Auxílios Homiléticos - Proclamar Libertação



ID: 2911

1 João 5.9-13

Auxílio Homilético

13/05/2018

 

Prédica: 1 João 5.9-13
Leituras: Salmo 1 e João 17.1a,6-19
Autoria: Anelise Lengler Abentroth
Data Litúrgica: 7º. Domingo da Páscoa (Dia das Mães)
Data da Pregação: 13/05/2018
Proclamar Libertação - Volume: XLII

1. Introdução

“Mãe! Como posso ter certeza de que tu és minha mãe?” Talvez, algum dia, um filho ou uma filha fez essa pergunta. Imaginemos as respostas possíveis...

O texto indicado para a pregação neste domingo (quando pelo calendário civil comemoramos o Dia das Mães) nos faz ver que temos vida e vida eterna porque cremos em Cristo, no Filho de Deus. Somos feitos filhos e filhas de Deus. Ele nos deu a vida eterna e essa vida é nossa por meio do seu Filho. Podemos crer nisso de todo o coração! Pois quem tem o Filho tem a vida.

O Salmo 1 tem como acento o ensinamento. Na oposição de dois caminhos, aponta para a lei dada às pessoas para a sua felicidade (Sl 19.8-15; 119). A escolha por um deles trará consequências no julgamento (v. 5). Segundo o texto massorético, esse julgamento tem sentido escatológico, mas, segundo a tradição grega, é algum julgamento de Deus nesta vida. A tradição judaica e cristã compreende esse salmo numa perspectiva messiânica e escatológica. Haverá um julgamento final de Deus. Nesse momento, será feita a purificação da comunidade e ficará claro quem serão os abençoados e os condenados.

Lutero (OSel 8, 361) entende que o Salmo 1 não só repreende os ímpios e pecadores, já que todas as pessoas são pecadoras, mas repreende especialmente aqueles e aquelas que pecam duplamente, pois sendo ímpios, não reconhecem Cristo e andam no conselho e no caminho dos pecadores. Desta forma, querem aparentar ser justos e santos através de uma piedade de fachada.

Por outro lado, felizes serão aquelas pessoas a quem Deus conhece. Pois o conhecimento de Deus não tem a ver somente com tomar conhecimento da existência, mas sim com o estar próximo de forma amorosa. Portanto aquelas pessoas são abençoadas porque Deus as sustenta e as nutre como faz com a seiva da árvore plantada junto ao rio. Ela não seca. E por receber essa seiva, vai poder encontrar sentido no seu viver, dando frutos que saciam a quem precisa.

No Evangelho de João, Jesus diz que foi enviado para revelar o nome de Deus às pessoas amadas e acolhidas por ele (Jo 17.6,25). Em Jesus, Deus revela o seu nome na sua vida, morte e ressurreição. Quem vê Jesus, vê o Pai (14.9). Jesus se autodenomina EU SOU, assim como Deus fez a Moisés no Egito: Eu sou quem sou (Êx 3.14). É o nome pelo qual Deus se revela como aquele que age na história, que desce, que se compadece com quem sofre, que liberta as pessoas escravizadas, que cura doentes e endemoninhados, que salva as pessoas perdidas em suas amarras, preconceitos, caminhos errados, que dá vida, vida em abundância e eterna.

O tempo litúrgico nos coloca no final do tempo pascal, com o discurso de despedida de Jesus junto aos seus amados e amadas. Ele vai para junto de Deus, mas quer preparar os seus para a missão. Há muito o que fazer aqui e agora.

2. Exegese

O texto de pregação proposto é um epílogo da Primeira Carta de João. O v. 13 traz uma conclusão sobre o porquê da carta. Ele afirma a veracidade do testemunho sobre o Filho de Deus (v. 9). E isso não é dado por argumentos racionais ou humanos, mas é colocado no coração humano pelo próprio Deus (v. 10). O autor desenvolve com ênfase o testemunho cristológico: Cristo é o Filho de Deus que se tornou carne (4.2s), morreu pelos nossos pecados e é o salvador do mundo (4.14). Esse é o motivo, o centro da fé. Assim como Deus nos deu a vida e vida eterna por meio da fé em Cristo, assim a vida precisa ser partilhada, espalhada e cuidada no mundo.

Destacam-se dois temas: a exortação ao amor fraterno como consequência do andar na luz em comunhão com Deus; e o rechaço aos hereges, especialmente gnósticos. Não se trata de um tratado religioso, “antes é um escrito exortativo enviado às comunidades que precisam ser advertidas do perigo de uma heresia e instadas à fidelidade aos mandamentos” (Lohse, 1972, p. 198).

