Advento - Natal - Epifania



ID: 2655

1 Coríntios 6.12-20

Auxílio Homilético

18/01/2015

Prédica: 1 Coríntios 6.12-20
Leituras: João 1.43-51 e 1 Samuel 3.1-10 (11-20)
Autor: Manfredo Siegle
Data Litúrgica: 2º Domingo após Epifania
Data da Pregação: 18/01/2015
Proclamar Libertação - Volume: XXXIX

Corpo como templo do Espírito Santo

1. Introdução

1.1 – O texto

Eis aí um dos poucos textos bíblicos que focalizam o corpo (ele é templo do Espírito Santo) na dimensão integral e, em especial, na perspectiva da sua sexualidade. 1Co 6.12-20 faz descobrir vários eixos: 1) O v. 12 sublinha, por um lado, a prática da liberdade, por outro lado, vincula a liberdade à confiança em Jesus Cristo (v. 15). Cristãos são pessoas livres porque pertencem a Cristo. O conceito de liberdade cristã sugere um movimento: é liberdade de algo... direcionada para outras realidades e situações... 2) O apóstolo Paulo faz um balanço de quem será herdeiro do reino de Deus e quem dele está excluído. 3) O autor do texto apela com insistência para que pessoas cristãs vivenciem a fé em Cristo mediante o cuidado do corpo (soma). 4) O corpo é digno de cuidado porque ele é o templo do Espírito Santo (v. 19). Apesar das limitações, dos defeitos e das falhas que nossos corpos podem apresentar, Deus Criador valoriza o corpo. A passagem bíblica situa-se sob o “guarda-chuva” da liberdade cristã e aponta para imperativos éticos de uma vida livre conforme “os frutos do Espírito”.

O texto complementar no Novo Testamento sublinha o chamado de duas pessoas: Filipe e Natanael (Jo 1.43-51). Cristo Luz é incisivo no convite para segui-lo: Venha ver! Venha comigo! Afirmo: vocês verão o céu aberto e os anjos de Deus subindo e descendo sobre o Filho do Homem.

O texto do Antigo Testamento (1Sm 3) focaliza o chamado de Samuel, auxiliar do sacerdote Eli. Deus o chamou, desde menino, para ser profeta. Tornou-se um grande líder em Israel; caberá a ele unir as tribos de Israel em busca de uma resistência comum. A tarefa de Samuel consistia em reavivar política e espiritualmente a nação israelita. Quando pessoas são vocacionadas, acontece a liberdade para servir e cooperar na missão libertadora de Deus.

1.2 – O domingo

Os textos em pauta servem de base e motivação à prédica no 2º Domingo após Epifania. Epifania, o que vem a ser? Deus tornou-se pessoa humana, e todo o mundo deve tomar conhecimento! O cheiro do Natal continua no ar, e o evento litúrgico recorda a revelação de Jesus Cristo. Pessoas confiantes na Luz do mundo, que se colocam a caminho em razão do chamado ao discipulado, vivem da expectativa de encontrar novos referenciais para suas vidas. Não raro encontram esses referenciais, tais como liberdade, vidas em comunhão, clareza de objetivos e portas abertas que dão um novo sentido às existências.

1.3 – Boca no trombone

Os meios de comunicação social em nosso país são ricos em criar títulos e palavras de efeito. Para exemplificar, nesses dias me deparei com um título bem chamativo: “Pacto mofado”. Também na visita do papa Francisco I, durante a Jornada Mundial de Juventude em 2013, foi divulgada uma frase bem conhecida, dita pelo primaz da Igreja Católica Romana: “O papa é argentino, mas Deus é brasileiro”. O apóstolo Paulo não esteve tão em alta nos meios de comunicação do seu tempo, mas um conceito-chave lhe era de grande valia existencial: graça. Paulo, o apóstolo, viveu a graça de Deus, sentiu-se um agraciado e, por causa da graça divina, um enviado comprometido com o anúncio da reconciliação e da salvação imerecida. O apóstolo foi uma pessoa inspirada para formular belas palavras em suas cartas, assim como extrapolou sentimentos, tornando-se polêmico, duro e raivoso. Os argumentos focados em 1Co 6.12-20 demonstram o seu desapontamento em relação às atitudes libertárias em Corinto. Ele botou a boca no trombone. O apóstolo martela a consciência dos coríntios, minada por um “orgulho espiritual”.

