Auxílios Homiléticos - Proclamar Libertação



ID: 2911

Colossenses 1.11-20

Auxílio Homilético

24/11/2019

 

Prédica: Colossenses 1.11-20
Leituras: Lucas 23.33-43 e Jeremias 23.1-6
Autoria: Marcos Antonio Rodrigues
Data Litúrgica: Domingo Cristo Rei
Data da Pregação: 24 de novembro de 2019
Proclamar Libertação - Volume: XLIII

O Rei na cruz!

1. Introdução

A celebração de Cristo Rei é recente na tradição litúrgica. Ela surge no início do século XX, instituída pelo papa Pio XI. Embora muito questionada na liturgia latino-americana, ela foi incluída no calendário litúrgico ecumênico. Ela nos diz que é importante reconhecer Jesus como rei, cujo reino não é deste mundo. Um rei que, ao contrário daqueles que conhecemos, é sábio, justo e honesto com sua gente, que ajunta e não divide as pessoas em classes ou ideologias, que traz paz e segurança ao seu povo (Jr 23.1-6).

Reconhecer em Jesus o Rei soberano de toda a criação pode ser libertador diante das tensões, ansiedades e culpas que as últimas semanas do ano trazem consigo. Objetivos não alcançados, promessas não cumpridas, desejos não realizados e necessidades não supridas vêm à tona nesses dias. Reconhecer e sentir que do Rei na cruz vem o perdão, a força e a paciência de que tanto precisamos para enfrentar os tempos difíceis é estar ligado a um reino que transcende este mundo, que une céu e terra (Cl 1.11-20).

Na crucificação, encontramos uma referência importante sobre seu jeito de reinar. Na cruz está escrito: Jesus de Nazaré, o Rei dos Judeus. Seu trono é a cruz! A seu lado estão pecadores. A seus pés, soldados roubam suas vestes, e líderes do povo zombam de sua impotência. Seu discurso final afirma um amor que vence as inconsciências e contradições de nossa frágil humanidade, através do perdão e da certeza de que no seu reino há lugar também para pecadores (Lc 23.33-43).

2. Exegese

Reflexões, material homilético e trabalhos exegéticos importantes sobre Colossenses 1.11-20 foram apresentados em duas edições anteriores do Proclamar Libertação, nos volumes 23 e 37, ambos direcionados à celebração do Domingo de Cristo Rei. Sugerimos a leitura dos mesmos, dada a riqueza e assertividade de suas colaborações.

Embora conhecida como Epístola aos Colossenses, sua mensagem foi difundida e destinada às comunidades cristãs em Laodiceia, Hierápolis e Éfeso. Apesar de ter sido atribuída ao apóstolo Paulo e seu amigo Timóteo, há muita diversidade e controvérsia a respeito de seus possíveis autores, data e local. As opiniões variam de Éfeso até Roma, e do ano 54 até 70 d.C. Na atualidade, muitos exegetas aceitam a existência de um núcleo paulino, acrescido de contribuições posteriores. Essas conclusões estão fundamentadas em estudos linguísticos e estatísticos. Soma-se a isso o fato de que nela se destacam formulações teológicas que não são comuns nos escritos de Paulo no tocante à cristologia e escatologia cósmica.

Por um lado, a extensão em espaço e tempo encontrada no estudo exegético desta carta valida sua importância, relevância e utilização na vida das comunidades cristãs a partir da segunda metade do primeiro século. Por outro lado, não se pode afirmar com convicção se essa mensagem foi escrita a uma ou várias mãos. Isso atesta a atualidade e contundência de seus temas na definição da fé vivida pelas primeiras comunidades cristãs.

Nosso texto é parte do discurso introdutório da carta (1.1-23). Quatro momentos importantes compõem esse bloco:

a) saudação (1.1-2);
b) oração em favor dos cristãos e cristãs (1.3-14);
c) hino cristológico (1.15-20);
d) o perdão na cruz que aproxima e incorpora a comunidade ao povo de Deus (1.21-23).