O autor faz graves acusações aos hereges: sua ética é condenável e sua cristologia errada. Na passagem do primeiro para o segundo século, Cerinto defendia na Ásia Menor uma cristologia docética. Nela, Jesus não teria nascido da virgem, mas seria filho de José e Maria. Ele seria apenas mais sábio e justo que as demais pessoas. No batismo de Jesus, Cristo teria descido em forma de pomba sobre ele. Esse sim, veio daquele que tudo governa. Por isto teria proclamado o Pai desconhecido, feito milagres e prodígios e, no final, Cristo teria se separado de Jesus para que este pudesse morrer na cruz. Assim, como ente espiritual, Cristo teria permanecido sem sofrimento.

Os gnósticos não levavam a sério a corporalidade, não observam os mandamentos e, portanto, crer em Cristo não tinha consequências para sua conduta ética ou para sua práxis. Na visão do autor da carta, não há como separar a prática do amor ao próximo da fé em Deus, assim como não é possível separar a pessoa de Cristo de Deus. Quem conhece e crê em Cristo vive a partir desse amor e tem a vida verdadeira.

Conforme Kummel, para João ou o autor da carta, a fé em Deus coincide com a fé em Cristo, porque em Cristo Deus vem ao nosso encontro. E o testemunho que Cristo dá no seu viver, morrer e ressuscitar é que Deus nos deu a vida eterna e essa vida é nossa por meio do seu Filho (1Jo 5.11). Em outra tradução é dito: e esta vida está no seu Filho (Almeida Revisada e Atualizada).

Chama a atenção que João indica a fé como o caminho para ter a vida eterna. Porém, o uso da palavra fé aparece apenas uma vez, em 1 João 5.4. É o verbo crer que é usado repetidas vezes. Isso nos mostra que fé não é algo que se possa ter como posse ou acumular, mas revela uma atitude, um comprometimento em seu ser e fazer. Aqui não estamos falando em conteúdo de fé ou na concordância desse, mas em aceitação da palavra de Deus, testemunhada em Cristo, em dar crédito a ela e viver envolto, amparado, dirigido por ela. E isso é obra de Deus imputada em nossos corações. Se não acreditamos no testemunho que Deus dá em Cristo, fazemos de Deus um mentiroso. Mas quem dá crédito, confia e vive a partir de Cristo tem a vida, e vida eterna.

Por que essas palavras são tão importantes a ponto de serem colocadas no desfecho da carta? Talvez o texto do Evangelho de João nos dê uma pista em 17.11-13. Aqueles e aquelas que Deus dá a conhecer a Cristo e creem nele conhecem a verdade da unidade do Pai e do Filho. E assim como eles são um, os seus são um também. Viver a partir dessa graça nos traz plena alegria, nos consagra para um viver diferente do que o mundo e suas estruturas de engano e morte induzem, e nos dá a paz que Cristo nos dá.

Para as comunidades existentes na virada do primeiro para o segundo século, essa carta traz alento e força porque a fé nos faz ter a certeza de que Deus age e está presente em nossos dramas, assim como Cristo esteve junto aos seus. Sua presença trouxe vida, não somente após a ressurreição, mas para todas as pessoas que o buscaram, pois estavam sofrendo com as mazelas do mundo.

É característico em João que o mundo tenha uma conotação negativa, pois assim é designado tudo que se opõe ao poder e ao amor de Deus. A libertação do mundo não significa se isolar do mundo, como os ascetas, mas a libertação do poder coercitivo e nocivo das estruturas que geram injustiça, segregação, violência e morte. Libertação do mundo é mudança de senhorio possível já aqui, mas totalmente na eternidade. Percebe-se que as afirmações a respeito da libertação frente ao mundo são, de fato, genéricas. O autor não descreve concretamente como se dá essa vitória. Isso demonstra que seu interesse não está na especulação do como será essa vida eterna. Mas ele quer falar de uma realidade concreta, onde impera sofrimento e dúvidas. Este é o motivo, o centro da fé: assim como Deus nos deu a vida e vida eterna por meio da fé em Cristo, assim a vida precisa ser partilhada, espalhada e cuidada no mundo.

