Prédica: Lucas 1.47-55
Leituras: Miqueias 5.2-5a e Hebreus 10.5-10
Autoria: Jorge Batista Dietrich de Oliveira
Data Litúrgica: 4º. Domingo de Advento
Data da Pregação: 23 de dezembro de 2018
Proclamar Libertação - Volume: XLIII
Deus exalta os humildes
1. Introdução
A liturgia deste 4º Domingo de Advento já é toda orientada para o nascimento do Salvador, que vem simples, humilde, desapegado de tudo, mas Rei e Senhor. A última vela acesa na coroa de Advento representa o ensinamento dos profetas, que anunciaram um reino de paz e de justiça.
A primeira leitura lembra-nos da profecia de Miqueias, com o nascimento humilde do Messias, na pequena Belém. A última frase dessa leitura: Ele será a Paz, define o conteúdo concreto desta esperança: ele veio trazer a paz e a salvação a todas as pessoas. A palavra shalom aqui utilizada significa mais do que apenas ausência de guerras e conflitos. Significa “bem-estar, abundância de vida e felicidade plena”.
A segunda leitura lembra-nos da disposição do Filho de Deus no momento de sua vinda: Eis-me aqui […] Eu vim, ó Deus, para fazer a tua vontade (Hb 10.7). Sugere que a missão libertadora de Jesus visa ao estabelecimento de uma relação de comunhão e de proximidade entre Deus e os seres humanos, de tal forma que as pessoas acolham essa proposta seguindo o exemplo de Jesus Cristo. O evangelho traz, no cântico de Maria, um anúncio de alegria e de salvação que faz rejubilar todas as pessoas que reconhecem em Jesus a proposta libertadora que Deus lhes faz. Deus escolheu Maria para partejar a salvação; Deus destronou as pessoas poderosas e exaltou as humildes; as pessoas famintas foram saciadas e as orgulhosas ficaram de mãos vazias.
2. Exegese
A perícope em estudo faz parte dos relatos de infância de Jesus segundo o evangelista Lucas e apresenta um traço de estilo semítico bastante conhecido: o paralelismo. Ou seja, o autor repete, em sequência, ideias similares, mas escritas de formas diferentes. Assim, a mentalidade judaica permeia o texto grego do Novo Testamento. Além disso, o texto apresenta citações e referências do Antigo Testamento, especialmente dos Salmos, e uma semelhança com o cântico de Ana, que se encontra em 1 Samuel 2.1-10. No entanto, nota-se uma diferença: o cântico de Ana é um grito de triunfo diante das suas inimigas, e o de Maria é uma humilde contemplação das misericórdias de Deus. Maria exalta a grandeza de Deus.
O Magnificat é um poema de mulheres pobres, não só por marcar o encontro de Maria e Isabel, mas por se constituir em memória das pessoas pobres e marginalizadas que aguardam a vinda do Messias do meio delas. Esse cânticosurge no contexto de uma sociedade injusta, onde as mulheres ficam à margem da história e são discriminadas quando não se encaixam no papel de procriadoras. Assim, Isabel, considerada estéril, e Maria, grávida sem ter marido, são exemplos daquelas que são desprezadas pela sociedade, mas escolhidas por Deus para serem suas colaboradoras no projeto de salvação. Maria resume em sua pessoa todo o povo de Israel, a quem Deus fizera as promessas de salvação a serem cumpridas nos tempos do Messias. Por isso o canto de Maria é o louvor das pessoas pobres e marginalizadas que reconhecem a ação de Deus para libertá-las através de Jesus. Cumprindo as promessas do Antigo Testamento, Deus coloca-se ao lado das pessoas pequenas e excluídas e inverte a ordem social, derrubando do trono as pessoas poderosas e exaltando as humildes e oprimidas.
V. 47 – O cântico é chamado de Magnificat, pois a versão em latim diz: Magnificat anima mea Dominum (A minha alma engrandece ao Senhor). A ação de Deus como Salvador é destacada nesse hino, onde as expressões engrandece e se alegra sugerem a contínua presença do louvor. Numa cultura em que as mulheres não tinham acesso às letras, chama a atenção como no Magnificat se fazem presentes os textos bíblicos. A expressão “Deus, meu Salvador” demonstra que Maria reconhecia sua condição de pecadora como todas as pessoas.
