Prédica: Lucas 12.49-56
Leituras: Salmo 82 e Hebreus 11.29 - 12.2
Autoria: André Luiz Martin
Data Litúrgica: 10º Domingo após Pentecostes
Data da Pregação: 14/08/2022
Proclamar Libertação - Volume: XLVI
A paz de Deus! Estamos dispostos a pagar o preço?
1. Introdução
O texto proposto para a pregação já foi trabalhado anteriormente e conta com valiosas contribuições em Proclamar Libertação, nos volumes XVII, 23, 29, 34 e 40.
Escrevo este auxílio no ano de 2021, quando o que mais ouvimos e sentimos é sobre a assim chamada “polarização” política, ideológica, enfim, cada qual com suas ideias, com suas certezas. No ano de 2022, quando este auxílio homilético estiver sendo usado, estaremos em pleno ano eleitoral. Não é difícil antever que a polarização estará mais acirrada. Diálogo, paz, entendimento, elementos tão caros para nós, estão longe de ser uma realidade. Em um contexto assim, cai em nosso colo justamente um texto como Lucas 12.49-56: Jesus vem trazer divisão [...], tudo isso aliado ao fato de estarmos em pleno Dia dos Pais.
As demais leituras indicadas, Salmo 82 e Hebreus 11.29 – 12.2, permitem-nos dar um enfoque no texto da pregação: a fé em Cristo nos orienta a buscar a justiça de Deus e essa conclama à ação em prol dos desafortunados.
Rogamos a Deus que sopre seu Santo Espírito sobre cada um e cada uma de nós que se propõe a estudar e preparar este texto. Rogamos por entendimento e coragem no falar, pregar a palavra de Deus. Amém.
2. Exegese
O colega P. Nilo Christmann, no PL 29, p. 235, já nos dá a indicativa de que não há grandes divergências entre as várias traduções disponíveis. Assim nos propomos a tecer algumas considerações exegéticas acerca do texto proposto. O texto de Lucas 12.49-56 encontra um paralelo em Mateus 10.34-36, em que Jesus fala que veio trazer a espada ao invés da paz. Lucas traz na redação da perícope em análise, especialmente nos dois primeiros versículos, conforme Rengstorf (1969, p. 166), elementos apocalípticos, cheios de simbologia.
Lucas 12.49-50: Essa parte, possivelmente acrescentado pelo evangelista a partir da Fonte L, advinda da tradição oral à qual Lucas teve acesso, traz duas referências importantes. Uma, faz alusão ao fogo e, sobre esse aspecto um comentarista diz que “Lucas queria mostrar que esse ministério de Jesus provocaria as chamas do conflito, que compeliriam os homens a se alinharem com aliados ou adversários do Messias” (CHAMPLIN, 1985, p. 133). O comentário seguinte vai na mesma direção:
Não o fogo abrasador do zelo pela casa de Deus (Jo 2.17; Sl 9.10) ou pelo seu Reino (cf. Eclo 48.1), nem o fogo consumidor do juízo punitivo (Lc 3.9,16), nem ainda o da efusão do Espírito em Pentecostes (At 2.3), mas, como se depreende dos v. 51-53, o fogo da divisão e do ódio (LANCELLOTTI; BOCCALI, 1979, p. 155).
Da mesma forma, em 1 Pedro 4.12, o fogo nos é trazido num contexto de provações e perseguições à comunidade cristã.
A outra parte nos remete ao batismo. Aqui, Jesus usa o batismo e lhe dá um sentido mais amplo. O batismo recebido de João Batista o compromete à vontade de Deus. Esse batismo traz consequências tanto para Jesus (que já antevê o sofrimento que o aguarda e por isso fala da aflição da espera) como para seus seguidores, haja vista o termo batismo já ter sido usado nessa conotação em Marcos 10.38-39.
Lucas 12.51-53: No v. 51, temos um paralelo correspondente em Mateus 10.34. Nos v. 52 e 53, o evangelista Lucas aprofunda um pouco mais a questão da divisão das famílias, atribuindo as proporções três contra dois e dois contra três. Ruptura ao invés da paz, isto é o que Jesus vem trazer. A tomada de posição, a favor ou contra o Messias, trará justamente essa segregação no seio familiar.
E o Messias que veio ao mundo para restaurar a paz? Como vamos compreender?
A paz prometida não era, segundo a mente divina, um dom gratuito, mas um bem que deveria ser merecido com a adesão, necessariamente dolorosa, ao Messias crucificado. E essa adesão devia implicar a ruptura com o mundo hostil ao plano de Deus, ruptura da qual não seriam poupados nem os lares (LANCELLOTTI; BOCCALI, 1979, p. 155).
Lucas 12.54-56: A interpretação dos sinais climáticos já aparece em Mateus 16.1-4, só que dessa vez não é um pedido do povo, mas uma constatação que Jesus faz. O povo sabe discernir os sinais climáticos e sabe concluir se haverá chuva ou tempo seco. Aqui a multidão reunida ouve Jesus chamar as pessoas de hipócritas. Sim, sabem observar as condições climáticas e prever o tempo, mas no tocante ao reino de Deus não sabem prestar atenção às profecias que indicavam a vinda do Messias. Aqui trago, inclusive, à memória que o próprio João Batista pede a seus seguidores perguntarem a Jesus se ele era de fato o Messias aguardado ou se precisavam esperar por outro, conforme Lucas 7.18-23 e Mateus 11.2-6. Reconhecer em Jesus Cristo o Messias é aceitar que a partir dele e de seu ensinamento e atuação, o reino de Deus se concretiza. A fé em Jesus como o Messias enviado também dará suporte às comunidades cristãs em tempos de adversidade e perseguição.
