Prédica: Lucas 19.28-40
Leituras: Salmo 118.1-2,19-29 e Isaías 49.1-7
Autora: Vera Maria Immich
Data Litúrgica: Domingo de Ramos
Data da Pregação: 28/03/2010
Proclamar Libertação - Volume: XXXIV
1. Introdução
Motivação: Em uma conversa entre jovens surgiu a questão da dificuldade de crer em fatos e eventos que ocorreram tanto tempo atrás e da dificuldade de hoje identificar a ação de Jesus em nossa vida. Um dos jovens então disse que as pessoas no tempo de Jesus eram privilegiadas, pois podiam desfrutar de sua presença e ver seus feitos e milagres. Outro falou: “Para o povo daquele tempo era tudo mais fácil”. Mas será que era mais fácil? Basta lermos as Sagradas Escrituras e observamos o quanto também havia dúvidas e questionamentos naquele tempo, o quanto a fé não é comprovada por fatos externos e mensuráveis, mas vem de Deus e quer encontrar acolhida dentro de nós. O texto de Lucas vai nos mostrar claramente que crer contra todas as circunstâncias não é tarefa fácil, mas se empolgar com grandes feitos é uma de nossas fraquezas.
O texto de Isaías é considerado um dos cânticos do Servo Sofredor. Nos versículos 1-4, o Servo dá testemunho da missão que recebeu do Senhor e descreve também sua frustração, pois aparentemente fracassou. Nos versículos 5 e 6, ele recebe consolo do Senhor, que afirma que seu trabalho não foi em vão. Pela primeira vez, percebe-se de forma bem explícita que o caminho do Servo Sofredor seria de sofrimento.
Na entrada em Jerusalém, é a primeira vez que, simbolica e publicamente, Jesus assume ser o Messias e traz no bojo de seu silêncio aquilo que haveria de vir, enfim seu caminho de dor e sofrimento.
2. O texto
Ao entrar “triunfalmente” em Jerusalém, Jesus está cumprindo velhas profecias e atualizando sonhos de libertação. Os sinais de que ele é o Messias são colocados por Lucas para não deixar dúvidas no meio do povo e da comunidade dos seguidores de Jesus. Para que a certeza se estabeleça no coração dos discípulos é que temos alguns gestos simbólicos. A subida para Jerusalém é um deles. É a parte mais original de Lucas, bem como os ensinamentos e parábolas de Jesus. A morte de Jesus deve ser entendida no contexto daquilo que foi a sua vida: Anunciar um mundo novo de justiça, de paz e de amor para todos os homens.
Para concretizar esse projeto, Jesus “peregrinou” nos caminhos da Palestina, “fazendo o bem” e anunciando um mundo novo de vida, de liberdade, de paz e de amor para todos; ele ensinou que Deus era amor e que não excluía ninguém, nem os pecadores; ele ensinou que os leprosos, os paralíticos, os cegos não deviam ser marginalizados, pois não eram amaldiçoados por Deus; ensinou que eram os pobres e os excluídos os preferidos de Deus e aqueles que tinham um coração mais disponível para acolher o “reino”; e avisou os “ricos” (os poderosos, os instalados) de que o egoísmo, o orgulho, a autossuficiência, o fechamento só podiam conduzir à morte.
3. Meditação
Ouvindo o texto, a princípio, podemos achar que de fato tudo era bem mais fácil. Vimos que o povo estava impressionado com a presença e a atuação de Jesus. Achavam e esperavam que com Jesus todas as suas expectativas seriam preenchidas. Os sinais e milagres falavam por si e davam a certeza de que se tratava do esperado Messias, aquele que proporia cura e salvação integral. As curas e os milagres davam a certeza de se tratar de um rei que libertaria todo o povo do sofrimento.