O que acontecia na cidade? Pessoas que se agregaram à comunidade de Corinto deturparam a mensagem da ressurreição de Cristo. Pressupunham que o reino de Deus já se manifestara em sua plenitude. A vida do presente, assim como a exigência ética de relacionamento interpessoal, deixou de ser relevante. Nesse contexto, o apóstolo Paulo, preocupado com a justificação por causa de Jesus Cristo, alerta os coríntios, entre outros abusos, para resistir às orgias sexuais, em especial frente à prática da prostituição.

2. Exegese / Meditação

Situamos o texto no contexto do “catálogo dos vícios”. Paulo adverte os crentes em Corinto para que fujam do mal (1Co 6. 9-11), evitem a imoralidade, a porneia (1Co 5.1s; 6.9); ele não detalha os delitos maldosos em si, antes focaliza as pessoas que os praticam. Nos capítulos 1 a 4, o apóstolo questiona as divisões na comunidade de Corinto; nos capítulos 5 e 6, o autor denuncia a imoralidade. Em discussão está, em especial, a prostituição. A cidade portuária de Corinto oferecia um largo espaço para que ambições eróticas e sexuais e a imoralidade sexual fossem concretizadas a bel-prazer. Os prostíbulos da cidade eram bem visitados, prática justificada em razão do conceito deturpado de liberdade. “Eu posso fazer tudo o que quero.”; “Posso sim, mas nem tudo convém” (v. 12 e 13). Comida e sexo seriam coisas mundanas e, por isso, desprezíveis. Os coríntios exercitam um espiritualismo aéreo, influência da filosofia gnóstica. Paulo abriu os olhos dos coríntios para permanecer “com os pés no chão”. O pensamento gnóstico moldou o conceito de liberdade. O dualismo antropológico levou a desconsiderar o corpo em contraposição ao espírito. Para o apóstolo Paulo, toda ação divina tende a manifestar-se na corporeidade humana. O desprezo ao corpo manifestou-se entre os coríntios, tanto no desprezo da alimentação (1Co 6.13) como na imoralidade sexual. O corpo em sua dimensão integral merece dignidade e não existe para ser corroído pela imoralidade. Aos olhos da fé é questionável quando se perde de vista o próximo, assim como a comunhão comunitária.

O apóstolo Paulo é defensor ardente da liberdade cristã. Interpreta, porém, a liberdade como dom de Deus; sou livre, mas nem tudo convém. Sentiu-se pessoa livre, compreendeu, porém, a liberdade vinculada a Jesus Cristo. Somos livres porque pertencemos a Jesus Cristo. A nova espiritualidade não é fruto de algum poder mágico; o Batismo é o divisor de águas. O indicativo de Deus é a pedra angular que fundamenta a prática da vida cristã. A pessoa batizada é chamada a viver a nova dignidade humana. “A vida nova acontece não para merecer o Reino de Deus, mas é vida de acordo com a promessa do Reino.”

O autor foi incisivo ao lembrar que a graça de Deus confere liberdade e, simultaneamente, compromete a vida em fidelidade ao Batismo e ao evangelho. O apóstolo argumenta que a vida de fé não é somente expressão do coração piedoso, mas é também expressão do corpo (soma), é crer com o corpo. Paulo enfatiza a relação dialética entre liberdade e serviço. Quem segue na “luz de Cristo” assume a postura de “filho e filha da luz; o fruto da luz é bondade, justiça e verdade” (cf. Ef 5.8-9). É luz que se torna visível e concreta em vida de amor. Vida, sob o eixo da graça de Deus, conduz à tolerância, com argumentos. E, por causa do Batismo, conduz à nova obediência (Rm 6.12ss). A nova obediência deve estar encarnada e ser vivida com o corpo, antecipação da ressurreição corpórea dos mortos. Faz sentido sublinhar que o “corpo é templo do Espírito Santo”.

No v. 14, Paulo usa o pronome “nós” quando define o conceito corpo (soma). O corpo que ressuscitará não pode ser desprezado pela libertinagem. É Cristo, pela fé, que se apodera do nosso corpo, tomando-o a seu serviço.

Nos v. 15 a 18, o apóstolo tem em mente Gn 2.24: “tornando-se os dois uma só carne”. A união com a meretriz promove a comunhão íntima de corpos; em consequência é pessoa que deixou de viver a unidade com Cristo. A postura de Paulo não nega a prática da vida sexual; alerta, no entanto, para que “se fuja da imoralidade” (cf. v.18a). No capítulo seguinte, o apóstolo anuncia que o sexo não deixa marcas negativas, tampouco prejudica a relação com Cristo, o Senhor (7.2s).

