Prédica: Apocalipse 5.11-14
Leituras: Salmo 30 e João 21.1-19
Autoria: Jaime Jung
Data Litúrgica: 3º Domingo da Páscoa
Data da Pregação: 5 de maio de 2019
Proclamar Libertação - Volume: XLIII
Louvar e esperançar
1. Introdução
O que o futuro trará? Essa pergunta inquieta a maioria das pessoas em algum momento da vida, seja em relação ao seu futuro pessoal, à sua família ou a suas perspectivas profissionais, ou, num âmbito mais global, diante de constelações políticas e econômicas cada vez mais instáveis. Enquanto algumas pessoas dizem: “Este mundo não tem mais jeito!” ou “É mesmo o fim dos tempos!”, outras afirmam, como uma declaração de fé, que “só por Deus” as situações de medo, incerteza e injustiça podem ser resolvidas.
O texto de Apocalipse 5.11-14 é uma declaração universal do poder de Deus, em Jesus Cristo, o Cordeiro – o qual detém o passado, o presente e o futuro em suas mãos e que é o único digno de louvor e adoração. O livro de Apocalipse traz uma forte conotação simbólica e esses “símbolos dirigem-se mais ao coração do que à cabeça” (Hoefelmann, 2000, p. 46). De qualquer forma, “todos os símbolos apontam na mesma direção: por mais fortes que sejam os poderes contrários a Deus, a vitória final pertence àquele que criou o mundo e tudo fará para conduzi-lo a seu alvo” (Hoefelmann, 2000, p. 46). Essa vitória é motivo de louvor.
Assim, o Salmo 30 também é um convite para louvar o Senhor, que nos livra, salva e preserva a vida. O salmista afirma que renderá graças a Deus para sempre – esse “sempre” remete a algo que não tem mais fim, como o louvor no final dos tempos.
Neste 3º Domingo da Páscoa, o texto de João 21.1-19 fala sobre a aparição de Jesus aos discípulos, de maneira bem concreta, tanto que lhes pede algo para comer. Ao mesmo tempo, ele surge como o ressuscitado, aquele que venceu a morte e que já havia aparecido pela terceira vez aos discípulos (v. 14). Como no texto de Apocalipse, Cristo vem ao encontro das pessoas, e todas “sabiam que era o Senhor”.
2. Exegese
Como já afirmamos, no livro do Apocalipse, “cada página confronta-noscom um grande número de símbolos. [...] Eram tempos de conflito entre as comunidades cristãs da Ásia e as autoridades romanas. O Apocalipse é uma resposta a essa situação. Ali o autor caracteriza o poder romano como diabólico” (Hoefelmann, 2000, p. 44-45).
João, o autor do Apocalipse, foi vítima de perseguição política e religiosa. Provavelmente, próximo do final do governo de Domiciano (81-96 d.C.), tenha sido desterrado para a ilha de Patmos, onde escreveu o seu livro entre 93 e 95.
Mesmo nessas condições, “ele consola e fortalece as comunidades para que resistam às tribulações e continuem a dar seu testemunho. Anuncia que Cristo virá em breve para libertá-los do sofrimento e julgar os seus inimigos. Tudo isso é dito de maneira simbólica. Em tempos de repressão, falar claro é perigoso e, por isso, é preciso criar formas alternativas de comunicação. Através da linguagem figurada, João esconde sua mensagem dos adversários e a revela às comunidades” (Hoefelmann, 2000, p. 44-45).
O texto de Apocalipse 5.11-14 é antecedido pela visão do trono de Deus no capítulo 4. A partir do capítulo 6 seguem-se as visões dos selos. Nos capítulos anteriores ao nosso trecho, a cada um dos sete selos que são quebrados aparece um cavaleiro apocalíptico. Não analisaremos aqui o que cada um deles significa, já que muitos autores se dedicaram a isso em livros específicos, como Hans Schwarz (1997, p. 49ss). Em resumo, os selos e as dores de parto apontam para um tempo imediatamente antes do retorno de Cristo e que não está restrito ao final dos tempos. Schwarz pontua que “o trágico e quase cínico da questão é que aqui não se trata simplesmente da ira de Deus que se abate de fora por sobre a humanidade desobediente, mas as próprias pessoas se tornam instrumentos da ira, causando tal desgraça entre si” (Schwarz, 1997, p. 54). Ou seja, as pessoas tornam-se corresponsáveis pelos sofrimentos no mundo quando se afastam de Deus e de sua vontade amorosa.