Nosso texto é, portanto, composto em parte pelo bloco que chamamos de oração em favor dos cristãos e cristãs (v. 11-14) e pelo bloco denominado de hino cristológico (v. 15-20).

Essa compreensão da estrutura na qual nosso texto está inserido e de sua composição nos parece importante. Ela revela os elementos que emolduram e compõem o texto. Os blocos a e d constituem a moldura do quadro. Eles valorizam, realçam e dão sentido ao conteúdo. Saudações identificam e aproximam pessoas. Atestam sua origem e qualificam o encontro. A certeza da amizade de Deus e do perdão, que confere cidadania no reino personificado em Jesus, compõe o limite último desse discurso que visa fortalecer e apascentar a comunidade conturbada com ideias e posturas teológicas que terminavam por confundir e afastar as pessoas da realidade amorosa do Deus, Pai de Jesus Cristo. No seu interior fica guardada a imagem principal: blocos b e c. Orações revelam gratidão, necessidades e intenções profundas que transcendem a capacidade das pessoas de realizar por si mesmas as esperanças que acompanham seu momento de vida. O hino cristológico é a confissão de fé na divindade de Jesus e sua soberania sobre todos os poderes, espaços e tempos da existência humana e de toda a criação.

O mundo para o qual nosso texto foi escrito estava marcado pelo encontro entre a fé cristã e o mundo helenista. Algo inédito na história. O apóstolo Paulo e seus seguidores tiveram o primeiro e mais importante papel nesse diálogo. Não se tratava apenas de traduzir as categorias de pensamento religioso monoteísta, vindas do mundo judaico e rural da Galileia para o mundo helênico politeísta e urbano do Império Romano. A nova visão cristã afirmava a existência de um único e amoroso Deus, criador de tudo o que existe. Um Deus que era soberano cósmico não pela força de seus exércitos, mas por sua bondade, misericórdia e compaixão. Um Deus que enviou seu único filho para reestabelecer, através do perdão dos pecados, a amizade ferida entre ele, suas criaturas e toda a criação. A fé cristã afirma que não há mais gregos ou judeus, livres e escravos, homens ou mulheres. Em Cristo, a justiça e o amor de Deus alcançam a todos e todas de igual modo. Isso muda o mundo.

O pensamento religioso helenista naquela época estava marcado pela experiência do gnosticismo. Ele não era propriamente uma religião. Mas, em essência, afirmava a separação radical entre espírito e matéria, conferindo à matéria um valor negativo e ao espírito um valor positivo. Deus jamais poderia ser matéria, pois essa era má por princípio. Logo, Deus não poderia existir em forma humana, em Jesus. Deus, por ser bom, não poderia haver criado nada material, pois a matéria é má. A fé cristã afirma que este mundo foi criado a partir do amor de Deus e que os seres humanos são sua boa criação. Generosidade, bondade e amor expressos na cruz de Cristo envolvem cada criatura e toda a criação de Deus.

Esse encontro suscitou reações de aceitação e exclusão de ambos os lados, o que resultou em necessidades de explicação e fortalecimento das convicções cristãs diante do mundo urbanizado do Império Romano. Neste sentido, a estrutura que envolve e compõe nosso texto aclara a importância do encontro para as primeiras comunidades. Cristãos e cristãs precisam se apresentar diante do novo mundo (saudação); oram pelo fortalecimento mútuo diante de ameaças e agradecem a possibilidade da comunhão restauradora (oração); confessam diante de outras crenças sua fé no único Deus Criador e Pai de Jesus Cristo (hino cristológico); e se sentem confortados por saber que o perdão oferecido na cruz de Cristo restabelece a amizade perdida (perdão).