Não creio que era tudo mais fácil naquele tempo. Muitas atitudes de Jesus eram difíceis de ser compreendidas e pareciam contraditórias, como receber a ordem de buscar o jumento, sem comprar, mas simplesmente pegar e dizer que o mestre precisa dele. Isso pressupõe uma obediência incondicional. Acompanhar Jesus, aclamado pela multidão, e ser reconhecido como parte do círculo íntimo de Jesus deve ter sido bem recompensador. Mas quando Jesus passa a ser odiado, desprezado e açoitado publicamente, toda honra e glória humanas ora experimentadas desaparecem
A espera pelo libertador era grande. A Páscoa era tempo de recordar a saída da terra da escravidão e de como Deus os havia auxiliado. Agora o povo de Israel era novamente oprimido, dessa vez pelos romanos, que ocupavam as suas terras, que os escravizavam, que lhes impunham a sua cultura e religiosidade. Diante dessa dura realidade se perguntavam: Quando Deus agirá? Quando ele virá para nos libertar? Quando Deus enviará o Messias?
Em meio a essa expectativa veio Jesus Cristo. O povo preparou-lhe uma chegada e uma entrada triunfal em Jerusalém. Com grande festa e júbilo receberam Jesus na entrada da cidade. Certamente o pensamento coletivo era que finalmente havia chegado o Messias, que libertaria o povo e transformaria toda a situação.
As notícias em relação a Jesus haviam se espalhado por Jerusalém e região, tal como fogo em palha seca, ou seja, com rapidez. Essas notícias informavam que Jesus havia ressuscitado Lázaro. E diante dessas notícias não é de estranhar que havia grande multidão saudando a chegada de Jesus a Jerusalém por ocasião da festa da Páscoa. Vemos o texto nos relatando o ocorrido. A multidão que o acompanhava tirava suas vestes para que Jesus passasse sobre elas em uma clara e típica manifestação de boas-vindas. Uma saudação a reis e majestades.
A multidão, em êxtase, louvava o Senhor em voz alta por todos os milagres que havia feito. Ali transparece a fraqueza da fé daquela multidão e também da nossa fé, que, muitas vezes, precisa de eventos que comprovam a força e o poder de Jesus para se afirmar. A multidão acolhia Jesus com muito ânimo e disposição, clamando: “Bendito é o rei que vem em nome do Senhor! Paz no céu e glória nas maiores alturas”! (v. 38). Assim louvava todo o povo nas ruas de Jerusalém. Sentiam que o rei de Israel estava diante deles.
Provavelmente, cada um tinha a sua própria imaginação em relação ao jeito, à aparência e ao modo de agir do Messias. Certamente, cada um tinha os seus desejos e expectativas em relação ao Messias. E naquele júbilo, quando da chega- da de Jesus, todas essas diferentes expectativas e imaginações foram unificadas.
Fico pensando nos possíveis sentimentos e pensamentos que podem ter passado pela cabeça de Jesus. Ele sabia o que o esperava e o motivo da sua vinda. Ele não se deixava seduzir pela aprovação humana e nem pelas glórias advindas de seus milagres. Na entrada em Jerusalém, comumente chamada de triunfal, Jesus faz a síntese entre o chamado da cruz, a glória e a GLÓRIA. Ele é acolhido com grande glória humana, mas carrega em seu coração o prenúncio da cruz e enfrenta a partir desse momento todo abandono, traição, solidão, mudança de humor e perda de credibilidade junto aos que o seguiram e aclamaram. Mas não devemos esquecer que ele venceu tudo isso e em Glória verdadeira foi para junto do Pai, onde está preparando muitas moradas.
No livro “A cabana”, de William P. Young, encontramos uma bela paráfrase do amor de Deus, que age em meio às desgraças, transformando-as e não sendo seu arquiteto: “... crio um bem incrível a partir das tragédias indescritíveis, mas isso não significa que as orquestre. Nunca pense que o fato de eu usar algo para o bem maior significa que eu provoquei ou que eu preciso dele para realizar os meus propósitos. ... A graça não depende da existência do sofrimento, mas onde há sofrimento você encontrará a graça de inúmeras maneiras” (p. 173).
