Prédica: Lucas 18.1-8
Leituras: Gênesis 32.22-31 e 2 Timóteo 3.14-4.5
Autoria: Claudete Beise Ulrich
Data Litúrgica: 19º. Domingo após Pentecostes
Data da Pregação: 20 de outubro de 2019
Proclamar Libertação - Volume: XLIII
A ora-(a)ção insistente e persistente da “mulher-viúva”
1. Introdução
O texto previsto para a pregação apresenta uma mulher e um juiz. A mulher é uma viúva persistente na luta para que o seu direito seja respeitado. O juiz, entretanto, não é temente a Deus, não respeitando ninguém. A ora-(a)ção resistente e perseverante da viúva é uma metáfora inclusiva que inclui todas as “mulheres--viúvas” na luta por seus direitos.
A leitura bíblica do Antigo Testamento é de Gênesis 32.22-31, apresenta Jacó e sua luta de uma noite. Ao final da luta, Jacó pede para seguir e pergunta pelo nome da pessoa com quem lutou. Ele não recebe uma resposta. Foi abençoado. Jacó dá nome ao lugar da luta – Peniel – e diz: Vi a Deus face a face, e a minha vida foi salva (Gn 32.30).
O texto de leitura do Novo Testamento, que se encontra em 2 Timóteo 3.14 – 4.5, aponta para a fidelidade da pregação da Palavra, para a importância de permanecer naquilo que foi aprendido, sabendo de quem foi aprendido. E que, desde a infância, sabes que as sagradas letras, que podem tornar-te sábio para a salvação pela fé em Cristo Jesus (2Tm 3.15).
Os três textos apontam na mesma direção: a persistência e a fidelidade à palavra de Deus, ao evangelho, o estar face a face com Deus traz salvação, a necessidade de permanecer naquilo que foi ensinado e aprendido, apontando para o respeito ao direito das viúvas (e órfãs, órfãos). A palavra aprendida desde a infância fortalece a persistência, a insistência, a coragem e a luta por direitos e para que a justiça seja julgada com retidão.
2. Reflexões exegéticas
A parábola de Lucas 18.1-8 é material exclusivo desse evangelista. Ela apresenta duas personagens: a viúva e o juiz. Jesus conta a parábola da viúva persistente (Lc 18.1-8), quando interrogado pelos fariseus pela vinda do reino de Deus (Lc 17.20-37). Depois de contar a parábola da viúva, lutadora por seus direitos, o evangelista relata a parábola do fariseu e publicano (Lc 18.9-14). O contexto deixa claro que a prática da oração tem a ver com a luta por direito e justiça. As pessoas humildes serão exaltadas (Lc 18.14).
De acordo com Luise Schottroff, “as duas personagens dessa parábola devem ser lidas à luz da Torá. O juiz injusto corporifica o abuso do direito da Torá, que nela mesma reiteradamente ganha relevância, por exemplo, em Isaías 5.7. Deus esperava a sentença justa e o que se vê é a quebra do direito” (Schottroff, 2007, p. 238). O juiz apresentado em Lucas 18.1-8, portanto, corporifica o contrário do que devem ser os juízes em Israel. Os juízes devem julgar com retidão. O próprio Deus se apresenta com uma imagem oposta à do juiz. Deus julga com retidão e justiça (Sl 9.8).
Schottroff também aponta que “na Torá, as viúvas e os órfãos são colocados sob a proteção especial do direito divino. Nas sociedades patriarcais do mundo antigo, eles eram, do ponto de vista estrutural, sempre as primeiras vítimas da injustiça econômica e social, de violações jurídicas e alvos de tentativas de fraude e exploração” (Schottroff, 2007, p. 240).
A viúva procura o juiz, pois tem uma causa que necessita ser julgada. A viúva diz para o juiz: “Julga a minha causa contra o meu adversário”. O texto não diz quem é o adversário. No entanto, Schottroff deixa claro que a viúva já vem há algum tempo procurando o juiz para que julgue a sua causa. Ela também aponta que a viúva é vítima duplamente: “1) Ela se tornou vítima de um homem que atingiu a base econômica de sua vida[...] e procura se defender com a ajuda de um juiz; 2) Também é vítima de um julgamento injusto que não leva o seu direito em sua consideração” (Schottroff, 2007, p. 240). Ela é vítima de uma injustiça estrutural. Ela sofre devido ao pecado de uma estrutura injusta, que não considera os fracos e marginalizados.
Importante perceber que uma sociedade patriarcal comete injustiça estrutural, contra a qual Deus intervém. Quando a parábola diz que o juiz não teme a Deus (v. 2 e 4), a parábola documenta essa falta de temor a Deus também na sua atitude para com a viúva, pois o Deus bíblico exige um julgamento justo para as viúvas.