3. Meditação

Enquanto escrevo, a mídia traz à tona escândalos na igreja chilena por seu envolvimento com a ditadura militar. Ao mesmo tempo, no Brasil, igrejas, pastores e fiéis fazem apologia ao regime militar e alardeiam nas mídias sociais mensagens pedindo a volta da ditadura, do porte de armas e qualificam como doentes as pessoas homoafetivas. Tudo isso em tons de canário e oliva bastante agressivos e pautados ideologicamente pelo fascismo. Emissoras de TV apoiam um governo “ilegítimo”, cujo programa ameaça a soberania nacional, retira direitos de pessoas trabalhadoras e aposentadas, retira indígenas e pessoas negras das universidades e devolve grande parte da população brasileira a condições de pobreza.

O final do Ano Eclesiástico abre uma porta para a avaliação e outra para o planejamento. Por um lado, somos convidados a olhar para trás com a pergunta sobre como se deu esse reinado de Jesus em tudo o que vivemos e realizamos até aqui. O rei, cujo reino não é deste mundo, mas que é Senhor soberano sobre toda a criação em todos os tempos e lugares, nos questiona a respeito de nossa relação com os poderes e poderosos. A quem a igreja – com seu esforço, trabalho e missão – serviu ao longo do ano que está terminando? Antes, contudo, é necessário ter presente que o Rei na cruz nos alertou de que não basta dizer Senhor, Senhor!, é necessário um amor capaz de transformar a si mesmo e o mundo. É necessário reconhecê-lo como faminto, sedento, enfermo, despido, com fome e na prisão.

Essa pergunta pela soberania de Jesus na igreja precisa ser refletida com maior profundidade ainda. Não basta dirigir a questão da estrutura, lideranças, ministros/as ou a sociedade. Ela precisa ser respondida por cada um e cada uma de nós nos lugares de nosso viver diário. Quem reinou em nossa casa? Que autoridades e poderes governaram nosso casamento, nossa relação com nossos filhos, filhas, irmãos, irmãs, pais, colegas, amigos e amigas? Quem ou o que nos governou e dirigiu nossos pensamentos e atitudes? A soberania de Jesus em nossa vida precisa superar a ladainha do “Deus em primeiro lugar na minha vida!”. Essas palavras precisam se converter em atitudes, deixar de ser discursos vazios, sem relevância para nossas finanças, nosso relacionamento com as pessoas e a comunidade de fé.

Contudo, nossas respostas a essas perguntas precisam também ser restauradoras. É necessário reconhecer e valorizar os momentos da vida da igreja, onde de fato permitimos que Jesus fosse o rei soberano. Lembrar momentos em que a solidariedade e a compaixão nos tocaram e nos fizeram capazes de amar concretamente: quando oramos juntos por pessoas que precisavam de nossa comunhão; quando superamos preconceitos e nos aproximamos enquanto pecadores que somos para receber o perdão nos braços abertos de Jesus. Posicionamentos da igreja em favor das pessoas mais vulneráveis, ações solidárias, momentos de fé partilhados com o coração aberto. Retiros, cultos, grupos de oração e louvor, de visita a enlutados e a enfermos precisam ser celebrados. Eles revelam nossa fidelidade ao Rei na cruz. É importante lembrar os momentos em que nos sensibilizamos e agimos com amor. Jardins e pomares que plantamos precisam ser festejados. Campanhas de reciclagem devem ser alegremente comemoradas, pois elas afirmam a soberania de Jesus sobre toda a criação.

Saber e poder celebrar pequenas e grandes conquistas do amor em nossas vidas é também dar a honra e o louvor a esse Rei na cruz que nos reconcilia pelo perdão. Não existe apenas um lugar para nós em seu reino futuro. Também aqui e agora há lugar para viver a justiça, a compaixão, o perdão e o amor que vêm da cruz, libertam do pecado e nos reconciliam com toda a criação.

Por outro lado, há ainda uma porta para o futuro, para o planejamento. O Natal anuncia o novo Rei, o mesmo Rei na cruz, gestado no ventre da humilde jovem Maria e recebido pelos braços do silencioso e obediente José. Seu trono será a manjedoura! Ao seu lado estão os pastores do campo, com sua fama de beberrões e seu cheiro de ovelhas. Esperar por esse rei no tempo de Advento pede de nós a consciência de que o Rei na cruz é o menino na manjedoura. Deixar que um menino reine sobre todos os aspectos da nossa vida é tarefa para a qual precisamos nos preparar. Estabelecer metas e prioridades para o futuro a partir dessa consciência implica dar lugar aos mais vulneráveis de nossa sociedade não apenas em nosso coração e oração, mas também em nossas atitudes. Desafiar a comunidade para ações de solidariedade e justiça diante do Rei que vai nascer pode dar um novo sentido ao viver em comunidade.