O Domingo da Paixão, que inicia a Semana da Paixão, traz-nos elementos proféticos que se atualizam, mas que não diminuem a graça manifesta de Deus, que não precisava desse caminho, tão duro e cruel, mas que permitiu que se cumprisse para que todos tivessem chance de chegar aos braços de Deus e aí descansar sua vidas sofridas e desiludidas. Podemos, também, dizer que a morte de Jesus é o ponto mais alto de sua vida; é a afirmação mais radical e mais verdadeira daquilo que Jesus pregou com palavras e gestos: o amor, o dom total, o serviço.
Ele toma um burro e, montado sobre ele, entra em Jerusalém. Jesus não chega a Jerusalém com grandes e fortes cavalos. Mas, mesmo assim, ele é rei da paz, o Deus forte, maravilhoso e conselheiro, como o profeta Isaías havia definido. Jesus desejava e deseja a paz. A paz entre povos e nações, entre Deus e seu povo. Por isso ele é um rei de esperança, cura e salvação. Um rei voltado para a justiça e o bem-estar. Por isso ele é também um rei que, com sua morte e ressurreição, dá-nos a vida eterna. Jesus veio em nome do Senhor. Veio como rei da salvação e assim trouxe a toda a humanidade a possibilidade de vida eterna.
Jesus traz justiça que não acusa o povo pelos erros e indefinições. Para Jesus, o importante não é o que a pessoa fez ou ganhou, mas o que ela precisa. Por isso, com sua morte, perdoa e concede nova vida. Jesus traz nova justiça, justiça marcada pela misericórdia e pela possibilidade da vida eterna.
Jesus traz cura e salvação. Mas a proposta de Jesus é que tudo isso não venha de cima para baixo, mas que surja de baixo para cima, para que possa criar boas e fortes raízes. O pequeno e frágil burrico no qual Jesus vinha montado é sinal disso. O povo não havia compreendido isso. Estavam cegos para esse caminho. Estavam cegos por causa de suas próprias expectativas e esperanças. E isso provocou a surpresa do povo perante Jesus. Essa surpresa toma conta de todos, tal como quando da chegada de Jesus em Jerusalém. Só que agora pelo lado negativo.
O povo passa logo a dizer: “Esse tipo de rei não queremos”. Deve ter sido bastante difícil e doloroso para Jesus perceber como a opinião do povo mudara. O júbilo, Hosana, transforma-se em gritos histéricos: “Crucifica-o”. Deve ter sido doloroso ouvir no lugar do “bendito o que vem em nome do Senhor e que é rei de Israel”, os gritos de: “não temos outro rei além de César”.
Estamos hoje no começo da Semana Santa. Nesta semana, somos convidados a refletir sobre o caminho de sofrimento de Jesus, sobre o caminho de sua morte e ressurreição. Então virá a Páscoa. E Páscoa traz a certeza: “Jesus Vive”. A ele pertence o futuro. Por isso haverá cura, salvação, paz e justiça. Acima de tudo isso haverá vida eterna.
O caminho percorrido por Jesus lembra-nos da semelhança de nossos caminhos de dor e sofrimento, ressalvando as grandes diferenças que também nós temos que discernir para não nos deixar enaltecer com as glórias humanas e sucumbir ante as tragédias que se abatem sobre nós. É possível pensar de maneira especial nas tragédias que adquirem a dimensão da mídia e assim acarretam sofri- mento ainda maior a todos, fazendo da sociedade uma partícipe ativa e opinante sobre cada detalhe mórbido; as tragédias que se abatem em famílias que precisam despedir-se de seus filhos vítimas de acidentes estúpidos, da dependência química e dos prazeres perigosos. Caminhos difíceis de serem trilhados porque contam com a desaprovação da sociedade, a autoculpabilização por não terem conseguido mudar o desfecho e a grande desolação pelo fato consumado.