Resistência é uma palavra que caracteriza a viúva. Ela não se apequena diante do juiz. Ela insiste; e devido à sua persistência, o juiz julga a sua causa. A viúva sabe que o seu direito está garantido na Torá. “Sua persistência é possível porque sabe que o direito divino está do seu lado” (Schottroff, 2007, p. 241). Os versículos 7-8a apontam para esse fato: “Não fará Deus justiça aos seus escolhidos, que a ele clamam dia e noite, embora pareça demorado em defendê-los? Digo-vos que, depressa, lhes fará justiça”. O núcleo central do texto é a ação persistente e resistente da “mulher-viúva” (metáfora para a luta de pessoas que lutam por seus direitos – pobres, viúvas e órfãos). É da atitude da “mulher-viúva” que os ouvintes devem aprender, tanto no início como no final da parábola.
O texto de Lucas 18.1-8 encerra com uma exortação de Jesus em relação à pergunta dos seus ouvintes, dizendo: Contudo, quando vier o Filho do homem, achará, porventura, fé na terra? (v. 8). Fé, portanto, é atitude de pessoas que creem, que oram continuamente e com toda a existência clamam a Deus por justiça. Deus agirá em breve e com justiça. O Filho do homem voltará em breve. É tempo de transformações significativas na vida pessoal e estrutural. É essa esperança ativa na oração que leva também a buscar a transformação da situação de injustiça. “A parábola concentra seu olhar nesse comportamento resistente dos que creem, exemplificado pela viúva obstinada. Esse tipo de oração e a esperança obstinada não se restringem à relação isolada de pessoas individuais com Deus, que é como o dualismo moderno classifica o ato de orar. Essa oração caracteriza o agir e orar da comunidade também em seu entorno; ela perfaz sua força e obstinação também em seu jeito de lidar com as pessoas. Os que creem tem esperança de que o juízo de Deus produzirá justiça” (Schottroff, 2007, p. 242). Lucas 18.1-8, portanto, fala da resistência que brota das “mulheres-viúvas” contra todas as estruturas injustas.
3. Meditação
O texto de Lucas 18.1-8 mostra-nos a força da resistência e da persistência de pessoas sofridas, pobres, mulheres, viúvas. Este texto, portanto, necessita ser visto para além da prática persistente da oração. Ele aponta para a ação incessante e militante de uma viúva pela justiça diante de um juiz que não quer julgar sua causa. Ela apresenta a memória da luta das mulheres viúvas em relação à luta por seus direitos, muitas vezes negados.
O texto não descreve com detalhes a viúva, mas afirma que ela se dirigia constantemente a um juiz: Julga a minha causa contra o meu adversário (18.3). Também não se sabe quem é o adversário dessa mulher. O texto deixa claro que ela está sendo prejudicada por alguém. Também não se sabe qual é a causa que ela está pedindo para ser julgada. No entanto, ela procura o juiz de forma contínua e persistente, travando uma luta obstinada e incansável pela justiça.
O juiz também, por algum tempo, não quis atender a viúva. No entanto, devido à importunação dela, ele diz: Bem que eu não temo a Deus, nem a respeito a homem algum; todavia, como esta viúva me importuna, julgarei a sua causa, para não suceder que, por fim, venha a molestar-me (v. 4b e 5).
A “ação-oração” da mulher viúva é tomada como exemplo da oração que agrada a Deus. Essa parábola, na maioria das vezes, é superficialmente interpretada, limitando a força da parábola apenas à persistência na oração. O texto apresenta, no entanto, a luta de uma mulher viúva que enfrenta um juiz insensível e que não teme a Deus nem respeita as pessoas. Ela o enfrenta com uma atitude de oração militante.
Este texto é muito bonito e com uma mensagem muito atual, pois mostra a força das mulheres, das viúvas, das pobres, das lutadoras teimosas pelo direito e pela justiça. Elas enfrentam os juízes, os poderes constituídos. A luta dessa “mulher-viúva” representa a luta de todas as “mulheres-viúvas” por seus direitos. Aponta-se para algo importante. A oração apresentada no texto não é uma ação passiva, e sim ativa. A espiritualidade está ligada com a luta por direitos, para que a justiça e o direito sejam feitos em benefício das pessoas marginalizadas e sofredoras. Dentro da própria palavra oração já se encontra a palavra ação. Portanto a oração cristã evangélica está sempre ligada a uma ação que envolve a luta pelo cumprimento da justiça em benefício dos pobres (viúvas, órfãos). Jesus eterniza a história dessa viúva, fazendo dela um exemplo a ser seguido (Reimer, 1996, p. 73).
Atravessamos novamente um grave momento de crise político-social no Brasil. Direitos são retirados dos trabalhadores e das trabalhadoras. A marca do Brasil é das desigualdades que se mostram em todas as áreas. Não há políticas públicas para quem mais precisa, e sim para quem apresenta mais força política.