O contexto maior em que o nosso texto está inserido direciona-nos àquele que está sentado no trono, portanto ao próprio Deus. Por veneração, o nome de Deus não é dito – e ele entrega o rolo livro, o seu testamento, ainda chaveado, ao único que está autorizado a abri-lo, ou seja, o Cordeiro. “Naturalmente” – menciona Schwarz – “os cristãos de então sabiam imediatamente, e também nós sabemos, quem é apresentado como cordeiro”: Jesus Cristo, cujo sangue foi derramado por nossa causa. O cordeiro demonstra a vontade redentora de Deus, através da qual ele nos aproximará, para além da morte, de nosso destino eterno.
Esse cordeiro tem sete chifres. O número simbólico “sete” remete à plenitude. Os chifres são símbolos do poder, ou seja, o cordeiro é todo-poderoso e tem a “capacidade de determinar o curso da história” (Schwarz, 1997, p. 57). E possui também sete olhos – “Cristo não deixa de ver nada, e nada lhe escapa. Ele também reconhece os seus e não deixa de olhar para eles” (Schwarz, 1997, p. 57).
V. 11 – Diante da visão de um Senhor tão poderoso, 24 anciãos (Almeida Revista e Atualizada) ou líderes (Bíblia na Linguagem de Hoje), representantes da totalidade dos judeus e cristãos, cantam um hino. Na antiguidade, era hábito que músicos tocassem harpas e queimassem incenso diante de um imperador. Aqui, Cristo é o novo imperador, o Senhor do mundo, que segura o destino do futuro firmemente em suas mãos. “Somente a ele, e não ao imperador, devemos incenso e sons de harpa” (Schwarz, 1997, p. 57).
Os quatro seres viventes já foram citados em Apocalipse 4.6-7. O número “quatro” pode se referir à dimensão da natureza e do planeta Terra, como “os quatro ventos”, os quatro pontos cardeais. Conforme nota explicativa da Bíblia de Estudo Conselheira (SBB, 2011, p. 559), “os quatro seres viventes representam o conjunto da natureza”. Já a Bíblia de Estudo Almeida coloca que “os seres viventes evocam os seres alados de Ezequiel 1.4-21; 10.1-14 e os serafins de Isaías 6.1-7. [...] Aqui, podem simbolizar as criaturas angélicas” (2001, p. 376).
V. 12 – “O cordeiro que foi morto” refere-se ao “Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo” (cf. Jo 1.29). O cordeiro Jesus, cercado pela natureza e pelo povo de Deus, é aclamado pelo hino dos versos 9-10 e 12. Scheila Janke lembra que “o louvor é completo e perfeito, como se deduz pelas sete qualificações (poder, riqueza, sabedoria, força, honra, glória e louvor). O Filho de Deus mostra-se perfeito em seus atributos e missão divina. Essa perfeição é louvada por meio dos sete elogios” (2012, p. 145).
V. 13 – “Ouvi todas as criaturas”. A Bíblia de Estudo Conselheira (p. 560) destaca que “agora o coral cresce, com a chegada de absolutamente todas as criaturas do mundo, juntando-se ao cântico”, que é entoado àquele a quem pertencem o louvor, a honra, a glória e o poder para todo o sempre. Não há ninguém que não se renda a esse Cordeiro para o glorificar. Isso remete, também, à declaração feita na oração do Pai-Nosso: “Pois teu é o reino, o poder e a glória, para sempre”.
V. 14 – Com esse “Amém” universal, o Cordeiro é reconhecido e adorado em sua plenitude, por tudo e por todos, tanto na terra como no céu.
