Advento - Natal - Epifania



ID: 2655

O Natal da Lua e da Estrela - Carta Pastoral para o Natal 2021

20/12/2021


Foi numa noite de lua cheia, nas veredas do grande sertão nordestino, que se deu o fato … Riobaldo, personagem do romance Grande Sertão: Veredas, de João Guimarães Rosa, atravessava os ermos da caatinga, quando ouviu os gemidos de uma parturiente. O som da dor vinha de um misérrimo casebre, enterrado na solidão. A mulher estava só, com suas dores e seu ventre inchado.

As andanças de Riobaldo e sua vida dura do cangaço o haviam preparado mais para ser um agente funerário, não para ser um obstetra. Mas naquela noite o jagunço não teve escolha. A força irresistível da vida havia convertido Riobaldo em parteira. Foi assim que, pelas mãos de um jagunço, nos cafundós do sertão nordestino, mais uma criança saltou para dentro da vida.

A essa altura da narrativa, ao som do choro do recém-nascido, Guimarães Rosa coloca as seguintes palavras na boca do extasiado Riobaldo: “Um menino nasceu. O mundo tornou a começar. E saiu para as luas …”. O milagre do recomeço do mundo acontece a cada parto. Sim, o mundo recomeça todas as vezes que, vencendo tantas forças contrárias como só no sertão nordestino é possível, a vida sobrevive e consegue reiniciar sua teimosa trajetória. O sertão nordestino é perigoso para a vida.

Nas veredas dos nossos urbanos, porém, não menos perigosos sertões, tornamo-nos jagunços cada vez mais cruéis, rudes e selvagens. O nosso jeito de viver, egoísta e intolerante, torna este sertão do século 21 tão ou mais perigoso para a vida do que o de Riobaldo e de toda a jagunçada da turma do Lampião. Extorquimo-nos mutuamente, violentamo-nos, mutilamo-nos, agredimo-nos, ignoramo-nos, executamo-nos com fúria tal que deixaria atônito o mais impiedoso dos cangaceiros. Nossas armas são palavras … Nossas “balas” são imagens, preconceitos, estereótipos.

Mas, no meio de tudo isso, há noites enluaradas. E em noites enluaradas, como aquela que banhou aquele casebre, tudo pode acontecer. Nossas crendices dizem que, numa noite assim, há homens que viram lobisomens e vagam pelo sertão, destilando horror e morte. Mas, na história de Guimarães Rosa, o luar do sertão transformou Riobaldo completamente. Fez daquele ser embrutecido pela crueza do cangaço um anfitrião terno, pronto para acolher nos braços a reinvenção do mundo. Uma criança recém-nascida transformou o jagunço em um ser capaz de enternecer-se.

O natal é uma noite iluminada por uma estrela. Numa noite fria e cheia de exclusão a luz dessa estrela ilumina uma estrebaria, onde se ouvem os gemidos de uma frágil mulher.

Cada uma e cada um de nós é confrontado com a incontornável necessidade de ajudar neste parto … como Riobaldos embrutecidos por este mundo que nega a justiça e asfixia a paz.

Que o encontro com esta estrela e com aquela mulher em dores de parto na estrebaria de Belém nos transforme também, como Riobaldos, da brutalidade à ternura. Que possamos dizer, como Riobaldo: “Um menino nasceu. O mundo tornou a começar”! Deixemos que a lua e a estrela dessa noite única na história nos transforme em anfitriões da vida. Anoitecemos lobisomens e feras de todo tipo.

O Natal pode nos fazer amanhecer parteiras da humanidade. Um pequeno menino, deitado nas palhas da manjedoura, tem o poder de amolecer nossos duros corações, transformando egoísmo em solidariedade, medo em coragem, desespero em esperança, vazio em sentido de vida. Que o sentido do nosso ESPERANÇAR também nos faça, como Riobaldo, “sair para as Luas”. 


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