Prédica: Lucas 15.1-3,11b-32
Leituras: Josué 5.9-12 e 2 Coríntios 5.16-21
Autoria: Erní Walter Seibert
Data Litúrgica: 4º Domingo na Quaresma
Data da Pregação: 06/03/2016
Proclamar Libertação - Volume: XL
Deus sempre nos recebe com amor
1. Introdução
Quaresma é o período do Ano da Igreja em que as pessoas cristãs fazem a preparação para a celebração da Páscoa. É um tempo de reflexão sobre os motivos que levaram nosso Senhor Jesus Cristo a enfrentar a paixão e a morte. A Quaresma é entendida à luz da Páscoa. Ela leva a pensar no antes e no depois.
O texto do evangelho deste domingo conta a parábola do filho pródigo. O capítulo 15 do Evangelho de Lucas é o capítulo dos perdidos. A ovelha perdida, a moeda perdida e o filho perdido compõem esse capítulo. Neste domingo, a ênfase está na história do filho, ou melhor, dos filhos perdidos. No começo do capítulo é feita a introdução ao assunto. Jesus era conhecido como alguém que “se mistura com gente de má fama e toma refeições com elas”. As pessoas consideradas de má fama nos tempos de Jesus continuam tendo a mesma fama nos dias de hoje: cobradores de impostos e prostitutas. Uma vez que essas pessoas buscam auxílio em Jesus, ele as aceita e dá nova oportunidade. Há um antes e um depois.
As outras duas leituras do dia podem ser facilmente relacionadas com a leitura do evangelho. Em Josué 5.9-12 está descrita a chegada do povo de Israel à terra prometida. Depois de ter peregrinado 40 anos pelo deserto, após a saída do Egito, finalmente alcançou a terra prometida. Chegando à nova terra, o maná parou de cair. Agora eles podiam alimentar-se da fartura da nova terra. Os homens circuncidaram-se. Os homens que haviam saído do Egito e que eram circuncidados morreram todos. Os que nasceram no deserto não haviam sido circuncidados. Era hora de renovar a aliança com Deus. Veem-se claramente o antes e o depois. Pode-se dizer simbolicamente: está acontecendo a passagem da Quaresma para a Páscoa.
Finalmente, temos a leitura da epístola do domingo: 2 Coríntios 5.16-21. O apóstolo Paulo mostra, nesse texto, a mudança que ocorre quando Deus reconcilia alguém em Cristo Jesus. Ele passa a ser nova criatura. O passado já não importa mais. Este é o ministério que Deus havia entregue a Paulo: o ministério da reconciliação. Deixamos de ser inimigos de Deus para tornar-nos seus amigos. A grande mensagem que perpassa os três textos é que Deus dá uma nova oportunidade para os seres humanos.
2. Exegese
O capítulo 14 de Lucas termina com a expressão “Se vocês têm ouvidos para ouvir, então ouçam”. Já o capítulo 15 começa dizendo que “muitos cobradores de impostos e outras pessoas de má fama chegaram perto de Jesus para o ouvir”. Ouvir Jesus é fundamental para a vida cristã. Ouvir Jesus faz a diferença entre o antes e o depois. A fé vem pelo ouvir.
Os críticos de Jesus, os fariseus e os mestres da Lei, não queriam ouvir Jesus. Eles se indignavam com a atitude amorosa de Jesus para com os que eles consideravam pessoas que não deveriam receber a mensagem do amor de Deus. Esse é o cenário dentro do qual Jesus apresenta as parábolas do capítulo 15 de Lucas. As parábolas são uma resposta de Jesus às críticas dos fariseus e mestres da Lei. Jesus defendeu seu ministério das acusações que eles lhe faziam. E aí ele apresenta a essência da sua obra redentora: trazer para todos, especialmente para os perdidos, a mensagem do amor de Deus.
A parábola do filho pródigo é a que tem o foco da leitura do domingo. É importante lembrar que a maioria das pessoas, embora conheça a expressão “filho pródigo”, não sabe o que a palavra pródigo significa. Pródigo significa gastador, aquele que por ser extremamente liberal nos gastos dissipa rapidamente sua fortuna. O filho pródigo é o filho gastador. Embora o título não faça parte do texto bíblico, talvez seja bom explicar às pessoas o sentido dessa palavra. Novas traduções da Bíblia, como a NTLH, colocam como título da parábola “o filho perdido”.
