Prédica: JOÃO 12.20-33
Leituras: JEREMIAS 31.31-34; HEBREUS 5.5-10
Autor: Ulrico Sperb
Data Litúrgica: 5º Domingo na Quaresma
Data da Pregação: 29/03/2009
Proclamar Libertação – Volume: XXXIII
1. Introdução
A leitura do Antigo Testamento fala da nova aliança (“eu serei o seu Deus, e eles serão o meu povo”) e do perdão. A leitura de epístola diz que Cristo se tornou o sumo sacerdote através da obediência e do sofrimento. Melquisedeque é o primeiro sacerdote mencionado na Bíblia (Gn 14.18), ou seja, “ordem de Melquisedeque” significa “sacerdote desde o início”.
Observação: Não recomendo o uso da versão Nova Tradução na Linguagem de Hoje. Motivo: No v. 22, os gregos são somente descritos como não-judeus. O conteúdo do v. 25 é completamente suavizado: em vez de “odiar a vida” é dito “não se apegar à vida”.
A perícope prevista para a pregação pode ser explicada numa determinada seqüência, que é exposta a seguir.
2. Análise do texto
Os gregos (v. 20-22)
São gregos mesmo, ou seja, não são judeus gregos (judeus na diáspora, residentes na Grécia e em visita a Jerusalém). Eles se dirigem ao discípulo de nome grego (Filipe), o qual envolve outro de nome grego (André), e ambos intercedem junto a Jesus.
O momento certo (v. 23)
O encontro com os gregos é a hora certa para expressar o caráter mundial do evento salvífico de Cristo. Jesus inicia uma pregação. O termo “respondeu-lhes” certamente não indica somente os dois discípulos ou somente os gregos que saem de cena, uma vez que o v. 29 fala de uma multidão presente.
Em textos anteriores é acentuado que sua hora ainda não chegara (Jo 2.4; 7.6; 7.30; 8.20; 10.39). Agora Jesus diz que sua hora chegou: a hora da glorificação do Filho do Homem.
O grão de trigo (v. 24)
A introdução a esse assunto acontece com a parábola do grão de trigo: para a sua glorificação será necessária a passagem pela morte.
Enquanto escrevia esta preparação para o culto do 5º Domingo na Quaresma, apareceu a seguinte notícia na Internet:
Semente de 2 mil anos germina e vira planta
Uma semente com cerca de 2 mil anos, encontrada no deserto da Judéia, foi plantada por cientistas israelenses e germinou, segundo artigo publicado na revista especializada Science nesta sexta-feira. Isso a tornaria a semente mais antiga do mundo a germinar de que se tem conhecimento.
A semente de tâmara foi encontrada em escavações em 1963, na antiga fortaleza do rei Herodes, em Masada, perto do Mar Morto. Na ocasião, os cientistas encontraram um grupo de sementes, que mantiveram em uma sala em temperatura ambiente com a intenção de estudá-las mais a fundo. Há 2 mil anos, as frutas eram o principal produto de exportação da região hoje ocupada por Israel. Mas séculos de guerras, invasões e secas prejudicaram o cultivo das tâmaras, e já na época das Cruzadas, há 800 anos, as vastas florestas de tamareiras da região haviam desaparecido.
Recentemente botânicos, agrônomos e biólogos analisaram as sementes e decidiram plantar algumas. Já houve várias experiências em que sementes “antigas” germinaram, afirma a Science, mas poucas conseguiram verificar a idade das sementes de maneira cientificamente aceitável. A equipe usou o processo de datação radiativa por carbono para determinar a idade de duas das sementes, que teriam entre 2.110 e 1.995 anos. Como o processo danifica as sementes, os cientistas plantaram uma terceira semente. Essa germinou depois de oito semanas, transformando-se numa planta semelhante às atuais tamareiras.
Depois de permitir que a planta – apelidada de Matusalém em homenagem ao personagem mais velho da Bíblia – crescesse por 15 meses, os cientistas a transferiram para um vaso maior e recolheram vestígios da semente das raízes, para realizar o processo de datação, que comprovou as suspeitas dos cientistas de que ela tem cerca de 2 mil anos.
