Prédica: Lucas 21.25-36
Leituras: Jeremias 33.14-16 e 1 Tessalonicenses 2.9-13
Autoria: Atílio Juan Hunzicker
Data Litúrgica: 1º Domingo de Advento
Data da Pregação: 29/11/2015
Proclamar Libertação - Volume: XL
Atentos e vigilantes
1. Introdução
Nosso texto inicia o tempo de Advento segundo a série “C”. O Evangelho de Lucas acompanhar-nos-á durante este ano litúrgico que começa neste 1º Domingo de Advento. É provável que os quatro domingos antes do Natal, também delimitados pela data, não sejam suficientes para expor toda a riqueza teológica deste tempo de preparação para uma espera ativa. Lamento não ter acesso a todos os exemplares do PL. Limito-me a lembrar que o nosso texto já foi refletido nos PL III, p. 209; XVII, p. 9 e XXIV, p. 9.
O Natal, como celebração de gratidão pelo nascimento de Jesus, tradicionalmente tem um peso enorme em nossa devoção e piedade, o que pode eclipsar a importância do Advento. Na verdade, Advento é o tempo para recuperar nossas forças, fortalecer a esperança e dirigir o nosso olhar em direção ao “Filho do Homem vindo numa nuvem, com poder e grande glória”.
Estes quatro domingos têm como objetivo que a comunidade se prepare para caminhar através do ano eclesiástico que está iniciando, a exemplo de um grupo de amigos que se prepara para uma expedição e revisa reiteradamente a lista de tudo o que é necessário para que a viagem possa ser levada a bom termo: objetos pessoais e de uso comum, roupas e utensílios, alimentos adequados, medicamentos e a caixinha de primeiros socorros, além de mapas, bússola e informações precisas sobre o clima que enfrentarão durante todo o trajeto.
Para uma viagem sempre é importante levar o que é necessário e evitar cargas e pesos que são dispensáveis. De modo semelhante, durante o Advento, como comunidade de fé, preparamo-nos para viver o novo ano e devemos escolher o que é necessário e imprescindível para este tempo, deixando de lado tudo o que não é necessário ou útil e que significa uma carga que dificultará a nossa caminhada.
2. Exegese
O texto que estamos analisando (Lc 21.25-36) faz parte de uma passagem maior, que vai de 21.5 a 38. O início do capítulo é a conhecida cena da oferta da viúva com a observação e admoestação de Jesus a seus discípulos. Não resta dúvida de que Lucas valeu-se de Marcos 13 como fonte, fazendo as adaptações adequadas para a compreensão de seus leitores. Alguns comenta ristas observam que a diferença entre Lucas e Marcos deve-se a um deslocamento temporal: o que é futuro para Marcos já é passado e presente para Lucas (queda de Jerusalém e perseguições); além disso, Lucas faz as alterações necessárias para adequar o relato de Marcos a outros leitores, a saber, os gentios que já faziam parte das comunidades cristãs.
Antes de chegar ao nosso texto, temos ainda outros temas: 5-6: anúncio da destruição do templo; 7-19: sinais e perseguição; 20-24: a destruição de Jerusalém.
A razão de todo o texto encontra-se na pergunta dos discípulos em 21.7: Quando sucederá tudo isso? E que sinal haverá de quando essas coisas estiverem para se cumprir?. Sem a pergunta como ponto de partida, toda a sequência restante não faz sentido.
Ainda assim, o nosso trecho pode ser dividido em três partes: 1) 25-28: a vinda do Filho do Homem; 2) 29-33: o sinal da figueira; 3) 34-36: o estar alerta.
