Prédica: João 20.1-9 (10-18)
Leituras: Atos 10.34-43 e Colossenses 3.1-4 Coríntios 15.1-11
Autor: Nélio Schneider
Data Litúrgica: Domingo da Páscoa
Data da Pregação: 11/4/1993
Proclamar Libertação - Volume: XVIII
Eis o meu segredo.
É muito simples: só se vê bem com o coração.
O essencial é invisível para os olhos.
Antoine de Saint-Exupéry
1. Introdução
Mais uma vez, nossa peregrinação litúrgica anual nos traz até diante do túmu¬lo vazio de Jesus Cristo. Mais uma vez, comparecemos como comunidade cristã perante o segredo da renovação da vida, segredo este que não podemos ver com nossos olhos nem tocar com nossas mãos. Aí o entendimento busca a ajuda do coração para poder ver o essencial. Buscamos alento na fé, que nos vem pela palavra de testemunhas fiéis daqueles tempos idos. A mensagem da esperança nos foi legada por mulheres e homens que tiveram o privilégio de acompanhar nosso Senhor em suas andanças pela Palestina, presenciaram seu sofrimento e morte, puderam ainda ter comunhão com ele depois de ter voltado à vida. Mas, embora não tenhamos mais estes privilégios todos, queremos sair do culto da Páscoa consolados pelo evangelista João: Felizes os que creram, mesmo sem ver! (20.29) Cremos numa mensagem de vida e de paz, trazida para e oculta dentro de um mundo de conflito e morte. A pequena luz da fé na ressurreição de Cristo brilha na escuridão do túmulo vazio, como a luz da esperança no fim do túnel da incerteza. Nós, comunidade cristã reunida em culto, sabemos o que Pedro proclamou aos seus ouvintes em Atos 10.34-43 (texto complementar): Pelo batismo de Jesus por João, Deus derramou o seu Espírito Santo sobre Jesus, homem da periferia, de Nazaré, interior da Palestina; com isto, conferiu-lhe poder para fazer o bem e libertar todos os que estavam cativos pelo mal. E aí estamos diante do primeiro fato inusitado: Apesar de Jesus ter feito e ensinado a fazer o bem, ele foi morto por crucifixão pelas autoridades judaicas e romanas. Pareceu que o bem não tem futuro, que o amor e a justiça são sonhos idealistas. Então nos deparamos com o segundo fato inusitado: Porém, Deus o ressuscitou no terceiro dia e também fez com que ele aparecesse a nós... Nós comemos e bebemos com ele depois que Deus o ressuscitou. Ele nos mandou anunciar ao povo a Boa-Notícia e dizer que Deus o pôs como Juiz dos vivos e dos mortos. Todos os profetas falaram a respeito de Jesus, dizendo que os que crêem nele recebem, por meio dele, o perdão dos pecados.
O pregador se encaminha para a prédica, a comunidade reunida se prepara para ela, conscientes do anúncio pascal do texto complementar de Atos 10.34-43.
2. Considerações exegéticas
Desta vez, somos convidados a refletir sobre o mistério da ressurreição de Jesus sob o impulso e a ênfase do evangelista João, o qual tem um jeito bem particular de abordar o tema.
No capítulo 20 do se evangelho, João nos descreve várias cenas distintas, que mostram a reação diferenciada de seguidores/as de Jesus ao anúncio de sua ressurreição:
Cena 1: Maria Madalena vai ao sepulcro e descobre que o corpo de Jesus não está mais lá; leva a notícia a Pedro e ao discípulo amado; estes correm ao túmulo, constatam a verdade do fato e crêem (vv. 1-10);
Cena 2: Jesus Cristo, aparecendo a Maria Madalena e falando com ela, a leva à fé (vv. 11-18);
Cena 3: Jesus aparece aos discípulos reunidos, dá-lhes o Espírito Santo e os envia (vv. 19-23);
Cena 4: Tomé, ausente na cena anterior, duvida dos fatos relatados pelos seus companheiros; Jesus, aparecendo a ele e deixando-se tocar por ele, o leva à f é e ao testemunho (vv. 24-29).
Esta sequência de cenas culmina na afirmação: Feliz quem creu, mesmo sem ver (29b). Este ponto característico do evangelista João quer ser destacado ao considerarmos o texto da prédica: 20.1-10.
