É tempo de se alegrar: um novo tempo começou. Estamos em 2022. É ano novo! Certamente, uma das coisas que mais desejamos é que 2022 seja – de fato – um ano novo.
Nossos dois últimos anos foram muito difíceis. Torna-se até difícil lembrar como era a vida antes da pandemia do covid-19. Nunca sequer imaginamos que iríamos passar por um tempo tão difícil, com isolamento, solidão e perdas. Certamente, carregaremos alguns traumas deste período. Somos humanos! Isso não poderia ser diferente. E como as pessoas fazem falta a nós.
Enfrentamos juntos um período de dificuldades. Elas nos lembram que ainda não estamos no Reino dos Céus e que enquanto vivermos neste mundo, somos responsáveis uns pelos outros – inclusive pela vida e bem-estar dos outros. Não devemos ser como Caim que respondeu a Deus “sou eu o responsável por meu irmão?” (Gênesis 4.9 NVI). Se pensarmos assim, Deus nos responderá: “O que foi que você fez? Escute! Da terra o sangue do seu irmão está clamando.” (Gênesis 4.10 NVI). Por isso, se queremos um ano novo e melhor que os anteriores, é preciso primeiro quebrarmos as barreiras que estão em nossos corações para que tenhamos maior consciência e amor ao próximo.
Já estamos em um novo ano. Ainda não sabemos como ele será. Não conhecemos nem mesmo o que vai acontecer amanhã, ou daqui uma hora, ou no próximo minuto... Não sabemos. O futuro é sempre misterioso. O que vai acontecer esse ano? Não fazemos ideia. Como diz o Mestre Yoda de Star Wars, minha saga favorita, “Difícil ver. Sempre em movimento o futuro está”1. O futuro é sempre um grande mistério. Mas, uma coisa é certa: ele sempre é resultado daquilo que está sendo feito no presente. Portanto, é no presente que temos a oportunidade de tentar mudar o futuro.
Um novo ano acabou de começar. O que será de nós? Que esperanças podemos ter para esse novo ano? Quais desafios iremos enfrentar?
O profeta Jeremias também enfrentou duras dificuldades. Também ele ansiava por um novo tempo. As coisas não iam bem para o povo de Deus. O povo de Judá decidiu confiar mais nas alianças com povos estrangeiros do que na Aliança do Senhor com eles desde Abraão. Judá estava afastada da presença do Senhor.
Pouco tempo antes de Jeremias, o rei Josias havia feito uma grande reforma política e espiritual. A partir da redescoberta da Lei de Deus, Josias governou com integridade diante do Senhor e do próprio povo. Porém, após a data da morte do rei Josias em 604 a. C., a nação de Judá se dividiu. Surgiram diversos partidos religiosos e políticos que acabaram dividindo e enfraquecendo a nação. Em vez de se unirem em torno da Aliança do Senhor, estavam mais interessados em se unirem às alianças partidárias e a defendê-las acima de qualquer coisa.
Desta forma, o povo estava cada vez mais afastado da presença de Deus. Mesmo sendo o povo escolhido, estavam cada vez mais perdidos. A fé sincera e verdadeira saiu, dando lugar a superstições vãs. Há quem acreditasse que pelo fato do Templo de Salomão estar edificado em Jerusalém, nenhum mal viria sobre eles. O lugar de culto deixou de ser um lugar de celebração para se tornar um lugar de vãs superstições. Werner Schmidt, um importante intérprete do Antigo Testamento, diz: “Jeremias denuncia a falsa sensação de segurança que o templo confere precisamente depois da reforma de Josias (Jr 7; 26)”2.
Em meio a tudo isso, havia também o profetismo falso que poderíamos chamar também de profetismo positivo e comparar com as atuais fake news. No meio do povo de Judá, havia profetas que não denunciavam os erros de suas autoridades e do povo. Ao contrário, estavam mais interessados na associação ao poder, o que os levava a esconderem a verdade. São profetas que não foram enviados pelo Senhor, mas que saiam espontaneamente em defesa das autoridades que – mesmo afirmando serem tementes a Deus – viviam afastados do Senhor. Pior que isso: afastavam com eles todo o povo.