1 – Em seguida ao cerco a Jerusalém, “o tempo dos pagãos”, serão vistos os sinais cósmicos: sol, lua e as estrelas (Gn 1.14-18) e o bramido do mar e das ondas (Gn 1.9-10). Isso nos dá uma ideia da confusão da boa ordem que Deus havia estabelecido no princípio dos tempos. O temor e o terror das nações e dos seres humanos diante das forças que não conseguem controlar em toda a terra ultrapassam as fronteiras de Israel e do Império Romano. As nações que se apropriam de bens e vidas de outros descobrem-se impotentes. O poder do Filho do Homem irromperá ali onde perseguidos, mártires e subjugados puderem levantar as suas cabeças. Lucas faz uma distinção entre os que serão testemunhas e os que são atingidos por esses acontecimentos: “os homens” aterrorizados (26) e “vocês” que serão libertados. Os mesmos acontecimentos cósmicos terão consequências distintas para uns e para outros: o que para uns acarreta terror e morte, para outros dará ânimo e trará libertação.
2 – É importante ler os tempos, pois há dados na natureza que nos informam sobre o momento que vivemos. Por analogia, assim como lemos a natureza para situar-nos nas estações, é necessário ler também a realidade social, econômica, política... e sem qualquer dúvida, hoje temos que incluir a leitura ecológica, que nos permite saber onde estamos e para onde vamos. Vale lembrar que cada geração ou a humanidade como um todo têm seu momento, seu tempo que devem ser compreendidos corretamente em vista do futuro.
3 – A advertência final alerta sobre a hora da chegada do Filho do Homem, imprevista, impregnada de risco, de surpresa. Aqui, diferentemente das “pessoas” e de “vocês” de 26-27, todos correm risco, uns e outros, e podem ser caçados como aves distraídas. Esse estado de alerta não deve ser paralisante; a vida sempre é dinâmica. A diferença é o que se deseja mais: deixar-nos absorver pelos assuntos cotidianos ou pela busca do que dizemos vez por outra no Pai-Nosso: Venha a nós o teu reino. Aqui prevalece a ideia de que todos deveremos enfrentar o tribunal do juízo: crentes e pagãos. Para chegar em condições ante o tribunal, devemos estar preparados sempre na profundidade última de nosso ser.
3. Meditação
Assim como Lucas adapta e atualiza o que recebeu de Marcos, também é nossa tarefa, permanecendo no espírito do evangelista, anunciar o evangelho de maneira compreensível e desafiadora em nossas comunidades bem como no mundo. A dificuldade maior reside no fato de que nós, como discípulos hoje, não fazemos a pergunta que dá origem ao texto. Não perguntamos como e quando acontecerá a parusia. Deveríamos investigar, descobrir e saber com clareza quais são as perguntas que a nossa comunidade faz. E se a pergunta pelo fim não é atual e nem vital, devemos descobrir qual a causa disso.
Centenas de gerações passaram por esta terra desde o primeiro século de nossa era até hoje. Cada uma viveu o seu momento de terror cósmico, e um bom número de pessoas levantou seus olhos na expectativa do Filho do Homem que chega em glória e poder.
Temos sinais cósmicos que metem medo, e nós os temos dos tipos mais variados e em número sufi ciente: aquecimento global, risco de ficar sem água doce não contaminada, métodos danosos na extração de petróleo, potenciais riscos nucleares em razão de armas ou bases nucleares “pacíficas”, mas obsoletas e mortíferas. Terremotos, tsunamis, vulcões... vemo-los por algumas semanas na mídia, e em seguida outro tema faz-nos esquecer tanta morte, dor e sofrimento.
As perseguições por razões religiosas vêm aumentando nos últimos anos, e muitos irmãos e irmãs são mártires em diversos lugares do planeta. Sem dúvida, essas comunidades que hoje são perseguidas leem e entendem esse evangelho de forma radicalmente diferente do que nós o interpretamos, nós que vivemos em países onde conflitos religiosos não são significativos e nem graves.
A presença cristã não é uma ameaça para os líderes políticos e para o poder econômico. Ainda que alguma atitude ou declaração dos cristãos lhes seja incômoda, preferem ter as igrejas como suas aliadas em favor do bem comum e da defesa de certos valores conservadores, desde que mantenham a coesão social.