Guy Eisner/Cortesia da Science/Divulgação
A dialética da vida (v. 25)
Amar a vida = perdê-la e odiar a vida = vida eterna. Parece contraditório, porém a chave está no termo “mundo” (em grego “cosmo”). Trata-se, portanto, da vida “mundana”. Note-se que o termo grego para “amar” é “filia” e não “agape”. Amar a vida do mundo significa ser escravo do príncipe do mundo (vide v. 31). No mundo valem regras que prejudicam e até destroem a vida. Por isso: amar esse tipo de vida equivale a trilhar o caminho da morte. Odiar, abominar a vida do mundo, significa optar pela vida “em abundância” com Jesus (Jo 10.10). Em Mateus 10.39, Jesus diz algo semelhante.
Ser servo de Cristo (v. 26)
O contrário de “odiar a vida no mundo” é “servir a Cristo”, ou seja, deixar de ser escravo do mundo para se tornar servo de Jesus. Nisso reside a honra perante Deus. Quem é discípulo de Cristo deve estar disposto a assumir o papel do grão de trigo.
Jesus angustiado (v. 27)
Martim Lutero disse: “Não podemos nos imaginar Jesus Cristo suficientemente humano”. Nesse versículo, o lado bem humano de Jesus aparece e ele expressa a angústia pelo que está por vir. Jesus externa publicamente e com muita sinceridade a dificuldade que tem em seguir o caminho para o qual veio a este mundo. Deixa claro, porém, que pedir a Deus para livrá-lo do calvário seria o mesmo que errar o sentido de sua vida.
A glorificação (v. 28-30)
Note-se que Jesus fala da glorificação do nome do Pai celeste e não de si mesmo, como fez no v. 23. Sua obediência deverá conduzir à glorificação do Pai. E vem uma resposta do céu, que é interpretada como trovão ou voz de anjo. Jesus confirma que é uma voz e que essa veio em função das pessoas presentes. O judaísmo da época de Jesus tinha consciência de que Deus já não falava com o ser humano, como fazia no tempo do profetismo bíblico, extinto há séculos. Nos quatro evangelhos, são narradas várias cenas em que vem uma voz do céu, ou seja, com Jesus Deus volta a falar diretamente com o ser humano (Mt 3.17; 17.5 e paralelos).
O julgamento do mundo (v. 31)
Temos que compreender a magnitude desse versículo: Jesus diz literalmente que esse é o momento histórico do mundo, para o qual haverá um antes e um depois. Esse é o vértice da história. Antes havia o “príncipe do mundo”; depois ele terá sido expulso. O julgamento em questão é sobre o domínio do mal. Depois desse momento, o mal já não terá poder. O que aparentará ser a vitória do mal – a crucificação e morte de Jesus – será, na verdade, a derrota do príncipe deste mundo.
O anúncio da crucificação (v. 32-33)
Jesus está falando de sua crucificação, a qual significará a glorificação e o início de uma nova história para a humanidade. O termo “todos” remete ao início da perícope: o evento da salvação tem caráter mundial. O próprio evangelista interpreta o “ser levantado da terra” como sendo a crucificação de Jesus.
3. Pregação sobre o texto
O 5° Domingo na Quaresma também é chamado de Judica – o que significa: “Faze-me justiça, ó Deus” (do Salmo 43.1). A perícope nos diz que Jesus anuncia que é chegada a hora do julgamento do mundo. A justiça será feita por Deus. O mal no mundo será condenado; mais ainda, será expulso (v. 31). As pessoas não precisam mais estar sob o domínio do mal e das trevas (Jo 1.5; 3.19 e, em especial: 3.16 e 17).