O anúncio dos falsos profetas era positivo e bonitinho. Eles diziam que tudo iria ficar bem, que o povo não deveria temer o juízo de Deus e que não deveriam ouvir a voz de Jeremias (cf. Jeremias 23.17; 28.2ss). Os profetas positivos colocaram o povo facilmente em um perigoso estado de transe – ou de sonho –, fazendo-os acreditar em mentiras.
Por isso, Jeremias é chamado por muitos intérpretes da Bíblia de “o profeta chorão”. Ele é chamado assim por não temer expor seus sentimentos e preocupações sobre o futuro malconduzido do seu próprio povo. Nem as autoridades e nem o povo enxergavam a gravidade da situação espiritual em que se encontravam. E, por mais que Jeremias falasse, não havia ouvidos que o escutassem.
Porém, era Deus quem estava falando pela boca do profeta. Nós descobrimos isso ao lermos o chamado de Jeremias. Assim nos diz Jeremias 1.9-10: “Depois, o Senhor estendeu a mão e tocou na minha boca. E o Senhor me disse: “Eis que ponho as minhas palavras na sua boca. Veja! Hoje eu o constituo sobre as nações e sobre os reinos, para arrancar e derrubar, para destruir e arruinar, e também para edificar e plantar.” Desta forma, quando o povo deixou de ouvir a voz do profeta, deixaram de ouvir a própria voz de Deus. Era da voz do Deus da justiça que eles debochavam e ridicularizavam.
A autenticidade da profecia de Jeremias se demonstrou em 586 a. C., seu cumprimento, quando os babilônios invadiram Jerusalém, destruíram a cidade e arrastaram todo o povo para a Babilônia. Apesar dos avisos e das tentativas ousadas de Jeremias, o povo preferiu ouvir os profetas positivos, acreditando nas fake news que quase os varreram da história. Eles não aceitaram a mensagem de Jeremias por a considerarem dura demais e por acreditarem que ela não condizia com a realidade. Preferiam, assim, ouvir os profetas que possuíam uma mensagem mais leve e suave.
Talvez, isso continue acontecendo ainda hoje. Quem sabe, muitos espaços ficam cheios quando a pregação, mensagem ou palestra é sobre o potencial humano, sobre acreditar que é possível ou outras coisas. Hoje, está na moda os profissionais coach que são muito similares aos falsos profetas de Judá. Há poucos dias, assisti ao filme “Sim, Senhor!” cujo ator principal é Jim Carrey que interpreta o personagem Carl Allen. Carl estava com a vida destruída. Havia se separado da mulher e suas finanças não iam nada bem. Então, Carl assiste a uma palestra de Terrence Bundley, um palestrante coach e positivo. Terrence prega que a solução para todos os problemas da vida está em eliminar a palavra “não” do vocabulário e no assumir a atitude de dizer “sim” para todas as coisas. Carl, então, começa a dizer “sim” para tudo o que lhe pediam. Na primeira noite, isso é bem difícil. Em seguida, as coisas se tornam mais fáceis e parece haver resultado. Até que Carl chegou ao ponto em que sua namorada não sabia se ele dizia sim por que queria ou porque estava cumprindo apenas um protocolo. Por causa disso, Carl enfrenta uma grande crise de identidade. Ele deixou de saber quem era e perdeu a noção sobre si mesmo. Enfim, não contarei o restante do filme. Se alguém quiser assistir, ele está disponível no Netflix.
