Prédica: Isaías 64.1-9
Leituras:Marcos 13.24-37 e 1 Corintios 1.3-9
Autor: Norberto da Cunha Garin
Data Litúrgica: 1º Domingo de Advento
Data da Pregação: 30/11/2014
Proclamar Libertação - Volume: XXXIX
Novo tempo: reencontrando os outros
1. Introdução
O texto da meditação deste Primeiro Domingo do Advento pressupõe um tempo longo após a queda de Jerusalém (587 a.C.), período no qual Israel se encontrava em desespero por causa dos acontecimentos trágicos que o envolveram na deportação para a Babilônia. Trata-se de uma súplica anunciada em Is 63.15 e encerrada em 64.11.
Ao contrário do que se possa imaginar, o texto deste domingo não se insere no que ficou conhecido como Trito-Isaías. A centralidade de sua temática é a petição pela paternidade divina (64.7). Faz parte de um salmo de súplica coletiva que se estende de 63.7 até 64.11. As referências à destruição do Templo e da própria cidade de Jerusalém indicam uma proximidade histórica com esses acontecimentos (63.18; 64.9,10).
Há uma porção de benefícios divinos que são invocados por Israel, que se reportavam aos acontecimentos do êxodo (63.11). Ao enumerar os pecados do povo, a oração recorda o perdão do pai Javé e consubstancia súplicas comoventes de arrependimento e contrição num paralelo com textos do Sl 78 e de Os 11.8. Israel chora a ausência da proteção de Deus, que parece ter se ausentado e cuja compaixão se recolheu, deixando o povo órfão (63.15).
2. Considerações sobre o texto
Nas considerações que seguem, utilizaremos a numeração de versículos da Bíblia de Jerusalém: o v. 1 corresponde, na versão de Almeida, ao v. 2, e assim sucessivamente.
V. 1/2 – Os versículos 1 e 2 constituem uma continuação do clamor de 63.19 e, de certa maneira, preparam a segunda súplica do povo (64.3-7).
V. 3 – Este versículo inaugura a segunda oração com uma declaração significativa a respeito de um Deus que agia na história humana. O texto utiliza-se dos verbos que denotam conhecimento a partir dos sentidos: ... nunca se ouviu;
... nunca se havia sabido; ... o olho não tinha visto. É um agir divino na direção de quem está desesperado aguardando um socorro. É possível traçar um paralelo com o texto de 1Co 2.9 numa releitura, na qual a salvação vem de Cristo: “... o que os olhos não viram, os ouvidos não ouviram e o coração do homem não percebeu, isso Deus preparou para aqueles que o amam”.
V. 4 – Juntamente com o reconhecimento da ira divina, há uma reafirmação de confiança na aproximação de Deus aos que guardam os seus caminhos e a sua justiça. Não há meias palavras no que tange ao reconhecimento de que Israel se desviou de suas veredas. Mesmo que o texto pareça corrompido e indique a impossibilidade de salvação (permanecer nos caminhos do pecado), é possível, por outro lado, entender como certeza que o povo permanecerá nos caminhos divinos e, por isso, a salvação está no horizonte do seu olhar.
V. 5 – O reconhecimento do pecado do povo continua, agora com mais ênfase do que no v. 4. Há uma confissão do pecado, classificado como imundície, pelo descumprimento dos caminhos de Deus. As ações positivas do povo não se direcionavam ao Senhor e por isso se comparavam a “um pano imundo”. Ele percebe que a exuberância de viver em comunhão com Deus havia murchado como folhas consumidas pelo inverno, folhas secas levadas ao vento, sem qual- quer importância ou significação. Israel está longe de Javé, não invoca mais o seu nome (63.19).