3. Meditação
Nossa pergunta inicial foi: “O que o futuro trará?”. A ela podemos acrescentar: “Quando este mundo se transformará num paraíso?”. Hans Schwarz é realista ao afirmar que “não sonhamos que as pessoas se reconheçam mutuamente com direitos iguais e que consigam transformar este mundo, algum dia, num paraíso, mas esperamos e pedimos que o próprio Deus faça surgir um mundo novo. [...] Uma mudança decisiva, portanto, não pode vir de nós, mas apenas de Deus. Que ela virá e que o futuro do reino de Deus se imporá, ficamos sabendo logo no início de nosso texto (do Apocalipse), pois lá é dito onde a gente pode se orientar com vistas ao futuro” (Schwarz, 1997, p. 55).
Isso traz consigo uma libertação evangélica, uma “boa notícia”: o mundo está nas mãos de Deus, não nas nossas. Independentemente de nossas atitudes, o reino de Deus, em sua plenitude, está a caminho e já podemos perceber sinais dele em nosso meio. “Mesmo que as pessoas, em sua distância de Deus, se comportem da maneira mais desumana, elas não podem deter a marcha triunfal de Deus. De maneira soberana, Cristo quebra um após outro os selos do nosso futuro e, deste modo, aponta para o fato de que a história desemboca irresistivelmente no triunfo de Deus e de seu novo mundo. Por isso cristãos nada têm a temer diante do futuro” (Schwarz, 1997, p. 58).
É da vontade de Deus que nenhuma pessoa se perca e que todas elas, reunidas, reconheçam-no como Senhor. Não cabe ao ser humano apontar e decidir sobre quem será salvo; isso está nas mãos de Deus. Mas cabe a cada pessoa cristã semear a esperança e colocar pequenos sinais do “paraíso” já aqui e agora. Sobre nossa responsabilidade, Schwarz afirma: “Em Cristo, Deus se identificou de tal maneira com o mundo e com o nosso destino que ele reuniu para si uma comunidade de todas as tribos e línguas de todas as nações e povos. Os que lhe pertencem não estão mais à mercê do mundo, mas devem governar como reis e sacerdotes nesta terra. Com isso, cristãos têm participação no governo mundial de Deus. Eles não precisam se esconder dos poderosos deste mundo. Através de Cristo eles têm acesso àquele que determina o futuro e segura tudo em suas mãos. Ele também segura o seu futuro em suas mãos, de maneira que ninguém precisa ter medo ou ficar ansioso” (Schwarz, 1997, p. 58).
Deus quer a redenção de toda a criação e quer ser adorado por toda ela. Isso fica claro no nosso texto de Apocalipse 5.11-14. Aí entra nossa responsabilidade no cuidado com a criação e além: “Cristãos têm uma perspectiva mais global. Embora saibam que devem viver responsavelmente sobre a terra e que devem cultivar toda a criação como um bem que lhes foi confiado, o seu olhar também vai para além deste mundo e do jeito como se encontra. Enquanto os cristãos permanecerem fiéis ao seu Senhor e representarem a sua vontade aqui na terra e em sua própria vida frente a outros, eles não precisam entrar em pânico, nem por causa de acontecimentos na natureza, nem por causa de constelações políticas. Eles podem confiar naquele que proclamou: ‘No mundo vocês vão sofrer, mas tenham coragem! Eu venci o mundo!’ (Jo 16.33)” (Schwarz, 1997, p. 59).
Schwarz lembra que todo o texto do Apocalipse até aqui “conclama à perseverança”. As pessoas que seguem Cristo “não erram a sua vocação eterna. Isso também deveria levar-nos a cantar um novo hino a respeito de Deus e de seu futuro”, apesar de todas as dificuldades e sofrimentos deste mundo.
Uma característica cristã é a esperança ativa, fundamental enquanto aguardamos a volta definitiva de Cristo. O educador Paulo Freire, que foi um grande defensor da esperança, afirmou: “Somos, sem dúvidas, homens e mulheres cheios de esperança, pois temos que ter esperança do verbo esperançar, porque há outros que têm esperança do verbo esperar, não é esperança, é espera: eu espero que dê certo, espero que funcione, espero que resolva… Esperançar é ir atrás, é juntar, é não desistir” (Freire, 2014, p. 110-111).