A história está dentro de um ambiente rural. Um dono de terras, que tem animais e plantações, vive ali com seus dois filhos. A cultura da época é diferente da cultura contemporânea. Naquele tempo, não havia nada de errado em pedir a herança antes do pai falecer. Era normal. O que não era bem-visto era sair da casa do pai. Nos tempos de hoje, isso não é mais assim. Um filho pedir a herança antes da morte do pai não é algo normal. No entanto, um jovem sair da casa do pai para fazer a sua própria vida é algo corriqueiro e normal.
O país distante para o qual o jovem saiu pode ser identificado hoje com as tentações que a cidade oferece: prostituição, jogos, bebedeiras, drogas. Enfim, existem muitas maneiras de um jovem gastar rapidamente uma fortuna com isso. Outra cena que o texto apresenta é que, enquanto a pessoa tem dinheiro, ela tem amigos. Acabado o dinheiro, todos os amigos também desaparecem, e sobram a pobreza e a mendicância.
É na privação que o jovem começa a ter saudades da casa do pai. Ele pensa em voltar. Reconhece que não merece ser recebido, mas, mesmo assim, pensa em voltar. O que o atrai é o amor do pai. Esse processo de meia-volta pela qual o filho perdido passa descreve o itinerário do arrependimento. A meia-volta é a descrição do arrependimento – mudança de mente, metanoia, em grego.
A parábola apresenta ainda a confi ssão dos pecados: “pequei contra Deus e contra o senhor”. O filho arrependido não encontra em si nenhuma razão para ser recebido por seu pai. Ele não tenta justificar-se. Não põe a culpa nos outros. Apenas reconhece sua culpa e confia no pai.
O pai, por sua vez, aceita-o, recebe-o de volta. O pai não impõe condições para a volta. A atitude do pai descreve a graça de Deus para com o pecador. Não há ameaças implícitas ou explícitas. O que impera na atitude do pai é o amor. O amor é tanto, que ele faz uma festa para receber o filho perdido. O amor do pai é tão grande, que provoca a indignação do filho mais velho. Para o filho mais velho deveria haver uma fórmula de recompensa pela vida. Ele, por ter ficado a vida toda com o pai, deveria receber algo mais do que aquele seu irmão que desperdiçou a fortuna. O que indigna o filho mais velho é o amor extremo do pai. Em vez de fazer uma conta de méritos, o pai reafi rma seu amor.
A parábola bíblica não é difícil de entender. No entanto, ela é instigadora. Ela mexe com os seus leitores ou ouvintes. Se ela terminasse contando apenas a festa de recepção do filho perdido, não traria grandes dificuldades para o leitor. Mas ela mostra a cena de indignação do filho mais velho. Essa indignação encontra eco no coração da maioria das pessoas. É fácil entender que um filho se desvie e que o pai se alegre quando ele volta para casa. Mas não parece justo o pai fazer tudo aquilo pelo filho perdido sem dar um pouco de razão para o filho mais velho.
Fariseus e mestres da Lei provavelmente sentiram-se na pele do filho mais velho. Essa era a crítica que eles faziam a Jesus: “ele se mistura com gente de má fama e toma refeições com eles”. Escribas e fariseus eram o irmão mais velho. É importante lembrar que escribas e fariseus na sociedade do tempo bíblico eram considerados pessoas religiosas, sérias. Eles criticavam Jesus. E aí está o paradoxo do ensino de Jesus. Era mais fácil pecadores e pessoas de má fama entenderem Jesus do que os religiosos. No entanto, Jesus veio para salvar os que estavam perdidos. E quando um deles se salvava, ele se alegrava.
3. Meditação
Fazer a ligação da parábola de Jesus com a vida de nossos dias não é muito difícil. Embora o pano de fundo cultural seja diferente – a maioria vive em cidades e não no campo; herança e saída de casa são vistas de forma diferente –, há muitas conexões mais ou menos evidentes.
