vivas” as pessoas que nos precederam através de objetos, músicas, comidas, poemas, textos bíblicos, lugares, cheiros etc. E também podemos ver isso nas lápides, nos túmulos, nos epitáfios, nas flores que depositamos e como ornamentamos os túmulos de nossos entes queridos. Mais importante do que essas pessoas estarem vivas em nossas memórias é saber que elas “dormem” e estão vivas na memória de Deus, pois para ele todos vivem (Lc 20.38).
Vivemos na atualidade diante de muita informação e confusão quanto ao assunto da ressurreição. Influências de outras denominações e religiões estão por toda parte, e por isso seria importante ressaltar qual é o proprium da fé cristã: a ressurreição. Essa é nossa razão de ser igreja de Jesus Cristo. A razão da igreja cristã existir não tem apenas como motivo as curas, as glossolalias, os arrebatamentos, os livramentos, nem os milagres nem a prosperidade. Mas seu motivo principal é a ressurreição de Cristo! Deus ressuscitou Jesus Cristo e essa é a promessa para nós. Tudo o que nós realizamos na igreja é porque Cristo vive. Por isso celebramos a Páscoa, e também pelo mesmo motivo é que cada culto deve ser considerado como uma pequena Páscoa (mesmo dentro do tempo litúrgico da Quaresma e do Advento!), pois ali rememoramos e vivemos o motivo de Cristo ter ressuscitado. Por isso ouvimos palavras de vida e que nos exortam para a esperança. Ao longo do ano, vivemos as pequenas páscoas em nossos cultos e celebrações para celebrar a grande Páscoa: a ressurreição de Cristo e a nossa ressurreição!
4. Imagens para a prédica
Considerando que estamos “caminhando” para o Último Domingo do Ano Eclesiástico, Cristo Rei ou Domingo da Eternidade, o tema de ambos os domingos apontam para uma dimensão escatológica. Julgo ser importante trabalhar de forma poimênica a questão do luto, da perda, sensibilizando assim a comunidade para o cuidado de Deus para com todas as pessoas em uma dimensão holística. Deus cuida dos vivos e cuida dos mortos.
Sugiro ao ministro e à ministra usar alba com estola latino-americana da cor do tempo litúrgico, com seus destaques coloridos das “cores de Páscoa”, um sinal visível que, através da vestimenta, perpassará todo o culto e poderá ser mencionado e enfatizado na prédica.
Sugiro citar pensamentos que muitas vezes confundem; esses viralizam por redes sociais e aplicativos de mensagens. A partir das contestações, afirmar com veemência a ressurreição de Cristo, a fé na ressurreição e quais são as respostas que nós damos diante dos “saduceus” cibernéticos.
5. Subsídios litúrgicos
Invocação trinitária
Iniciamos este culto em nome de Deus Pai, Criador e Mantenedor da vida; em nome do seu Filho Jesus Cristo, ressuscitado e que traz vida abundante; e em nome do Espírito Santo, consolador que nos reúne e congrega como comunhão
dos santos. Amém!
Oração do dia
Deus Celestial, agradecemos por teres enviado teu Filho amado; que veio para nós, através do madeiro da cruz morreu, ressuscitou dentre os mortos e tornou- se árvore da vida, nos proporcionando salvação. Santifica-nos com teu Santo Espírito, para que a cada dia mais possamos ver sinais de vida em nossa sociedade e nos indivíduos. Que situações de morte e desrespeito à vida possam ser tematizadas, a fim de que as pessoas possam conversar e se respeitar, começando em casa, na família, na comunidade de fé e na sociedade. Cremos na vida, cremos na ressurreição! Por Jesus Cristo, teu Filho amado, que contigo e com o Espírito Santo vive e reina eternamente. Amém!
Aclamação do evangelho
Fiquem vigiando, pois vocês não sabem em que dia vai chegar o seu Senhor (Mt 24.42).
Mementos ou dípticos (caso haja Ceia do Senhor)
Lembra-te, ó Deus, de todas as pessoas que viveram em tua amizade, que nos antecederam na morte e que já não estão entre nós – apóstolos e apóstolas, profetas e profetisas, pais e mães na fé (mencionar pessoas falecidas da comunidade). Sabemos, ó Deus, que para ti todas e todos vivem. Confiamos no reencontro com elas no banquete eterno em teu Reino. Nesta ceia nos unimos a todas essas pessoas e proclamamos teu Reino, para o qual, em Cristo, nos convidaste.
Cantar o hino 256 do Livro de Canto da IECLB.
Bênção final
Hino 296 do Livro de Canto da IECLB, recitado ou cantado.
A bênção do Deus de Sara, Abraão e Hagar; a bênção do Filho, nascido
de Maria; a bênção do Santo Espírito de amor, que cuida com carinho, qual mãe
cuida da gente, esteja sobre todos nós. Amém.
Hinos
Livro de Canto da IECLB 113, 440, 436 e 617.
Bibliografia
BÍBLIA DE JERUSALÉM. Nova Edição Revista e Ampliada. São Paulo: Paulus, 2011.
JEREMIAS, Joachim. Teologia do Novo Testamento. Nova Edição Revista e Atualizada. São Paulo: Hagnos, 2011.
HOEFELMANN, Verner. Contexto Histórico e Social do Novo Testamento. Núcleo de Educação a Distância da Faculdades EST. São Leopoldo, 2018.
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