Conforme os v. 19 e 20, “o corpo é templo”, domicílio do Espírito Santo, lugar de culto e de adoração. O que valoriza a convivência na comunidade cristã é a relação filial com Deus e tem como referencial o mandamento do amor. Jesus Cristo, o crucificado e ressuscitado, resgatou a relação filial. Para o apóstolo, ser propriedade de Deus equivale a ser chamado à nova obediência, em não encontrar mais segurança em si mesmo. Embora humana, sendo membro do corpo de Cristo, a pessoa cristã é propriedade de Deus. Paulo não reconhece “homem forte” (cf. Rm 8.26; 1Co 1.27; 4.10s; 2Co 12.10). Persistem os conflitos terrenos; a superação do poder do pecado e da vivência das nossas limitações acontecerá, em esperança, quando Cristo reinará e Deus será tudo em todos (1Co 15.25ss.).

3. A caminho da prédica

3.1 – O corpo-templo

Diante de mim observo a fotografia de uma pessoa idosa: 85 anos de vida. A foto é chocante e atraente ao mesmo tempo. A idade avançada resultou em marcas sem dó: a moldura dos olhos realça tecidos flácidos e incontáveis rugas; os olhos e o rosto enrugado aparentam cansaço. A fotografia reflete uma vida passageira, indica para uma realidade que vai muito além do culto à beleza e do culto à eterna juventude. O ser humano velho, gasto e fragilizado pelos anos corrige as imagens da mídia focada na estética para atrair, consumir, gerar suspiros e para vender. É possível dar amor a uma pessoa velha, marcada por flacidez ou pela experiência de décadas de vida, de trabalho, de conflitos? Quando espelhamos nossa própria vida naquela imagem da pessoa gasta, como fica o amor-próprio? Permanece o amor-próprio, continuamos a nos amar assim como somos no espelho de uma vida a indicar transitoriedade e sujeita às marcas do tempo e do peso de muitos anos? Para humanos pode ser um exercício difícil, para Deus é diferente. “Será que vocês não sabem que o corpo de vocês é templo do Espírito Santo?” O apóstolo alerta que nosso valor independe das capacidades intelectuais, físicas ou espirituais. Também não é o corpo escultural, a estética que nos torna dignos do amor. A dignidade humana nasce do profundo amor que Deus dá e depende dos olhos bondosos mediante os quais Deus nos enxerga, valoriza e nos conduz pela vida. Apesar dos limites, embora imperfeitos e passageiros, Deus faz brotar da vida humana sinais significativos a resultar em confiança, amor, esperança e equilíbrio.

Ó humano, a velhice pode colher a tua arcada dentária, embaralhar a boa memória, comprometer as tuas capacidades. De uma coisa não deverás abrir mão: sentimento sem preço – tu és sempre pessoa humana!

3.2 – Existência em compartimentos

Aconteceu numa transmissão da TV. Na bancada de entrevistas, um grupo de senhoras jovens, dançarinas sensuais contratadas por uma casa noturna, algumas casadas, outras levando vida em parceria, foram perguntadas se os parceiros não demonstravam ciúme. Unânimes responderam que não era o caso. Continuaram dizendo: O que acontece no palco é show, entretenimento, dançamos para ganhar dinheiro. Sentimentos que pudessem gerar ciúmes estão descartados. Os parceiros presentes na entrevista dividiram a mesma opinião afirmando: De fato, não há nenhuma razão para ciúmes. No mundo artístico, nos shows da vida, nas casas noturnas, é grande a liberdade para a exposição dos corpos, gerando ambições eróticas e movimentando a indústria do prazer. É a realidade do cotidiano caracterizado como normal no show business.