Os falsos profetas de Israel diziam sim para tudo o que suas autoridades faziam, mesmo que aquilo fosse completamente contraditório aos ensinamentos de Deus. O mais grave era que as autoridades usavam o nome de Deus em benefício próprio. Jeremias foi um profeta ousado ao dizer não ao que os reis estavam fazendo, ao dizer não ao povo, ao dizer não àquilo que é contrário à Lei de Deus. Por causa disso, ele sofreu muito. Falar da verdade pode trazer muito sofrimento. Hoje, é muito fácil cancelar alguém nas redes sociais só porque pensa diferente a respeito de algum assunto. Porém, uma certeza tenho: se o ensino está trazendo sofrimento, é porque provavelmente está cutucando em áreas que precisam de mudança. Assim como Jeremias, não temo o sofrimento por anunciar o que diz a Palavra e denunciar aquilo que vai contra a Palavra de Deus, seja atualmente, sejam naqueles que já passaram pelo governo ou nos que ainda virão a assumi-lo. Falar da verdade é sofrimento! Assim foi para Jeremias e assim continua sendo a todos os verdadeiros profetas que esclarecem com conhecimento a Palavra de Deus.
Como o povo não escutou a voz de Deus pela boca do profeta, o exílio não pôde ser evitado. Eles foram arrastados para a Babilônia. O Templo de Jerusalém – que havia se tornado um grande lugar de vãs superstições e vã fé – foi completamente destruído. O povo de Deus perdeu completamente a sua identidade como nação: não tinham lugar de culto, não tinham suas terras, não eram autônomos. Jeremias falou, falou e falou..., Mas não foi ouvido. Agora, o povo precisa aceitar as consequências das suas próprias ações, as consequências de não terem se arrependido a tempo. Agora, serão purificados através do exílio, assim como seus antepassados que tiveram que ficar andando em círculos no deserto por quarenta anos até entrarem na terra prometida.
Isso vale muito para nós. É preciso ouvir a voz de Deus, antes que seja tarde demais. É preciso aceitar o seu chamado ao arrependimento. É preciso deixar que ele mude e transforme as nossas vidas. A Palavra é sempre para nós mesmos e não para os outros. É muito fácil pensarmos “ah se tal pessoa ouvisse a pregação hoje”. Nunca faça isso! A pregação é para você. É com você que Deus está falando. Se ele quiser falar com a outra pessoa, ele é Deus e encontrará meios para isso. Precisamos parar de ouvir a Palavra para os outros para que – ao a ouvirmos para nós mesmos – sejamos transformados pelo arrependimento diário.
Mas Jeremias não permanece apenas com uma mensagem de juízo, castigo e terror. Ele é um profeta com o coração cheio do amor de Deus. Jeremias não pôde evitar o juízo de Deus ao povo, mas pôde falar de esperança àqueles que estão sofrendo por causa do castigo. É nesse contexto que surge o capítulo 31. Temos aqui uma mensagem de consolo para todo o povo de Deus. O Senhor não abandonou o seu povo. Por meio do profeta, Deus traz ao povo uma palavra de alento, consolo e esperança. Jeremias não é o porta-voz das autoridades, mas da Palavra de Deus. O profeta anuncia a chegada de um tempo de refrigério. Eles irão se arrepender de suas falhas. Isso trará mudanças.
Por causa disso, o Senhor anuncia: “Proclamem, cantem louvores e digam: ‘Salva, Senhor, o teu povo, o remanescente de Israel” (Jeremias 31.7b). Eles vivenciaram um tempo bastante difícil. Sofreram muito. Mas então vem a promessa do Senhor: “Eis que eu os trarei da terra do Norte e os congregarei das extremidades da terra” (Jeremias 31.8a). Agora o povo está espalhado, mas será reunido novamente. Eles voltarão à sua terra. Reconstruirão a sua nação. Haverá um novo tempo para todo o povo.
Não apenas os fortes e capazes serão chamados. Deus não elimina os fracos. Deus não quer criar uma raça perfeita para sua nação. Não! O Senhor diz pela boca do profeta: “Entre eles estarão também os cegos e aleijados” (Jeremias 31.8b). Não! Eles não serão abandonados. Há lugar para eles na nova nação. O Reino de Deus é tão inclusivo que os modernos Direitos Humanos foram inspirados nestes princípios bíblicos. Quem exclui alguém não está correspondendo ao Reino de Deus. Porém, infelizmente, “Num mundo de exclusão, quem é contra a exclusão é excluído”3.