É fácil encontrar em cada um de nós elementos que nos identifiquem com o filho perdido. Quem nunca fez algo que o afastou do Pai celestial? Quem poderá apresentar-se como sendo exemplo absoluto de santidade? Dificilmente alguém em boa consciência fará isso.
Por outro lado, é fácil encontrar exemplos na vida da igreja que apontam para pessoas que não queriam receber um pecador de volta na casa do pai. Igrejas de origem étnica, por vezes, têm dificuldades para aceitar pessoas de outra etnia. Igrejas em que a média das pessoas pertence a uma classe social têm dificuldades para aceitar pessoas de outra classe. Além disso, há casos de pessoas que se desviaram e querem voltar ao convívio dos irmãos e são rejeitados. Admitir que dentro de nós há um pouco ou muito do irmão mais velho nem sempre é tão fácil.
As igrejas têm dificuldade para aceitar a liberalidade do pai da parábola na admissão de volta dos pecadores. Em geral, preferem impor condições antes de receber a pessoa.
Por outro lado, pecadores têm dificuldade para voltar ao pai sem tentar se esconder atrás de uma desculpa. Eu errei porque meus amigos me enganaram. Eu fi z isso porque a pressão era muito grande e não consegui resistir. E assim as desculpas vão se acumulando. A atitude do filho pródigo ao voltar para casa foi de reconhecimento absoluto de sua indignidade. Ele tão somente confiava no amor do pai.
Encontrar as atitudes do filho mais novo e do mais velho nos outros não é muito difícil. É importante que reconheçamos essa atitude dentro de nós mesmos e assim voltemos ao Pai. Quem tem ouvidos para ouvir ouça.
Por outro lado, é importante que se aponte também para a radicalidade do amor de Deus. Isso a parábola faz com maestria. Não há sombra de dúvida de que o pai é amoroso. Pode ser um amor que irrita as pessoas que pensam em méritos. Mas é um amor absolutamente puro e compassivo. Não há como não ficar extasiado diante do amor de Deus em Jesus Cristo.
Na vida, esse tipo de amor não é tão comum. A Bíblia fala no amor de mãe. Em nossa sociedade, a mãe de filho presidiário vai visitá-lo e leva-lhe uma refeição, mesmo sabendo que o filho é um bandido. É um amor impressionante.
O amor de Deus é maior. Isaías diz que uma mãe nunca pode esquecer-se do filho que ela amamenta. Mas, mesmo que isso fosse possível, Deus não se esqueceria de nós (Is 49). Essa é a radicalidade do amor de Deus. Lutero em certo momento diz que, quando uma mulher de fato ama o marido, ela não está interessada em nada que ele possui ou possa trazer para ela. Ela apenas quer o marido. Assim, diz o Reformador, seria o amor de Deus. São imagens da vida que tentam mostrar o indizível amor de Deus pelas pessoas.
4. Imagens para a prédica
A parábola do filho pródigo, por si só, é a imagem mais forte que pode haver. Jovens ou crianças podem facilmente teatralizá-la para a comunidade. Alguém pode ler o texto bíblico, e os jovens podem interpretar a figura do pai, a saída de casa, o desperdício dos bens, a pobreza, o arrependimento, a volta ao lar, a recepção do pai, a indignação do filho mais velho e o amor do pai. Tornar isso visível através de uma encenação ajuda as pessoas a fazer as ligações entre o que é narrado na história bíblica e o que acontece na vida hoje em dia.
5. Subsídios litúrgicos
Na liturgia do culto existem vários elementos que podem ser conectados com a lição que a história bíblica nos traz. Na confissão e absolvição, nossa atitude deve ser a de confessar os pecados e confiar na graça de Deus. A absolvição não impõe condições para dar o perdão.
O anúncio da Palavra é a continuação do ministério de Cristo. Quem tem ouvidos para ouvir ouça. E ninguém ouvirá se não houver quem pregue. A pregação deve ser centrada no evangelho, no anúncio do perdão, no anúncio do amor de Deus.
A Santa Ceia é o grande banquete em que os pecadores são recebidos de volta ao Pai.
Sugestão de esboço de prédica:
Deus sempre recebe-nos com amor:
1. perdoando-nos;
2. dando-nos nova oportunidade.