V. 6 – Faz uma explicitação daquilo que estava sendo afirmado no v. 5: Javé está sozinho, sem seguidores, pois ninguém invoca o seu nome. Ninguém mais se interessa por Javé. Não há mais invocação do seu nome, portanto ninguém mais se agarra a ele. Isso não é porque o povo o abandonou, mas porque o próprio Javé escondeu o seu rosto, assim como as pessoas reagiram diante do seu servo (53.3). Entenda-se que esse ocultar de Deus se dá porque a iniquidade se interpôs como abismo, separando-os e impedindo que Javé escutasse a voz do povo (59.2b). Por causa do seu pecado, o povo brada contra Javé, mas a causa está em sua própria desobediência (Dt 31.17). Por causa do afastamento de Javé, Israel fica à mercê de sua transgressão e vaga cambaleante nos caprichos de seu pecado. Esse versículo encerra o reconhecimento da iniquidade e as queixas do povo direcionadas a Javé, e, de certa forma, abre-se uma janela de expectativas.
V. 7 – Há uma nova confissão de fé que escancara o coração do povo: “tu és o nosso pai”. É a terceira vez que essa declaração aparece nessa oração de clamor e súplica: duas vezes em 63.16 e agora. O versículo inicia com uma partícula adversativa que dá ênfase às considerações anteriores de reconhecimento da transgressão e do afastamento de Javé (v.4-6). Essa é uma reação positiva que indica confiança no “pai” criador: a imagem que segue é a do barro e do oleiro – criatura e criador, tão caros à primeira parte do profeta (22.11; 27.11) e ao segundo Isaías (43.1; 7;21); isso aponta para a consciência de uma conexão próxima com o criador e a uma origem privilegiada; a insistência na primeira pessoa do plural aponta para a comunidade convergindo em Javé, buscando a misericórdia dele sobre o povo.
V. 8 – O v. 8 prossegue na mesma direção da comunidade que ora, implorando para que Javé não se demore em sua irritação. Faz uma retomada do v. 4b, no qual o lembrar-se de Javé transmuta-se no pedido para que a lembrança do pecado não se prolongue. Isso foi exaustivamente enfatizado no ato de arrependimento em v. 5b e v. 6b. Essa lembrança, retomada aqui, remete à primeira parte do salmo, no qual é evocada a lembrança de Javé em relação ao seu povo (63.1112). É notória a ambivalência entre o lembrar do povo e o deixar de lembrar as transgressões. O conteúdo da oração é um apelo para que Javé não se esqueça de que ele é o oleiro e o povo é a argila.
V. 9 – O conjunto das diversas estrofes deste salmo parece pressionar Javé. Aqui, o povo apela para que olhe a destruição das cidades santas, para o deserto no qual se tornaram, tal a dimensão das suas ruínas, com ênfase na cidade de Jerusalém. O lamento do povo prolonga-se no v.10 quando fala do Templo como algo que pertence ao povo e onde os antepassados haviam adorado Javé e encerra com um apelo angustiado através de duas questões quase acusatórias, coroando a súplica pela assistência divina.
3. Meditação
O Advento está próximo: uma luz no horizonte ilumina-nos e faz crescer a esperança. São momentos de preparação para celebrar a data que inaugura o novo tempo em Jesus Cristo. De novo a imagem das trevas que povoam os corações está por findar, a chegada do novo tempo será celebrada outra vez no Natal.
O principal critério para nos habilitar à presença restauradora de Cristo é o reconhecimento da iniquidade que infestou nosso existir. As luzes do mundo capitalista seduziram nossos sentidos. Olhos, ouvidos, olfato, tato e paladar inebriaram-se com as cores fantásticas dos mercados. Nosso andar parou diante das vitrines belamente enfeitadas como se fossem altares de adoração. Como se estivéssemos recitando uma prece, imaginamo-nos envoltos nas maravilhas da tecnologia contemporânea de última geração. A conectividade com as diferentes redes substituiu nossa conexão com Cristo. Perdemo-nos nas telinhas dos smartphones e nas veredas dos shoppings, agarrados ao último saldo de nosso cartão de crédito.