3. Meditação
Dia dos Pais! Dia de homenagear! Dia de dar presentes! Dia de abraçar ou, então, lembrar com saudades dessa pessoa tão importante na nossa vida. Dia dos Pais! Dia de também lembrar as vezes em que discutimos com nossos pais. Opiniões divergentes, conflito de gerações. Chamadas de atenção e admoestações de um lado; ouvidos surdos, passos pesados, portas batidas de outro lado.
Resumindo... Dia dos Pais pode até ser revestido de glamour, mas a realidade é que nem sempre tudo transcorre às mil maravilhas na relação entre pais e filhos. Há opiniões divergentes, pontos de vista diferentes e, não raro, desentendimentos e brigas entre filhos e pais. Jesus diz que não veio trazer paz, e sim divisão. Mas será que é ali que está o cerne do nosso texto? Como distinguir os desentendimentos “normais” dos desentendimentos advindos de uma fé comprometida com o Evangelho de Cristo?
Dia dos Pais também nos lembra de que a figura paterna é, sim, referencial para a nossa vida. É orientação. Jesus diz que sabemos nos orientar pelos sinais do tempo (clima), mas não sabemos nos orientar pelos sinais dos tempos (presença do reino de Deus).
O quarto mandamento nos lembra de que devemos honrar pai e mãe para que possamos ir bem e que se prolonguem nossos dias na terra. Jesus alerta que, por causa dele, haverá cisão: pais contra filhos e filhos contra pais.
Vivemos ou estamos vivendo essas tensões no âmbito familiar? O que as geram? Como reagimos? Estamos vivendo essas tensões no âmbito da comunidade? O que as geram? Como reagimos? Estamos vivendo essas tensões no âmbito da sociedade? O que as geram? Como reagimos?
A pergunta que nos fazemos é: o que fazemos com nossas convicções? Sustentamo-las ou, para que haja paz, abrimos mão? Que preço estamos dispostos a pagar para manter nossas convicções?
A Martim Lutero é atribuída a frase: “A paz, se possível, mas a verdade a qualquer preço”. Para isso aponta a nossa temática. A paz não é opção quando a verdade do evangelho está sendo obstruída. A paz verdadeira é consequência do reinado do Messias prometido por Deus e concretizado em Cristo Jesus.
O batismo com água nos tira da nossa paz/comodismo e nos conclama a denunciar e agir, mesmo que por causa disso sobrevenha em nossa vida o batismo do sofrimento. Há momentos em que a paz deve ser buscada, tanto no âmbito familiar, da comunidade, da sociedade. Há momentos em que o diálogo e bom entendimento devem ter primazia. Porém, quando a justiça e o direito à vida não são respeitados, a paz não é opção. Nessa hora não podemos, não devemos abrir mão das nossas convicções da fé em Cristo. Devemos falar, denunciar, bater o pé, agir. Há valores que são inegociáveis. Acima de tudo, temos um “Pai nosso que está no céu”, cuja vontade deve prevalecer.
4. Imagens para a prédica
Uma pequena história talvez possa nos auxiliar no sentido de fazer perceber que, enquanto pessoas cristãs, nossa tomada de posição é fundamental. A história, claro, pode ser adaptada a cada realidade.
O muro
Havia um grande muro separando dois grupos. De um lado, estavam Deus, os anjos e os servos leais de Deus. Do outro lado, estavam Satanás, seus demônios e todos os humanos que não servem a Deus.
Em cima do muro havia um jovem indeciso, que havia sido criado num lar cristão, mas que agora estava em dúvida se continuaria servindo a Deus ou se deveria aproveitar um pouco os prazeres do mundo.
Ele observou que o grupo do lado de Deus chamava e gritava sem parar para ele:
– Ei, desce do muro agora… Vem pra cá!
Já o grupo de Satanás não gritava nem dizia nada. Essa situação continuou por um tempo, até que o jovem indeciso resolveu perguntar a Satanás:
– O grupo do lado de Deus fica o tempo todo me chamando para descer e ficar do lado deles, mas você e os outros deste lado, não. Por quê?
– É porque o muro é meu, respondeu-lhe Satanás.
5. Subsídios litúrgicos
Penso que seria interessante ter um momento de rememoração do ato batismal mediante unção com óleo. O batismo nos compromete com o reino de Deus e esse comprometimento traz consequências. Importante é lembrar a promessa de Jesus: Eis que estou convosco todos os dias, até a consumação dos séculos.
Tomo também a liberdade de sugerir alguns hinos: Se eu tiver Jesus ao lado (LCI 632); Jesus Cristo é Rei e Senhor (LCI 519); Quem quer cantar do amor (LCI 588).
Bibliografia
CHAMPLIN, Russel Norman. O Novo Testamento interpretado: versículo por versículo. São Paulo: Milenium, 1985. v. II.
LANCELLOTTI, Angelo; BOCCALI, Giovanni. O Evangelho da Libertação segundo Lucas. Petrópolis: Vozes, 1979. v. IV.
RENGSTORF, Karl Heinrich. Das Evangelium nach Lukas. Göttingen: Vandenhoeck & Ruprecht, 1969.
Voltar para índice do Proclamar Libertação 46