O Apocalipse traz esta certeza de que “para os cristãos, não apenas o futuro do mundo é um livro aberto, mas também ele não é deixado na incerteza quanto ao seu próprio futuro. Se ele se agarra àquele que tem o verdadeiro poder em suas mãos, nada destrutivo em última análise pode lhe acontecer, venha o que vier” (Schwarz, 1997, p. 61).
A aproximação ao livro de Apocalipse pode nos levar a perguntar: “Quando Cristo vai voltar?”. Não sabemos. “Sabemos apenas que não nos cabe atemorizar as pessoas com a escuridão da noite ou com as catástrofes do fim. Nossa tarefa é permitir que a luz de Deus, que anuncia um novo dia, brilhe através de nós em nosso mundo, fazendo brotar nele o anseio por uma era de paz e justiça, quando Deus será tudo em todos (Hoefelmann, 2000, p. 34).
4. Imagens para a prédica
Sugestões para introdução à prédica:
a) “Um grupo de pessoas está passeando em um campo e uma exclama:
– Vejam, lá longe, um rebanho de ovelhas. Outra diz: – Não, é um grupo de vacas.
– Errado – diz o terceiro – são cavalos! Que eram animais, todos viram, mas não concordaram quanto à espécie. Antes que pudessem começar uma discussão sobre o assunto, o líder do grupo disse: – É muito fácil resolver a questão, basta continuarmos andando para frente. Quanto mais perto chegarmos, mais rápido saberemos quem tinha razão. Aproximando-se mais dos animais, todos viram que, de fato, eram cavalos. Com essa ilustração, fica entendido por que devemos sempre de novo estudar o Apocalipse do apóstolo João. Ainda estamos distantes dos acontecimentos dos quais fala esse livro profético da Bíblia, mas cada dia chegamos mais perto deles” (Jucksch, [s.d.], p. 3).
b) Selecionar e projetar várias imagens/ilustrações sobre a volta de Cristo disponíveis na internet ou em livretos distribuídos por alguns grupos religiosos. Podem ser imagens do “fim do mundo”, destruído por guerras ou fenômenos da natureza, e também algumas que apresentem a volta de Cristo sobre as nuvens, em seu trono celeste, cercado por anjos e seres humanos. Solicitar às pessoas que compartilhem suas impressões e sentimentos a respeito das imagens: medo, tristeza, angústia, alegria, alívio? Se possível, que possam explicar o porquê desses sentimentos.
5. Subsídios litúrgicos
Pessoas cristãs não precisam ter medo do futuro. Com base nisso, e como o próprio texto bíblico sugere, este pode ser um culto com acento especial no louvor, na adoração e no fortalecimento de nossa confiança no agir amoroso e cuidador de Deus.
Sugestões de hinos
Livro de Canto da IECLB:
612 – Segura na mão de Deus
56 – Pelas dores deste mundo
579 – Muitos virão te louvar
363 – Então se verá o Filho do Homem
289 – Bênção da Irlanda
298 – Bênção do caminhar
Hinos e corinhos (v. 3):
27 – Ao único que é digno
Neste culto, pode-se dar destaque ao segundo artigo do Credo Apostólico, relembrando que é parte essencial da nossa fé cristã a afirmação de que Jesus Cristo “está sentado à direita de Deus Pai, todo-poderoso, de onde virá para julgar os vivos e os mortos”. Se cremos e afirmamos isso, não há por que ter medo do futuro.
Bibliografia
FREIRE, Paulo. Pedagogia da esperança. São Paulo: Paz e Terra, 2014.
HOEFELMANN, Verner. Como entender os símbolos do Apocalipse? In: SILVA, João Artur Müller da (ed.). 22 perguntas e respostas da fé. São Leopoldo: Sinodal, 2000. p. 44ss.
JANKE, Scheila. Apocalipse 5.11-14. In: Proclamar Libertação. São Leopoldo: Sinodal, 2012. v. 37, p. 144-148.
JUCKSCH, Alcides. Em breve deve acontecer: estudando o último livro da Bíblia, versículo por versículo. Gramado: Conhecer a Bíblia, [s.d.].
SCHWARZ, Hans. O mistério das sete estrelas: uma interpretação do Apocalipse de João. São Leopoldo: Sinodal, 1997.
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