Podemos perceber que a intenção do autor não é trazer uma esperança de vida plena apenas para o futuro, para a eternidade. Ele afirma que quem tem o Filho tem a vida e vida em abundância. Que efeito essas palavras tem para aqueles e aquelas que creem e que estão cheios de dúvidas por causa do sofrimento diário?

3. Meditação

O tema da vida eterna tem inquietado pessoas ao longo do tempo. Assim como aquela criança tinha dúvidas quanto à sua filiação e tudo que daí poderia decorrer, assim pessoas sofrem da angústia de não se saberem amadas e aceitas por Deus e, portanto, têm dúvidas sobre a vida eterna, especialmente quando essa está relacionada às suas escolhas, caminhos e atitudes.

Em nossas comunidades, a interpretação do Salmo 1 muitas vezes acontece de forma dualista: aqueles que se afastam das pessoas não cristãs e procuram viver uma vida piedosa, de oração e encontros comunitários, deixando para os demais as demandas sociais, políticas e econômicas do presente. Não raras vezes, ainda há quem nomine os salvos e os não salvos. Porém, encontramos entre aqueles que se autodenominam de “salvos” muitas dúvidas sobre a sua salvação, pois, por mais que orem, estudem, participem, não conseguem ser santos ou perfeitos. Então a ideia do juízo da lei os atormenta.

Também a leitura do Evangelho de João, quando feita de forma literal, pode trazer uma conotação dualista. O mundo seria o que diz respeito à carne, às coisas materiais, à política, ao econômico. E, assim, aqueles e aquelas que aceitam o testemunho de Deus em Cristo não deveriam se envolver com essas coisas do mundo, pois há muito pecado, muita corrupção, ganância e maldades.

Interpretar os textos dessa forma não faz jus ao testemunho de fé dessas comunidades primitivas, já que o que se percebe é justamente o contrário. Eles foram redigidos para que as comunidades soubessem que estavam sobre o senhorio de Deus, que venceu o mundo por meio do seu filho Jesus, que sofreu as mazelas do mundo, mas ressuscitou. Por meio de Cristo Deus nos dá a vida e a vida eterna.

Aqueles e aquelas que guardam as palavras de Cristo, que acolhem e reconhecem essas palavras, fazem parte da unidade que Pai e Filho têm. São pessoas santificadas na verdade. Estão no mundo, mas não são dominados por ele. São tornadas santas pela fé e, assim, passam a viver revelando que é possível ter alegria e paz, mesmo diante de tantos sinais de morte e sofrimento que o mundo produz.

Como tornar essas palavras possíveis para aquietar corações e mentes que sofrem com dúvidas sobre a filiação divina e a vida eterna? Poderíamos nos perguntar: Como sabemos que somos filhos e filhas de nossa mãe? Você lembra que saiu dela? Quantas crianças ainda se perguntam se são realmente filhos e filhas de seu pai e de sua mãe? Por que isso gera dúvidas e angústias se são cuidados, amados, ensinados?

Lembro que para mim foi essencial ouvir de minha mãe: “Não importa o que tu fazes, se eu gosto ou não gosto, se acho certo ou não, se me fazes sofrer ou me dás alegria, tu sempre serás minha filha!”. Amor incondicional, amor que vem primeiro, amor que não é negócio. É gratuito, é grande, é espontâneo. Ser alcançada por esse amor é experimentar tudo aquilo que precisamos para viver, crescer, fazer nossas experiências, errar, acertar, amadurecer. E se como pessoas conseguimos compreender e aceitar essa filiação, então por que não conseguimos aceitar e admitir o amor de Deus por nós? É preciso crer sem provas, somente pelo testemunho que Deus dá acerca do seu Filho. Mas quando cremos, então não há mais por que duvidar ou sofrer a angústia. Agora é possível viver dessa certeza e fazer tudo aquilo que temos como possibilidade para que a vida seja plena em nosso tempo, onde estamos.

Lutero escreve acerca de 1 João 5.13: “João diz que todas as nossas doutrinas e exortações visam persuadir nossa consciência de que temos um meio certo de conhecer a vida eterna. Pois nosso coração é estreito demais para poder entender e compreender essas dádivas de Deus, a não ser que seja continuamente admoestado e exercitado, pois nem olhos viram, nem ouvidos ouviram, nem jamais penetrou em coração humano o que Deus tem preparado para aqueles que o amam (1Co 2.9). Quase não entendemos estas coisas terrenas e transitórias, muito menos as coisas celestiais! Por isso o Espírito nos foi dado para que saibamos quão grandes coisas nos foram presenteadas por Deus. Mas nada contribui tanto para a compreensão destas coisas quanto uma prática assídua e a cruz” (OSel 11, 540).