Além disso, entre eles estarão também “as mulheres grávidas e as que estão para dar à luz” (Jeremias 31.8c). A nova geração não irá nascer em um lugar desconhecido, mas na sua própria terra e dentro do seu próprio povo. As mulheres não terão seus filhos para serem estrangeiros na Babilônia, mas para serem cidadãos do seu próprio país. Eles irão voltar para casa. Eles “virão com choro, e com súplicas os levarei; eu os guiarei aos ribeiros de águas, por um caminho reto em que não tropeçarão, porque sou pai para Israel e Efraim é o meu primogênito” (Jeremias 31.9). Em meio ao sofrimento por não terem ouvido a voz de Deus a tempo, o Senhor manifesta a sua graça ao povo. Estarão todos juntos. O Senhor diz: “Transformarei o seu pranto em júbilo e os consolarei; eu lhes darei alegria em vez de tristeza” (Jeremias 31.13b). Haverá felicidade novamente para o povo de Deus. Não foram esquecidos e abandonados, mas continuam vivos na lembrança de Deus que agora lhes promete a abundância.
Mas, o que isso significa para nós hoje? Acredito que podemos tirar duas lições muito importantes, além de tudo o que já ouvimos:
1) Consolo: Quem sabe, estamos iniciando o novo ano com muitas lágrimas em nossos rostos e com muito sofrimento por causa das pessoas que perdemos ou por outras situações diversas que tem acontecido em nossas vidas. Para quem chora, Deus está dizendo: Calma. O tempo da alegria está chegando. O tempo das lágrimas vai passar. Confie em mim. Sou o seu Deus e te amo profundamente. No ano novo, recebamos o consolo de Deus que nos abraça com carinho e amor;
2) Cristo: Judá tinha Cristo apenas em promessa. Nós já o temos em cumprimento. Assim nos diz Agostinho de Hipona, um sábio Pai da Igreja:
Ó Igreja feliz! Ouviu em determinada ocasião, e em outra viu. Ouviu em promessa, vê na realidade; ouviu em profecia, vê no evangelho. Agora cumpre-se tudo o que foi profetizado. Ergue os olhos, portanto, percorre o mundo com o olhar; vê o povo herdeiro, até nos confins da terra; vê o cumprimento da palavra.4
Deus já veio a nós em Jesus. Morreu na cruz em nosso lugar para que busquemos o verdadeiro arrependimento. Subiu aos céus, mas não nos deixou sozinhos. No dia de Pentecostes, enviou juntamente com o Pai o Espírito Santo – o Consolador – que nos acompanha em nossas fraquezas. Se Judá já era consolada apenas pela expectativa do Messias, quem dera nós que já testemunhamos o seu cumprimento.
Portanto, é tempo de alegria. Deixe o Senhor enxugar as tuas lágrimas. Deixe o Espírito Santo te consolar e te dar esperança em teu sofrimento. Deus pode transformar o pranto em júbilo, como prometeu por meio do profeta. Ouçamos a voz de Jesus e saibamos a distinguir das vozes dos falsos profetas deste mundo. A voz de Jesus é mansa e suave.
Deus está falando com você nesta manhã. Receba seu consolo e abraço. Amém
2º DOMINGO APÓS NATAL | BRANCO | CICLO DO NATAL | ANO C
02 de Janeiro de 2022
P. William Felipe Zacarias
1 GLUT, Donald F. “Star Wars: O Império Contra-Ataca”. in: GEORGE, Lucas. Star Wars: a trilogia. Rio de Janeiro: DarkSide Books, 2014. p. 318.
2 SCHMIDT, Werner H. Introdução ao Antigo Testamento. São Leopoldo: Sinodal, 1994. p. 239.
3 KIVITZ, Ed Rene. “Sobre o meu desligamento da Ordem dos Pastores Batistas do Brasil/SP”. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=m2ivGEMK2rE>. Acesso em: 30. dez. 2021.
4 AGOSTINHO, Aurélio. Comentário aos Salmos. São Paulo: Paulus, 1997. p. 702