O “príncipe do mundo” foi expulso mesmo? Sim! Onde Jesus Cristo reina, o mal não tem espaço. Ao mesmo tempo, porém, constata-se que ainda hoje muitas pessoas se deixam dominar pela maldade. Muitas situações diabólicas destroem a vida. Um exemplo: até hoje ninguém apontou a maior causa da fome no mundo, apesar de discursos grandiloqüentes na Organização das Nações Unidas (ONU) por parte de certos presidentes. A corrupção é uma das armas mais poderosas do príncipe do mundo. Governantes corruptos são verdadeiros diabos – réus da morte de multidões. Se for superada a corrupção no mundo, em curto prazo será superada a fome.
Jesus está a caminho do calvário, da crucificação. Sua obediência ao Pai celeste, apesar de ser muito sofrida e angustiante, resultará na glorificação (vitória total) de Deus e, conseqüentemente, do próprio Filho de Deus.
É tempo de Quaresma e, portanto, a hora certa de deixar envolver-se pelos fatos que produziram a salvação (os eventos salvíficos). É chegada a hora de anunciar que a glorificação do Filho do homem (v. 23), na verdade, é idêntica à salvação do ser humano. A opção preferencial pela vida com Cristo é a grande proposta – a alternativa ao desespero diante do reino do mal (mundano).
Quando Jesus fala do exemplo da semente de trigo, explica de maneira compreensível, mas também carinhosa, o caminho para a salvação do mundo: É preciso ser enterrado para que a verdadeira vida possa surgir, ou melhor, ressurgir. O fato acima relatado sobre a semente de tamareira da época de Jesus, que germinou após dois mil anos, ilustra a parábola da semente enterrada de Jesus Cristo: há um poder dentro da semente que impressiona. Ela irrompe dentro de um espaço (nutriente), ocupa um espaço bem maior e produz frutos muito necessários para a vida. Além disso, ela não está limitada ao tempo, normal e excepcionalmente. A semente não tem limitação de tempo e espaço – a salvação por Jesus Cristo idem.
Jesus diz que “chegou o momento de ser julgado este mundo”. O evangelista João expressa nessa frase simples a enorme importância do que está acontecendo. É o momento mais importante da história da humanidade. As pessoas que estão no culto devem ser conscientizadas desse fato. Aqui está o centro da vida. Assim como a Terra gravita em torno do Sol, a nossa vida gravita em torno da cruz de Cristo.
4. Propostas litúrgicas
Confissão de pecados:
Nosso querido Deus e Pai, neste tempo da Quaresma somos lembrados do árduo caminho que Jesus Cristo percorreu até o Calvário. Sabemos que isso aconteceu para a nossa salvação, libertação do mal e perdão de nosso jeito errado de ser. Mesmo assim, também hoje temos que confessar que saber não é o mesmo que fazer. Continuamos a cometer pecados e, por isso, suplicamos pelo perdão através de teu amado Filho Jesus Cristo, nosso Salvador. Amém.
Oração do dia – oração de coleta:
Pai celeste, nós te pedimos agora que nos concedas o teu Santo Espírito, para que corações e mentes, lábios e ouvidos estejam abertos e atentos à tua Palavra. Glorificamos o teu nome e teu Filho, pois a tua glória significa a nossa salvação. Isso provém de teu imenso amor por nós. Muito obrigado, Senhor! Amém.
Oração de intercessão:
Bondoso Deus, querido Pai! O teu imenso amor por nós passou pela dura prova da morte de Jesus Cristo. Não nos deixes esquecer isso! Colocamos sob teus cuidados todas as pessoas que amamos, nossa comunidade, nosso sínodo e nossa igreja. Suplicamos por nosso povo e nossa pátria. Dirige com o teu Santo Espírito todas as autoridades para que cumpram o seu dever de maneira correta, honesta e transparente. Pedimos por tua paz a este mundo conturbado. Com os corações agradecidos e esperançosos dirigimonos a ti com a oração que teu Filho, nosso Salvador, nos ensinou: Pai nosso...
Bibliografia
STRATHMANN, Hermann. Das Evangelium nach Johannes, in: Das Neue Testament Deutsch. 10. ed. Göttingen: Vandenhoeck & Ruprecht, 1963.