4. Imagens para a prédica

Sugiro usar a pergunta inicial da criança que tem dúvidas quanto à sua filiação. Como ela vai saber que é realmente filha? Pelo testemunho da mãe, do pai, dos seus padrinhos e madrinhas. É preciso que ela acredite nas palavras, que ela aceite como verdade esse testemunho. Mas o que mais pode ajudá-la são as suas experiências vividas com essa mãe: do seu cuidado, do seu carinho, das suas palavras, das suas broncas, das suas exigências e orientações. Pode-se comparar com a fi liação que nos foi dada por Deus e o seu amor revelado em Cristo. Somos seus filhos e suas filhas. Pela fé temos a vida eterna. Mas isso não é motivo para uma vida egoísta, alheia a tudo que acontece. Ao contrário! É justamente por nos tornar santos e santas que Deus espera nosso comprometimento com a vida de todas as pessoas e da sua boa criação. A única forma de agradar a Deus é amando e fazendo o bem ao próximo. Assim como as mães se enchem de alegria quando veem seus filhos e filhas fazendo a diferença neste mundo que vira as costas para Deus.

5. Subsídios litúrgicos

Credo
Creio no Espírito Santo, que, junto com o Pai e o Filho, é verdadeiramente Deus e procede do Pai e do Filho desde a eternidade. Sendo, no entanto, uma pessoa distinta em uma essência e natureza divina. Através dele, qual dádiva viva, eterna e divina, todos os crentes são agraciados com a fé e outros dons espirituais, são ressuscitados dos mortos, libertados do pecado, e feitos alegres e consolados, livres e tranquilos de consciência. Pois esta é a nossa força: que sentimos em nosso coração esse testemunho do Espírito, que Deus quer ser nosso Pai (Mãe), perdoar nossos pecados e conceder vida eterna.
(Martim Lutero – OSel 4, 371)

Bênção

Antes mesmo de procurarmos a Deus, ele se revela a nós em Jesus.
Antes de invocarmos o seu nome, ele nos chama pelo nosso nome.
Antes mesmo de nos achegarmos a ele, Deus nos envolve com sua luz.
Coloquemo-nos sob sua proteção nas palavras:
Que Deus nos conceda olhos abertos para reconhecer a sua glória;
Ouvidos abertos para escutar e acolher a sua palavra;
Corações abertos para confi ar e esperar nele;
Pés e mãos dispostos a amar e servir,
Pois é ele quem nos salva, está sempre cuidando de nós.
Ele nos dá a vida e vida eterna.

Bibliografia

KUMMEL, Werner Georg. Síntese Teológica do Novo Testamento. 2. ed. São Leopoldo: Sinodal, 1979.
LOHSE, Eduardo. Introdução ao Novo Testamento. São Leopoldo: Sinodal, 1972.
LUTERO, Martinho. Obras Selecionadas. São Leopoldo: Sinodal; Porto Alegre: Concórdia, 2003. v. 8. [OSel].
_______. Obras Selecionadas. São Leopoldo: Sinodal; Porto Alegre: Concórdia,
2010. v. 11. [OSel].
_______. Obras Selecionadas. São Leopoldo: Sinodal; Porto Alegre: Concórdia,
1993. v. 4. [OSel].
MESTERS, Carlos; OROFINO, Francisco; LOPES, Mercedes. Raio-X da Vida. Círculos Bíblicos sobre o Evangelho de João. São Leopoldo: CEBI, 2000.


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Autor(a): Anelise Lengler Abentroth
Âmbito: IECLB
Área: Celebração / Nível: Celebração - Ano Eclesiástico / Subnível: Celebração - Ano Eclesiástico - Ciclo da Páscoa
Área: Governança / Nível: Governança - Rede de Recursos / Subnível: Governança-Rede de Recursos-Auxílios Homiléticos-Proclamar Libertação
Natureza do Domingo: Páscoa
Perfil do Domingo: 7º Domingo da Páscoa
Testamento: Novo / Livro: João I / Capitulo: 5 / Versículo Inicial: 9 / Versículo Final: 13
Título da publicação: Proclamar Libertação / Editora: Editora Sinodal / Ano: 2017 / Volume: 42
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Auxílio homilético
ID: 50167

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A ingratidão é um vento rude que seca os poços da bondade.
Martim Lutero
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