Prédica: João 12.20-33
Leituras: Jeremias 31.31-34 e Hebreus 5.7-9
Autor: Acyr Raymann
Data Litúrgica: 5º. Domingo da Quaresma
Data da Pregação: 02/04/2006
Proclamar Libertação - Volume: XXXI
1. As leituras do dia
1.1 – Jeremias 31.31-34
O texto fala sobre os dias em que o Senhor firmará (não criará) uma “nova aliança” com seu povo. Essa é a única vez em que aparece essa expressão no Antigo Testamento. “Novo” no Antigo Testamento não significa de outra natureza ou essência, como muitas vezes entendemos. Não significa que o “antigo” foi descartado para dar lugar ao “novo”. Na verdade, “novo” tem a ver com cumprimento, plenitude. Assim, o Novo Testamento não é novo; é a continuidade, o cumprimento do Antigo Testamento. Temos coisas do NT no AT e coisas do AT no NT. Em ambos os Testamentos, a graça e a salvação de Deus para com seu povo são o centro das narrativas. Embora se prefira “testamento” a “aliança” (especialmente no contexto luterano), os termos são sinônimos. Nesse sentido, “aliança” é equivalente a “promessa”, “juramento”, “bênção”. Claro, Israel entendeu mal a aliança de Deus, asso- ciando-se a outras alianças. Contudo, o Senhor quer reparar essa situação e promete “firmar” o que o povo “anulou”. Na “nova aliança” está a promessa de Deus de que seu povo o conhecerá com exclusividade: “Eu serei o seu Deus, e eles serão o meu povo.” Porque “perdoarei as suas iniquidades e dos seus pecados jamais me lembrarei”.
1.2 – Hebreus 5.7-9
Esse texto mostra que a agonia de Cristo é de uma dimensão sem precedentes. Cristo não reluta diante do sofrimento e morte, mas reluta diante da agonia que é carregar a culpa da humanidade sobre si. Embora tenha suplicado ao Pai que o cálice do sofrimento fosse tirado dele, não vacilou em cumprir a vontade de Deus. Na verdade, sua súplica foi atendida pelo Pai, que o salvou da morte – pela ressurreição. Cristo aprendeu a obediência, ou seja, apreendeu, incorporou o que não era seu. Não que fosse desobediente, mas porque experimentou um sofrimento que jamais vivenciara. Jesus é o autor da salvação de todos.
2. Contexto e texto de João 12.20-33
O episódio do nosso texto acontece cinco dias antes da festa da Páscoa (cf. 12.1; 12.12). Embora o fato mencionado no texto ocorra depois da entra- da triunfal de Jesus em Jerusalém, essa perícope é escolhida para o domingo de hoje como um prelúdio aos eventos da Semana Santa. Vários momentos marcantes têm ocorrido ultimamente, em especial que Jesus havia ressuscitado Lázaro. Esse milagre, por um lado, atrai multidões fascinadas (12.18) e, por outro, suscita a ira dos principais sacerdotes e fariseus que o procuram prender e matar (11.53,57). Nesse momento, contudo, esses lutavam contra a maré porque reconheciam que “aí vai o mundo após ele” (12.19). Os fariseus, sem o saber, são profetas. A chegada dos gregos confirma as suas palavras. Tais gregos querem ver Jesus. Onde ele está? Qual a sua aparência? Onde pode ser encontrado?
Os vv. 20 e 21 apenas nos falam de “gregos”. Nada mais sabemos sobre eles. Quem sabe chegaram a ouvir de Jesus pela leitura da Septuaginta. Na época, havia pouca evidência de que o Cristo seria também para eles, que eram gentios. Os zelotes, por exemplo, bem como os discípulos do rabino Shamai afirmavam que o Messias vinha para salvar o povo de Israel, não os estrangeiros.
O v. 22 diz que Filipe e André são de Betsaida, cidade da província de Ituréia, onde boa parte dos habitantes são gregos e gentios. Por serem os únicos dos discípulos que têm nomes gregos, eles, por certo, devem falar grego.
Os vv. 23 e 24 falam da glorificação de Jesus. Mas sua glorificação passa pelo antagonismo de sua morte. Não há glória para Cristo sem a passagem por seu sofrimento, morte e ressurreição. O exemplo desse processo está no grão de trigo. Sem a sua morte não há como surgir a vida.
Seguir a Jesus, no v. 26, é segui-lo na sua morte; é seguir o caminho da cruz; é sofrer por causa do nome de Cristo. A vida dos seguidores de Jesus (e os gregos devem também saber) não é fácil. O próprio Jesus angustiou-se diante da morte, como se vê nos vv. 27 e 28 e no texto de Hebreus 5.7-9.
O levantamento de Cristo na cruz pode ser visto como decepção para muitos que gostariam de ter um Messias que viesse para ser servido, não para servir. Os gregos vieram para ver Jesus, mas todos ao redor ouviram a voz de Deus. Jesus explica por que ouviram a voz: “Agora” é o momento da glorificação do Filho; “agora” é o momento de o mundo ser julgado; “agora” o príncipe do mundo será expulso. Na cruz, Satanás sucumbe e Cristo é exaltado – e atrai todos, judeus e gentios, para junto de si (v. 32).