Como é um texto de cunho narrativo, não oferece maiores dificuldades exegéticas. É um texto para ser narrado também na prédica. A narração do capítulo 19 termina com o sepultamento de Jesus por José de Arimatéia e Nicodemos no túmulo novo, existente no próprio local da crucificação. Eles fizeram isto ainda antes do pôr-de-sol da sexta-feira.
O capítulo 20 nos transporta para o primeiro dia da semana, pulando o sábado. Maria Madalena, que havia assistido à crucificação (Jo 19.25), vai sozinha de madrugada, quando ainda está escuro, ao sepulcro e constata que a pedra que o fechava havia sido removida. Ela não chega mais perto para ver direito, antes corre até Simão Pedro e o outro discípulo, aquele a quem Jesus amava, e diz a eles o que inferiu do túmulo aberto: Tiraram o Senhor do túmulo e não sabemos onde o puseram! Com essas palavras Maria insinuou que o corpo de Jesus havia sido roubado (cp. Mt 28.11-15).
A cena seguinte nos mostra Pedro e o outro discípulo indo até o sepulcro (cp. com Jo 18.15ss.). Eles foram correndo, mas o outro discípulo correu mais rápido e chegou antes lá. Ele se inclinou e viu as vestes que Jesus usara deitadas no seu lugar, mas não entrou no túmulo. Aí chegou Pedro e, aproveitando o embalo da corrida, entrou. Esta corrida entre Pedro e o discípulo amado, que não é outro senão João, não tem o sentido de dar a primazia a algum deles, mas colocar ambos em evidên-cia. A literatura joanina representa um setor do cristianismo primitivo, no qual João era tão ou mais valorizado que Pedro. As cenas em que Pedro e João aparecem juntos no Evangelho de João têm a finalidade de manter o apóstolo João em evidência ao lado de Pedro, talvez até com um des taque maior para João (ver Jo 13.23; 19.26s. ; 21.7,20ss.). Os dois são os primeiros a constatarem a ressurreição e crerem nela.
Importante é o que Pedro constata ao entrar no túmulo: as vestes que cobriam o corpo de Jesus estão deitadas no seu lugar e o pano que estivera sobre a sua cabeça está agora num lugar à parte e, importante, dobrado/enrolado. Isto significa que não houve roubo do corpo de Jesus. Está tudo em ordem. Não houve violência. Antes a cena dá a impressão de que Jesus levantou e saiu.
Depois disso, entra o outro discípulo no túmulo e dá um passo além de Pedro: o passo da fé. O evangelista João é sucinto: o outro discípulo viu o que Pedro viu e creu! O versículo seguinte explica no que ele creu: na ressurreição de Jesus. Não se sabe a que passagem da Escritura se refere o v. 9, o mesmo acontecendo com passagens semelhantes: Jo 2.22 e l Co 15.4. Mas a referência à ressurreição é clara. Pedro e João foram para casa crendo.
O evangelista João coloca Pedro e o discípulo amado em evidência como primeiras testemunhas do túmulo vazio e os primeiros, a crerem, mesmo sem ver ou tocar Jesus. Feliz quem creu, mesmo sem ver!.
(Também a pessoa de Maria Madalena é muito importante para João. Nos versículos 1-10, ela não tem papel de destaque, a não ser ganhar a menção de que ela é a primeira pessoa a ir até o túmulo na manhã da Páscoa. Mas ela interpreta errado o que viu. Porém a cena seguinte [vv. 11-18] dá-lhe destaque especial: Maria Madalena é a primeira pessoa a quem Jesus aparece depois de ressurreto. Ela é enviada aos discípulos para anunciar-lhes a ressurreição de Jesus. Quem quiser incluir esta cena na pregação deste domingo considere o auxílio elaborado por Edson Streck no PL VIII, pp. 166-72).
3. Meditação
Não há descrição da ressurreição. Ninguém testemunhou o fato mais revolucionário da história. Estamos diante de um mistério. Algo aconteceu, é verdade. Olhando de longe, como Maria Madalena, podemos chegar a acreditar em boatos: Os discípulos vieram de noite e levaram o corpo de Jesus (Mt 28.13). Boatos geram incerteza, medo e tristeza.