Há muito clamor e dor na sociedade brasileira. Ouvimos esses clamores das viúvas e dos órfãos. O pecado da estrutura produz muitos clamores dos pobres. Como fazer com que os juízes humanos julguem a causa dos pobres com justiça? Como fazer com que os juízes e as juízas julguem as causas das viúvas, das mulheres pobres, das violentadas? Como a IECLB se posiciona diante dessas realidades de orações que clamam para que o direito e a justiça aconteçam neste país? Contando essa parábola Jesus ensina o povo a reivindicar e a lutar por seus direitos, apontando que é essa a oração que agrada a Deus. Deus não tardará em fazer justiça às pessoas que a ele clamam dia e noite de forma ativa.
4. Imagens para a prédica
– Solicitar que pessoas da comunidade (mulheres) que já tiveram que lutar por direitos deem um testemunho de sua persistência e resistência para conseguirem seus direitos.
– Outra sugestão: criar um diálogo entre a viúva e o juiz, apontando para a insistência da viúva e o descaso do juiz.
– Outra ideia é trazer imagens de mulheres que lutam por direitos. As mães da praça de maio (Argentina), as mães do Rio de Janeiro que estão na luta contra a morte de seus filhos e suas filhas ou a história de Maria da Penha. A luta por superação da violência contra as mulheres e meninas.
– A (des)conhecida Lei Maria da Penha, que necessita ser estudada nas comunidades cristãs, afirmando a dignidade e cidadania das mulheres. História de Maria da Penha Fernandes: Conselho Nacional de Justiça (CNJ), publicado em 17 de agosto de 2017. Disponível em:
5. Subsídios litúrgicos
Invocação
Deus do amor, invocamos a tua presença.
Jesus Cristo, companheiro que caminha junto na luta por justiça e paz, invocamos a tua presença.
Espírito de Deus, santificador e animador, para que sigamos resistentes e persistentes com coragem na luta por direitos para todas as pessoas, invocamos a tua presença. Amém.
(Acender três velas no altar.)
Kyrie – Pelas dores deste mundo
Solicitar que as pessoas participantes do culto escrevam dores e situações de injustiça e coloquem no altar.
Como sinal de entrega a Deus, queimar os bilhetes pedindo que o fogo purificador do Espírito de Deus fortaleça as lutas por paz e justiça em nosso mundo.
Canto
Livro de Canto da IECLB 56: Pelas dores deste mundo.
Hino
Livro de Canto da IECLB 609: Palavra não foi feita para dividir ninguém.
Litania da esperança
Quando as forças se abatem...
Creio no poder da justiça de Deus que me fortalece.
Se é noite e os pesadelos querem me dominar...
Na angústia das tempestades...
Quando as lágrimas desejam ser meu alimento...
Se na caminhada eu ousar desistir...
Na saudade de um tempo de alegria...
Quando a voz estiver fraca para clamar...
Se no abraço o amor universal estiver ausente
Fortalece a persistência e a resistência na luta por direitos
Creio no poder da justiça de Deus que não tardará.
(Adaptado de Inês de França Bento e Alexandre Filordi)
Oração de intercessão
– Interceder para que a democracia com direitos se restabeleça no país, para que os juízes e as juízas julguem com retidão a causa das viúvas, das mães que choram por seus filhos mortos, crianças, pobres, escravizados, doentes, estrangeiros, agricultores, agricultoras e marginalizados.
– Interceder para que cristãos e cristãs exerçam uma diaconia ativa na luta por direitos, com incidência pública.
– Interceder para que a oração se torne também ação ativa e resistente frente a todas as injustiças.
– Interceder pela igreja, por seu papel consolador e profético.
– Interceder pela paz e a justiça social.
Deus, ouça o clamor do teu povo e fortaleça em cada um e cada uma a resistência e a persistência na luta por restituição de direitos.
Bênção final
Deus-Vida, tu és vida.
Fonte de vida, forças, ânimo e fé recebemos de ti.
Abençoe nossas lutas por direitos, justiça, igualdade e paz.
Envolve-nos nos movimentos de vida, justiça e paz, ensinados por Jesus.
Dá-nos resistência e persistência nas lutas cotidianas por direitos.
Ouve nossas orações, ativas, com a força da Ruah – espírito de vida.
Que o exemplo da viúva insistente e persistente nos inspire em nossas lutas cotidianas.
Que a tua bênção, Deus Trino, caminhe cada dia e momento junto conosco.
Amém!
Bibliografia
SCHOTTROFF, Luise. As parábolas de Jesus: uma nova hermenêutica. São Leopoldo: Sinodal, 2007. p. 239-244.
RICHTER REIMER, Ivoni. O poder de uma protagonista: A oração de pessoas excluídas (Lucas 18,1-8). Ribla, Petrópolis: Vozes, v. 25, p. 63-73, 1996.
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