Nossas igrejas e comunidades estão ocupadas em pôr em prática projetos sustentáveis a médio e longo prazos. A questão dos recursos impõe-se sobre a pergunta pelas necessidades das pessoas. Em alguns casos, acontece algo semelhante, como se alguém, antes de ficar doente, tenha que fazer o levantamento para saber se há recursos ou não para a cura.
Em minha igreja, muitas comunidades prosperaram nas últimas décadas graças à monocultura da soja na região. Prosperaram no sentido de que os seus membros têm mais dinheiro para doar, para construir, para ter uma igreja linda, bem de acordo com a prosperidade de seu meio. Ao mesmo tempo, está (somente) em discussão o dano ecológico e à saúde das pessoas que os agroquímicos causam de forma irreversível. Na igreja, pedimos por bom clima, chuvas na medida certa, boa colheita e agradecemos quando isso acontece, sem enxergar os danos que essa modalidade de cultivo acarretará às gerações futuras.
Nas áreas urbanas, até hoje a presença dos pobres é incômoda para os setores melhor situados. Muitos acreditam que os gastos que o Estado despende com essas pessoas esquecidas e marginalizadas são inúteis e que esses recursos são cobrados deles através de maiores cargas tributárias. Essa forma de ver a realidade encontra-se também em nossas comunidades de fé. Será que em nossas comunidades podemos ler os sinais dos tempos com toda a liberdade? Estamos vendo os brotos da figueira? Ou isso levará a conflitos dentro da própria comunidade?
Em uma sociedade onde as maiores aspirações são o consumo e o bem-estar, resta pouco espaço para esperar o regresso do Filho do Homem nas nuvens e pleno de poder e de glória. O desafio comunitário e individual consiste em identificar os diferentes sinais que Deus vai deixando em nosso tempo, aquilo que pertence a seu reino e aquilo que a ele se opõe, para assim chegarmos ao momento de comparecer diante do Filho do Homem.
4. Exemplos para a prédica
Os exemplos serão diferentes de acordo com o contexto em que nossa comunidade está inserida. Podemos listar os sinais que vemos em nosso tempo e que nos comovem e assustam. Ou podemos listar os motivos que nos levam a esperar pelo regresso de Jesus. Em uma terceira lista, podemos anotar o que significa para nós estar atentos para não cair em uma armadilha. Vamos olhar como nossas três listas se relacionam entre si: sinais – razões para desejar a volta de Jesus – motivos para estar atentos.
Confeccionemos um programa para, ao longo do ano, atingir uma leitura mais clara dos tempos à luz do evangelho e concretizar ações e tarefas que melhorem nossa atenção e espera ativa.
Um possível roteiro para o pregador seria: sinais que vemos e não vemos; razões para desejar a volta de Jesus; o que nos distrai e o que nos ajudaria a estar atentos e vigilantes.
5. Subsídios litúrgicos
Confissão de culpa
Misericordioso Pai: Tu nos deste a sensibilidade para compreender todos os sinais da criação. Confessamos-te que muitas vezes vemos e somos como cegos, ouvimos e agimos como surdos, tocamos e somos insensíveis, saboreamos e nada nos surpreende, sentimos o cheiro, mas nada nos comove. Perdoa-nos por não estar atentos a teus sinais e por viver distraídos sem desejar a volta do teu Filho. Tem piedade de nós.
Oração de coleta Damos-te graças porque em cada geração tens iluminado a tua igreja e muitas pessoas de boa vontade. Elas identificaram teus sinais e estavam atentas à tua vontade. Obrigado, Senhor, pelos testemunhos dos profetas e dos discípulos, que são guias para nós hoje. Faze com que em nossa geração estejamos atentos e zelosos pelos caminhos do teu reino. Amém.
Bibliografia
SCHMID, Josef. El evangelio según San Lucas. Editorial Herder: Barcelona, 1968. (Tradução: Harald Malschitzky)