V. 48 – A expressão “desde agora” também pode ser traduzida como “de agora em diante”. Ou seja, as coisas não seriam mais as mesmas. Maria deixou de ser uma pobre e desconhecida moça hebreia para se tornar a mãe do Salvador. “Humilde serva” é uma referência à posição humilde que ela ocupava na sociedade.
V. 49-50 – Maria, após expressar sua gratidão por aquilo que Deus lhe fizera, volta-se à contemplação do próprio Deus. Dá ênfase a três coisas: seu poder, sua santidade e sua misericórdia. De uma perspectiva pessoal, o cântico desloca-se e passa a falar das pessoas que temem a Deus, numa clara referência à piedade do Antigo Testamento (Sl 111.10). A misericórdia é dada àquelas pessoas que procuram respeitosamente por ele.
V. 51-53 – Aqui temos uma série de seis verbos no aoristo, que dão a impressão de que Maria está relembrando ocasiões específicas no passado, quando Deus fez as coisas que ela enumera. O cântico sai da esfera do “eu” para a esfera do “eles”, e aponta para uma inversão total dos valores humanos. A última palavra não está com as pessoas soberbas, nem com as poderosas, nem com as pessoas ricas e orgulhosas. De fato, mediante a vinda do Messias, Deus derruba todas elas. Ocorre uma reviravolta nas atitudes humanas e nas estruturas sociais, pois pessoas pobres e pequenas são socorridas, em detrimento de ricas e poderosas. Deus mostrou sua força trazendo o seu Filho ao mundo não pelos soberbos de coração ou pelos poderosos, mas por uma humilde e pobre serva.
V. 54-55 – Maria agora canta sobre a ajuda que Deus dá a seu povo. A atuação de Deus no Messias não é completamente nova, mas sim uma continuação da sua misericórdia a favor de Abraão (Gn 15.1ss; 17.1ss). Está de acordo com suas promessas aos patriarcas no passado (Gn 17.7; 22.17; Mq 7.20).
3. Meditação
O Advento é um tempo alegre, quando esperamos pela visita sempre renovada do Deus, que se fez gente como a gente e veio morar entre nós. No Natal, celebramos a presença de Deus numa criança que chora, que é frágil e indefesa. Deus se faz um de nós ali nesse menino. Por isso Deus é o tema do canto de Maria. Ela não fala de si, de seus projetos de vida. Ela reconhece a grandeza de Deus, expressa sua alegria e seu agradecimento porque o Senhor se fixou em sua pequenez.
Maria foi grandemente abençoada por Deus, sua gravidez era uma ruptura na história, e Deus a escolhera para partejar a salvação. O fato de ser favorecida por Deus não lhe trouxe outro sentimento que não fosse o de louvor. Maria é uma mulher de fé, centrada em Deus e comprometida com a causa da justiça. Ela tem consciência histórica e um coração aberto para o próximo. Ela é alegre e solidária com o povo sofrido, proclama a vinda do reino de Deus, pois percebe que Deus está transformando as relações sociais. Ao mesmo tempo, age como uma israelita que recorda a ação de Deus a partir de Abraão. Recorda que, através da história, Deus é fiel e seu amor é para todas as pessoas.
Para Maria, Deus se tornou pessoal, pois ele olhou para a sua humildade. Ele escolheu uma moça pobre e desprezada, quando bem poderia ter optado pela filha de um rei. O Deus libertador do povo de Israel continua agindo na história concreta, optando por uma humilde serva, para tornar presente sua salvação na história humana. Ele age desse modo para que ninguém se glorie na sua presença, dizendo que mereceu ou merece tudo isso.
O cântico de Maria traz até nós a esperança dos profetas de que com o Messias virá o reinado de Deus – reinado de justiça e paz –, em que as pessoas fracas e pobres terão vez, dignidade e vida abundante. Erguendo Maria de sua humildade e transformando-a no instrumento de sua ação salvífica, Deus iniciou uma completa inversão de todos os valores. Essa ação de Deus é fruto de sua misericórdia e de sua compaixão. Ele tem o coração perto da miséria humana, e seus preferidos são os que foram desumanizados e humilhados pela tirania dos poderosos.