Agora, experimentamos o amargor da iniquidade que nos separa dos nossos queridos, pois fomos empurrados para extenuantes jornadas de trabalho para quitar os saldos negativos de todos os créditos que possuíamos. Não conseguimos mais tempo para brincar com nossos filhos nos finais de semana. Nossos amigos reclamam e nos acusam de ser workaholics, trabalhadores compulsivos.
Não vamos mais à igreja, e a nossa comunidade de fé reclama da nossa ausência. Estamos perdidos em meio a tantas tarefas para cobrir os saldos devedores de nossas compras: a iniquidade tomou conta de nós. As nossas relações, em nível familiar, de amigos e de comunidade de fé estão esfaceladas, porque estamos envoltos em nós mesmos e nas nossas intermináveis dívidas, pois aderimos aos deuses estranhos, aos ídolos do mercado.
Diante da luz que se aproxima, a escuridão de nossas vidas aparece na consciência. O tempo de afastamento da face de Cristo aparece como uma sombra sobre todos. Perante o desespero que nos separa dos outros e que nos afasta de Deus, somos levados a pensar naquele que tem seus sentidos aguçados para se sensibilizar com a dor e com o sofrimento. Ele não fechou os olhos nem fez ouvidos moucos para com o sofrimento de seus filhos e filhas. Agora, com a proximidade do Advento, contemplamos outra vez a sua face resplandecer sobre nós, dividindo e separando as trevas da luz. Cristo está a apontar um caminho de arrependimento, de conversão, de reencontro com a alegria de viver: com os amigos e amigas, com os irmãos e irmãs de fé, com os filhos e filhas, com a comunidade. Um caminho bem diferente daquele que nos empurrava para a solidão das quinquilharias e ídolos estranhos, mas muitos próximos do mercado capitalista mediado pelas tecnologias de informação contemporânea e por intermináveis redes sociais: verdadeiras bocas abertas dos novos mercados.
4. Imagem para a prédica
Prepare duas cenas bem diante do povo dentro do templo: uma composta por um Papai Noel bem grande rodeado de ofertas. Se for possível, coloque alguns produtos que ele oferece todos os dias nas vitrines dos shoppings, com placas de ofertas imperdíveis, com a primeira prestação só para depois do Natal, 50% off etc.; a outra, composta por alguma representação de Cristo, como a manjedoura, ou Maria e José, ou outra qualquer. Ao redor, tudo o que se relaciona com o reencontro com a família, com filhos, com amigos, com a comunidade da fé. Coloque algo que simbolize a alegria da convivência com as pessoas, longe da solidão dos eletrodomésticos, das redes sociais e dos aparelhos que nos reduzem a operadores de robôs digitais.
5. Subsídio litúrgico: Montagem do presépio
Prepare as peças com antecedência e reserve-as à entrada do templo. Após a prédica, convide toda a comunidade a montar o presépio num local que poderá permanecer até o Domingo da Manifestação. Comece com o Menino Jesus (ilho de Deus e Salvador), acrescente Maria (mãe de Jesus Cristo), José (pai de Jesus Cristo), manjedoura com palhas em um curral (local onde nasceu Jesus), burro e boi ou ovelhas (animais do curral representam a simplicidade do local onde Jesus nasceu), anjos (responsáveis por anunciar a chegada de Jesus), estrela de Belém (orientou os Reis Magos quando Jesus nasceu), pastores (representam a simplicidade das pessoas do local em que Jesus nasceu), Reis Magos (Melquior, Baltazar e Gaspar). Transforme esse momento litúrgico num ato pedagógico para mostrar às novas gerações que no Natal celebramos o nascimento de Cristo e não do Papai Noel.
Bibliografia
CROATTO, J. Severino. Isaías: a palavra profética e sua releitura hermenêutica. Petrópolis: Vozes, 2002. v. III.
GARIN, Norberto da Cunha. 1º Domingo após Pentecostes. In: Proclamar Libertação. São Leopoldo: Sinodal, 1996. v. 22.
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