Estamos quase ao final do ano civil. Ano muito difícil este que vivemos aqui e no mundo. A pandemia do coronavírus veio com toda a força e acabou com qualquer ilusão ou otimismo fácil. As promessas do mundo das mercadorias são vazias. A vida exige simplicidade, coerência e cuidado mútuo. Tivemos de nos voltar para o primordial. E aprendemos – mesmo a duras penas – que “a vida vale a pena se a alma não é pequena”, como escreveu o poeta português.
Mas no calendário das igrejas cristãs o tempo e a vida têm outras referências. Passamos pelo Dia de Finados, em que reverenciamos nossos falecidos e procuramos honrar sua memória. Veio então o último domingo do ano da igreja dedicado ao Cristo Rei. Que rei é este que celebramos e adoramos? Segundo a profecia, é um rei justo e amoroso (Isaías 9.6s), mas que se aproxima de nós de forma indireta, escondido no corpo e no sofrimento de quem passa fome, frio, doença, é migrante, estrangeiro ou encarcerado (Mateus 25.35s.). Se o reconhecemos nessas pessoas necessitadas de acolhimento e solidariedade, ele nos reconhecerá no último dia.
Vem então este primeiro domingo de Advento, para nós, o início de um novo ano. É desconcertante. Pois do Cristo Rei do Universo nós somos levados a reencontrá-lo novamente, mas não na sua glória cósmica, como se ele viesse glorioso dos céus feito filme cheio de efeitos especiais. A liturgia cristã – sabiamente – nos faz voltar os olhos das alturas para uma criança que vai chegar da forma mais humilde e impossível de entender, se levamos em conta a nossa imagem de Deus.
Advento nos convida a prepararmos casa, comunidade, corpo e coração para um encontro divino e humano com o mais pequeno, com o mais desprezado, com a fragilidade maior: uma criança que nasce numa estrebaria em meio a animais e palha seca que será chamada de Emanuel, filho de Deus, Salvador. Isto nos constrange a revisar nossas formas de enquadrar o Deus em quem cremos. Se Jesus – o filho de Maria e José – o carpinteiro de Nazaré é o Messias, algo precisa mudar em nossa mentalidade e forma de crer. Nós cremos nesta criança que nasce na manjedoura na maior insegurança e fraqueza. Contra o discurso do mundo, é esta a criança cuja vinda celebramos com grande alegria. Mas isto tem consequências. Pois dele aprendemos o amor, a misericórdia, a justiça, a verdade e a paz. Estas não são palavras vazias para Jesus, nem muito menos para nossas igrejas. Há que assumir que Advento nos chama para a conversão e o seguimento do menino de Belém. Ele ensinou: “Quem não receber o reino de Deus como uma criança, de maneira nenhuma entrará nele” (Marcos 10.15). Advento é chamamento para viver o amor que tudo sofre, tudo crê, tudo suporta, tudo espera. Advento nos chama para uma nova vida!