Por isso Deus se põe sempre ao lado das pessoas excluídas e marginalizadas pelas estruturas de poder, ele dispersa as pessoas soberbas e acolhe as humildes. Ele derruba do trono as pessoas que usam o poder para cometer abusos, opressões, injustiças e violências. Deus enche de bens as pessoas famintas e despede as ricas de mãos vazias. O cântico expressa a alegria e o júbilo das pessoas pobres e humildes, das pessoas perseguidas injustamente, das humilhados e ofendidas. Deus toma a defesa delas, pois seus planos não são como os nossos, nem seus critérios como os nossos critérios. Deus valoriza justamente o que, aos olhos da sociedade, aos olhos do status quo, não tem valor.
Com o filho de Maria, Deus já iniciou o seu reinado. Através de Jesus, Deus mexerá justamente no cerne do ser humano, lá onde se arquiteta o orgulho com todas as suas consequências. Com o nascimento de Jesus, um novo mundo se inicia. Por tudo isso Maria não pode se calar. Ela canta e dá voz às pessoas humildes e desprezadas que Deus levanta do pó e exalta. Também nós, que experimentamos a graça e a misericórdia de Deus reveladas em Jesus, precisamos falar e proclamar que Deus subverte e inverte as ordens estabelecidas.
Que este tempo de Advento e Natal nos sirva para potenciar o louvor e a gratidão a Deus por tudo o que ele fez e faz por todos nós. Lembremos que Deus ama as pessoas pobres e necessitadas e nos convida à solidariedade, à fraternidade e ao amor ao próximo, especialmente aos mais sofridos. Que possamos agir como Maria, a serva do Senhor, e louvar a Deus com este canto: Minha alma engrandece ao Senhor e meu espírito se alegra em Deus meu salvador. Vamos proclamar esse Deus que Maria experimentou e atualizar seu projeto de misericórdia e justiça em meio a situações de miséria e de morte que enfrentamos no dia a dia da vida. Amém.
4. Subsídios litúrgicos
Hinos sugeridos: 353, 356, 357, 360, 366 (Livro de Canto da IECLB).
Oração
Dá-nos, ó Deus, uma visão de nosso mundo conforme o teu amor quer transformá-lo. A visão de um mundo onde os fracos, em vez de serem explorados, são protegidos, e ninguém sofre de fome e pobreza. A visão de um mundo onde os recursos e bens materiais são compartilhados e todas as pessoas podem desfrutá--los. A visão de um mundo onde diversas nações, raças e culturas possam viver em tolerância e respeito mútuo. A visão de um mundo onde a paz está alicerçada na justiça, e a justiça é conduzida pelo amor. E dá-nos coragem e inspiração para construir este mundo, em Jesus, nosso Senhor. Amém.
(Em Tua graça. Livro de culto e orações da 9ª Assembleia do CMI, p. 17).
Confissão de fé – Indonésia
Creio em Deus, Pai de todos, que deu a terra a todos os povos e a todos ama sem distinção.
Creio em Jesus Cristo, que veio para nos dar coragem, para nos curar do pecado e libertar de toda opressão.
Creio no Espírito Santo, Deus vivo que está entre nós e age em todo homem e mulher de boa vontade.
Creio na Igreja, posta como um farol para todas as nações e guiada pelo Espírito Santo a servir os povos.
Creio nos direitos humanos, na solidariedade entre os povos, na força da não violência.
Creio que todos os homens e mulheres são igualmente humanos.
Creio que só existe um direito igual para todos os seres humanos, e que eu não sou livre enquanto uma pessoa permanecer escrava.
Creio na beleza, na simplicidade, no amor que abre os braços a todos e na paz sobre a terra. Amém.
Bibliografia
MALSCHITZKY, H. Auxílios Homiléticos sobre Lucas 1.46-55. In: Proclamar Libertação. São Leopoldo: Sinodal; EST, 1979. v. V.
MORRIS, Leon L. Lucas: introdução e comentário. São Paulo: Edições Vida, 1986.
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