Temos que chegar mais perto. Como comunidade cristã, temos de correr a corrida da fé, em busca da fé e da esperança. Como Pedro e o discípulo amado, corremos em velocidades diferentes. Nossas forças não são iguais; uns conhecem atalhos que outros ignoram. Mas corremos. Buscamos a presença de Jesus Cristo. Este é o nosso objetivo. Buscamos o corpo de Jesus. A corrida da fé em busca da fé nos leva a todos diante do túmulo vazio e escuro. De fora vemos que o corpo de Jesus não está mais ali onde pensávamos encontrá-lo. Inacreditável! Será que estamos vendo certo? Temos que verificar mais de perto ainda. Temos de entrar no túmulo vazio e escuro, temos de passar por ele. Temos de passar com Cristo pela morte (Jo 12.24; Mc 8.34-35). Somente dentro do túmulo se abrirão os nossos olhos: no escuro do túmulo vazio, na ausência do corpo de Cristo, veremos, qual luz no fim do túnel, o brilho da ressurreição. O que fora estava oculto aos nossos sentidos, dentro se evidencia aos olhos da fé. Deus o ressuscitou no terceiro dia!. Crê somente!
Aos nossos sentidos se revela a realidade marcada pela morte em nosso tempo: no rosto dos desempregados, marcados pelo medo e pela incerteza; no rosto de crianças famintas de pão e de carinho; no rosto das moças que vendem sua vida por alguns trocados; no rosto de pessoas corruptas e gananciosas, que não hesitam em usar outros para seu próprio benefício; nas cicatrizes expostas da natureza depredada. Temos que passar pelo vale escuro, pelo túmulo vazio e olhar para além da nossa realidade.
Aos olhos da fé é revelada a possibilidade e a realidade de uma vida renovada, de um mundo renovado integralmente. Como Pedro e o outro discípulo, nós vamos para casa crendo. Saímos do túmulo repletos de fé e esperança. Saímos renova dos. Fomos do túmulo à procura do corpo de Jesus e saímos de lá como corpo de Cristo. Nós somos o corpo que sumiu. Pela fé nos foi revelado que nossa única esperança está além do túmulo. Passamos por ele. Morremos com Cristo. Saímos dele. Fomos ressuscitados juntamente com Cristo e elevados acima da morte (Cl 3.1-4). Nosso corpo já não se presta para servir à morte, mas à libertação de todas as for-mas de morte e sofrimento.
Ocorreu um redirecionamento de nossa existência no mundo. Buscamos os valores que estão além e acima da morte. Não mais violência, corrupção, mentira, falta de dignidade, exploração, mas amor, fé, esperança, bondade, alegria. Sem ver a plenitude e a glória da ressurreição, sabemos que nossa vida está guardada em Deus e cremos na palavra dos apóstolos. Nossa vida não é a glória, mas reflexo da mesma. Para o nosso tempo somos luzes no fim do túnel, que indicam para o sol da ressurreição e da vida renovada, que é Jesus Cristo.
Ao sairmos daqui, o que temos a fazer? Através de nossa maneira de viver vamos explicar, tornar presença, tornar corpo, tornar palpável, vivenciável a nova realidade da ressurreição, para que mais gente se sinta animada a dar o passo de fé para além do túmulo.
4. Impulsos para a prédica e celebração
1. Então Bartimeu jogou a capa, levantou-se depressa e foi até Jesus.
— O que é que você quer que eu faça? — perguntou Jesus.
— Mestre! Eu quero ver outra vez! — respondeu ele.
— Vá, você está curado porque teve fé — afirmou Jesus.
Marcos 10.50-52
2. Oração: Senhor Deus, tiraste o poder da morte pela ressurreição de Jesus Cristo, teu filho, e queres que divulguemos isto pelo mundo com nossas palavras e nossa vida. Abre nossos olhos cegos e ofuscados, ilumina nosso entendimento que busca provas. Faze-nos olhar para além do túmulo vazio. Que nossos ouvidos e nosso coração percebam o que nossos olhos não podem mais ver e nossas mãos não podem mais tocar. Ajuda-nos a vencer a nossa pouca fé e nossas dúvidas e incertezas. Queremos nos alegrar com o evangelho da esperança. Amém.
3. A borboleta
que não rompeu o casulo
escapou de cair e morrer;
mas perdeu também
o mel, o vento e o voo.
Por isso —
quem nunca acordou
nunca irá dormir.
Paulo Suess
4. Assim como a árvore está oculta na semente,
assim como o pássaro está oculto no ovo,
assim como a criança está oculta no útero materno,
assim está oculto neste mundo o reino de Deus.
Um dia
se romperá a casca da semente,
se partirá a casca do ovo,
gritará a mãe nas dores de parto:
vida nova está nascendo!
Será a dor do mundo,
a dor da mãe que está dando à luz?
Johnson Gnanabaranam
5. Salmo 146