4. Imagens para a prédica
O próprio texto oferece muitos elementos a serem explorados e dependerá da ênfase dada pela pregadora. É possível explorar a glória humana, a glória verdadeira e o prenúncio da cruz que encontramos em toda a caminhada de Jesus. Pode-se colocar alguns ramos em uma cruz, se houver na igreja. Ou até mesmo levar uma cruz e falar dessa tríplice mensagem que o Domingo de Ramos nos apresenta: glória e louvor humano com suas limitações, glória verdadeira, que vem de Deus, mas não sem antes passar pela cruz de dor e sofrimento.
O caminho também é uma ilustração possível de ser explorada, podendo ser usado como recurso pela pregadora. De um lado, o caminho de Jesus desde antes de chegar a Jerusalém até a entrada “triunfal”, que traz consigo toda a contradição humana e a incondicional obediência de Jesus; de outro lado, os nossos caminhos e descaminhos nessa vida contraditória que nos ilude e onde pensamos que tudo é possível e que conosco certas coisas não acontecerão e, em contrapartida, a queda que expõe nossa vulnerabilidade. Também se pode elencar algumas tentações que podem nos derrubar assim como a multidão que seguia Jesus em seu caminho, tais como vaidade, aprovação popular, grandes feitos e eventos, para ficarem na lembrança das pessoas, mas que não tocam seus corações.
5. Subsídios litúrgicos
Acolhida:
Tu nos enlaças, Senhor
(Antoine de Saint-Exupery – 1900-1944)
Senhor, a missão do tempo que se escoa
É de curar-nos e de transformar-nos
Em alegria para a tua glória.
Senhor, abre-nos de par em par para a tua porta
E faze-nos penetrar lá onde nada será respondido,
Porque não haverá mais resposta,
Mas haverá beatitude,
Que é a resposta a todas as perguntas
E presença que satisfaz!
De uns e de outros eu não solicito o amor para mim...
Pouco me importa que me ignorem ou me odeiem
Conquanto me respeitem
Como o caminho que conduz a ti;
Porque o amor eu o solicito somente a ti,
A quem pertenço e a quem eles me pertencem,
Atando o feixe dos movimentos de tuas adorações
E o confiando a ti.
Eu também me dirijo ao longo da rampa,
Que estou subindo, para a serenidade de Deus,
Aceitando as renúncias que são condições para a alegria,
Como a imobilidade das crisálidas
É a condição de alçar o voo.
Tu me enlaças, Senhor, no mais alto que eu....
Sei que não chegarei à paz e ao amor sem ti...
Porque somente em ti, Senhor,
Se confundem, enfim, Numa unidade sem litígios,
O amor e as condições do amor!
Oração:
Querido Deus e pai de Jesus Cristo, nosso Senhor, damos-te graças por este dia que nos concedes; por mais este tempo da paixão de teu filho amado. Ensina- nos com a humildade de Jesus que não se deixou seduzir pelos aplausos da multidão, que frustrou as expectativas do povo, mas se manteve com retidão no teu projeto de redimir todo o povo; ensina-nos a perdoar de antemão e assim estar livres para o teu amor incondicional. Envolve-nos com teus braços e teu amor. Amém!
Bênção:
“Sobre os nossos corações e nossas casas... Seja a bênção de Deus.
Em nossa vida e paixão, Seja o amor de Deus.
Em nossa despedida e até um novo começo,
Sejam os braços de Deus que nos acolhem e nos conduzem de volta ao lar.” (Comunidade de Iona, Escócia)
Bibliografia
ALVES, Rubens. CultoArte. Celebrando a vida – Tempo comum. Petrópolis: Editora Vozes, 2000.
DOMAY, Erhard. Gottesdienst Praxis – Serie B. Gütersloh, Deutschland, 2002.
YOUNG, William P. A cabana. Rio de Janeiro: Sextante, 2008.