O fato apresentado revela a dicotomia entre o mundo do palco, do negócio e a realidade dos sentimentos fora desse ambiente. Por um lado, o corpo instrumento de trabalho; por outro, os sentimentos como se estivessem localizados em outro compartimento. Será possível levar uma existência dupla sem que a estrutura da personalidade sofra prejuízo? A resposta do apóstolo Paulo é contundente: Não, não é possível! O apóstolo investiu intensivamente no anúncio e na prática da liberdade cristã. “Para a liberdade foi que Cristo nos libertou” (Gl 5.1a). Havia membros da comunidade que direcionavam o evangelho somente para a alma, sem que tivessem a preocupação com a materialização da fé, com atitudes éticas coerentes. Verdadeira liberdade, afirma o apóstolo, é fruto do evangelho de Cristo. Somos livres porque pertencemos a Cristo. O corpo é templo do Espírito Santo. Os alimentos, o corpo e a sexualidade, a realidade do prazer, assim como a política, a economia, a justiça humana, devem estar no foco da ação evangélica. O ser humano não tem corpo, ele é corpo e esse pertence por inteiro a Cristo. Não existem pessoas cristãs demissionárias do mundo e da responsabilidade para com o mundo. Conhecidas são as frases de Lutero inspiradas na teologia paulina: “O cristão é livre senhor e a ninguém submisso, simultaneamente, é servo de todos e submisso a todas as pessoas. Pela fé, ele se relaciona com Deus, no céu, pelo amor ele retorna ao mundo terreno”. O evangelho de Jesus Cristo liberta da “miopia teológica” sempre que tentarmos reduzir a nossa argumentação moral e ética a partir de alguns textos bíblicos. O alerta procede da teologia paulina: “Mas, seguindo a verdade em amor, cresçamos em tudo naquele que é a cabeça, Cristo” (Ef 4.15).

4. Subsídios litúrgicos

Lema:

“Andai como filhos da luz porque o fruto da luz consiste em toda bondade, e justiça, e verdade”. (Ef 5.8b e 9)

Saudação e louvor:

Salmo 85.9-14

Confissão dos pecados:

Ó Deus, ao mundo é dada a liberdade de viver o teu amor e a tua alegria para com a humanidade e com a criação. Confessamos, porém, nossa falta da alegria e ausência do amor. Assumimos inúmeras tarefas, é difícil vencê-las. O sentimento que passamos é de uma vida aprisionada; as nossas ações não correspondem à exigência do evangelho. Sentimos limitações em amor-próprio, deixamos de amar as pessoas que caminham conosco. Alimentamos o ciúme; sentimos frustrações e sofremos sob o desespero. Rogamos, ó Deus: permite que possamos redescobrir a tua proximidade, que anima e reconcilia. Tem misericórdia conosco e perdoa a nossa insatisfação.

Oração do dia:

Deus, deixamos o agito da semana para trás. Viemos para cá em busca de um oásis, onde encontramos o alimento que nos satisfaz e anima. Dá-nos novas forças e a orientação do evangelho! Abre nossos olhos para que vejam não só o que é pesado, difícil e preocupante. Que nos tornemos sensíveis ao belo, à alegria, à esperança que abre novos caminhos. Em nome de Cristo. Amém.

Intercessões:

(Introdução) “Agradecemos, Deus, o privilégio de somarmos na tua comunidade. Obrigado pelos raios da bênção e da luz que iluminam os nossos caminhos...”
Obs.: A partir dessa introdução, poderão ser formuladas intercessões concretas, abordando nomes, identificando assuntos e situações atuais que correspondam à realidade local e além-fronteiras.

(No final) “Deus da misericórdia, obrigado pela sensibilidade aos clamores; os nossos pedidos não são em vão, de ti partem respostas e ações. Tu és o Deus da bênção, do amor, da esperança, hoje e sempre. Em nome de Jesus Cristo. Amém.”

Bibliografia

BRAKEMEIER, Gottfried. 1ª Carta do Apóstolo Paulo à Comunidade de Corinto. São Leopoldo: Sinodal, 2008.
HERRMANN, Arnd. Werkstatt für Predigt und Liturgie, cadernos 5+6, Julho/ Agosto. Aachen: Bergmoser+Höller Verlag, 2006. p. 227-234.
KÄSEMANN, Ernst. Perspectivas Paulinas. São Paulo: Edições Paulinas, 1980.


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Autor(a): Manfredo Siegle
Âmbito: IECLB
Área: Celebração / Nível: Celebração - Ano Eclesiástico / Subnível: Celebração - Ano Eclesiástico - Ciclo do Natal
Natureza do Domingo: Epifania
Perfil do Domingo: 2º Domingo após Epifania
Testamento: Novo / Livro: Coríntios I / Capitulo: 6 / Versículo Inicial: 12 / Versículo Final: 20
Título da publicação: Proclamar Libertação / Editora: Editora Sinodal / Ano: 2014 / Volume: 39
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Auxílio homilético
ID: 34518

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