3. Sugestões de aplicação homilética
3.1 – Há dois anos, apareceu no jornal e na televisão o que seria uma nova imagem de Jesus diferente do que ocupa o imaginário de bilhões de cristãos em todo o mundo. A nova imagem foi criada em computador por cientistas europeus a partir do crânio de um homem que viveu perto de Jerusalém há cerca de 2.000 anos. O resultado foi um Cristo de pele morena, cabelos crespos, nariz grande, olhos arregalados. A imagem causou impacto, polêmica e, para a maioria, desagrado. Esses gregos eram estrangeiros e vêm para ver Jesus. Os gregos dirigem-se a Filipe; Filipe atrapalha-se e vai falar com André, que também não sabe o que fazer. Resultado: ambos decidem consultar Jesus. E o que Jesus faz é dar um discurso sobre agricultura: “Se o grão de trigo, caindo na terra, não morrer, diz Jesus, fica ele só; mas, se morrer, produz muito fruto”. O que Jesus queria dizer com essas palavras? Num discurso anterior, Jesus afirmara que ele era o pão da vida, que desce do céu para dar vida à humanidade. A figura do pão indica que a sua vida haveria primeiro de ser sacrificada antes de poder dar-se aos outros. Aqui Jesus muda a figura e diz ser a semente de trigo que precisa primeiro ser semeada e morrer para que haja colheita de trigo e a provisão de pão.
3.2 – Ver Jesus só pode acontecer por meio de sua morte e ressurreição. Naquele pedido dos gregos, Jesus vê a sua obra como o Messias chegando a seu ponto climático. Em Is 53, Deus, o Pai, lhe prometera: “Quando der ele a si mesmo como oferta pelo pecado, então verá a sua semente, a sua posteridade”. Tal episódio vai acontecer em menos de uma semana. Antes da sexta-feira santa e da Páscoa, a mensagem de Jesus não deveria ser levada oficialmente ao mundo pagão para que eles não tivessem uma imagem parcial e distorcida de Jesus e sua obra. A obra do Messias não se caracteriza apenas por sinais, milagres, curas. Fosse assim, ele seria um guru, professor, curandeiro ou bom moralista que ensina a viver bem. Não será essa a visão que nós mesmos temos de Cristo por vezes? Sua obra, entretanto, caracteriza-se por seu sacrifício voluntário, por sua morte e ressurreição. Para enfatizar esse aspecto, Jesus fala de sua morte. Ele diz: “É chegada a hora de o Filho do Homem ser glorificado”. Jesus fala de sua morte não como um fim, como derrota, mas como vitória, glorificação.
3.3 – O projeto da salvação de Deus é como a história da semente de trigo. Não há fruto sem morte e ressurreição. Se não for sepultado, permanece isolado e fenece como qualquer semente, tornando-se improdutiva. Morte é o único meio pelo qual vem a vida e vida em abundância. Longe da cruz não há colheita espiritual; longe da cruz a missão de Deus não acontece. A morte de Cristo na cruz e sua ressurreição é o prelúdio para a missão no mundo. Os gregos faziam parte da multidão que viera a Jerusalém para adorar por ocasião da Páscoa que se aproximava. Seria a primeira vez que vinham? A verdade é que eles não podiam ver Jesus nem ouvi-lo falar no templo de Herodes. No Museu Nacional de Jerusalém preserva-se um fragmento de pedra em que há a inscrição proibindo a entrada de gentios naquele templo sob pena de morte. Por isso ficavam do lado de fora, no pátio dos gentios, sem poder participar da festa da Páscoa. Agora procuram Jesus fora do templo. E a ocasião parece ser um dia depois da entrada triunfal de Jesus em Jerusalém, onde foi saudado pelas multidões que estavam extasiadas por ter Jesus ressuscitado Lázaro. Os gregos querem ver Jesus? Por quê?
3.4 – Querer ver Jesus significa segui-lo. Seguir Jesus talvez não pareça tão difícil. Seguir Jesus é aparentemente mais fácil do que tentar os inúmeros caminhos e opções religiosas propostas pelos homens. Seguir Jesus parece mais fácil, mas é um caminho que leva à cruz. Se alguém me serve, diz ele no texto, siga-me. E o caminho que Ele segue é o caminho da cruz.
3.5 – Por que os gregos se dirigiram a Filipe pedindo: Senhor, queremos ver Jesus? Por que algumas pessoas perguntam a você algo semelhante? Porque de alguma forma você se torna parecido com Cristo. O apóstolo Paulo em 2 Co 4.10 diz: “Levamos sempre nos nossos corpos mortais a mor- te de Jesus para que também se veja a vida dele nos nossos próprios corpos”. Em outro lugar ele diz como Deus nos destinou para ser conforme à imagem de seu Filho, assim que somos transformados em sua semelhança mais e mais, dia após dia. É isso o que aconteceu em nosso Batismo. É por isso que Lutero diz que nós, cristãos, parecemos e somos pequenos Cristos para as outras pessoas.
3.6 – Os gregos viram Jesus? Três ou quatro dias depois, Jesus foi crucificado. E aqueles gregos certamente puderam ler em sua própria língua a inscrição sobre a cruz de Jesus de que ele era rei. E no dia de Pentecostes, 50 dias após a Páscoa, lá certamente estavam esses gregos, ouvindo de novo na sua própria língua o apóstolo pregar: que esse Jesus, que foi crucificado, Deus o ressuscitou e o fez Senhor e Cristo e aquele que invocar o seu nome será salvo.
Bibliografia
BLANK, Rodolfo. Juan: un Comentario Teológico y Pastoral al Cuarto Evangelio. St. Louis: Editorial Concordia, 1999.
MORRIS, Leon. Jesus is the Christ: Studies in the Theology of John. Grand Rapids: William B.
Eerdmans Publishing Company, 1989.
RIDDERBOS, Herman N. The Gospel of John. Trad. John Vriend. Grand Rapids: William B.
Eerdmans, 1997.