4. Imagens para a prédica

Proponho que o tema do dia nos conduza e que esta mensagem seja construída com a ajuda dos três textos de leitura. O Domingo de Cristo Rei nunca foi uma unanimidade na igreja. Muitas pessoas cristãs não queriam que Jesus pudesse ser confundido ou visto como os reis que governaram este mundo. Em sua imensa maioria, reis foram tiranos, promoveram guerras por interesses pessoais, não tinham consideração pelas pessoas. Reis e reinos poderosos invadiram terras, mataram populações para acumular ouro e poder.

No entanto, os textos propostos para a pregação no Domingo de Cristo Rei nos mostram um rei diferente. Ele não governa pelo poder das armas e dos exércitos, mas pelo poder do amor. Temos, assim, a oportunidade de refletir sobre a soberania de Jesus em todos os tempos e espaços, em nosso tempo e espaço, em nossa vida comunitária e pessoal.

A leitura do profeta Jeremias mostra-nos o contraste entre os reis que governam o povo a partir de seus interesses egoístas e o rei que cumpre a vontade de Deus. Jeremias nos dirá como deve ser esse rei. Ele será como um pastor que cuida, reúne e traz paz a suas ovelhas. Ele será descendente de Davi, enviado por Deus para fazer justiça aos injustiçados, pobres e humildes e trará a paz ao seu povo. Marcos mostra-nos um Rei na cruz. Essa foi a acusação que pesou contra Jesus. Ele, no entanto, mostrou-se um rei cujo reinado não é igual ao dos reis deste mundo. O reino de Deus pedia outras estruturas e relacionamentos. Paulo mostra-nos um reino de luz em oposição a um reino de trevas, contrastando o reino de Jesus e os reis do mundo e seus reinos.

5. Subsídios litúrgicos

Este parece ser um momento propício para a utilização do Credo Niceno. Ele foi elaborado em meio às controvérsias cristológicas para afirmar a verdadeira divindade e humanidade de Jesus. Sugiro que cópias sejam feitas e distribuídas para que as pessoas possam ler em voz alta.

Por se tratar do Último Domingo do Ano Eclesiástico, sugiro selecionar fotos e imagens ampliadas de atividades feitas durante o ano que evidenciaram o reinado de Jesus em nossa comunidade. Encontros, ações conjuntas, campanhas etc. Se a cruz do altar for grande, elas podem ser fixadas sobre ela. Ou as imagens podem ser dispostas em forma de cruz na parede do altar. Espalhadas do lado de fora ou nas paredes laterais da igreja, podem ser fixadas ainda imagens que mostram as dores e dificuldades de um mundo que não permite que Deus seja soberano sobre todas as realidades. Cenas de guerras, conflitos, descuido com a natureza. Tudo isso poderá ilustrar a pregação.

Bibliografia

LÄPLLE, Alfred. Bíblia: interpretação atualizada e catequese. São Paulo: Paulinas, 1980. v. 4: O Novo Testamento. As epístolas.
CROSSAN, J. D. O Nascimento do Cristianismo: O que aconteceu nos anos que se seguiram à execução de Jesus. São Paulo: Paulinas, 2004.


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Autor(a): Marcos Antonio Rodrigues
Âmbito: IECLB
Área: Governança / Nível: Governança - Rede de Recursos / Subnível: Governança-Rede de Recursos-Auxílios Homiléticos-Proclamar Libertação
Título da publicação: Proclamar Libertação / Editora: Editora Sinodal / Ano: 2018 / Volume: 43
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Auxílio homilético
ID: 50321

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