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ID: 2655

1 Coríntios 1.10-18 - 3° Domingo após Epifania - 22/01/2023

Auxílio Homilético

22/01/2023

 

Prédica: 1 Coríntios 1.10-18
Leituras: Isaías 9.1-4 e Mateus 4.12-23
Autoria: Paulo Roberto Garcia
Data Litúrgica: 3° Domingo após Epifania
Data da Pregação: 22/01/2023
Proclamar Libertação - Volume: XLVII

 

Quando lideranças são mais importantes que Cristo

1. Introdução

A fé cristã, herdeira da Bíblia judaica, nosso Antigo Testamento, vive em torno da expectativa da consolidação do Reino de Deus. Desse modo, o texto de Isaías 9.1-4 anuncia a esperança em torno da luz que irá brilhar nas trevas. O texto de Mateus 4.12-23 retoma essa promessa e anuncia a concretização da esperança, que se dá com o início do ministério de Jesus. Ou seja, Jesus e seu ministério são o centro do anúncio e da fé da comunidade de seus seguidores e seguidoras. Porém, quando lemos o texto de Paulo aos coríntios, encontramos a comunidade vivendo na contramão dessa expectativa e desse cumprimento. De repente, Cristo já não é mais o centro da vida de fé de grupos da comunidade, afinal, eles passam a se identificar como aqueles que são de Paulo, Apolo, Pedro e Cristo. Isso gera divisões e, na perspectiva paulina, isso se constitui em um afastamento dos paradigmas da fé e acaba por invalidar a cruz de Cristo.

Nossa perícope, então, vai questionar essa prática e, mais do que isso, a reprodução dos critérios de honra e vergonha do mundo dominado por Roma e apontar caminhos diferentes para a vida de fé dos seguidores e seguidoras de Cristo. Esse é o desafio de mudança que nossa perícope apresentará.

2. Exegese

A igreja de Corinto era uma igreja dividida. Essa afirmação é um consenso na leitura dessa carta de Paulo. Também se têm mapeado as diversas tendências que havia na igreja: cristãos judaizantes (os de Pedro); cristãos helenistas elitizados (os de Apolo); cristãos helenistas das classes mais pobres (os de Paulo) e cristãos helenizados influenciados pelos cultos de êxtase (os de Cristo). O último grupo é o mais complicado na pesquisa; quanto aos demais há um consenso. A novidade na pesquisa, hoje, não se dá em torno do pensamento desses grupos, e sim por que eles se formam. Por que se consegue perceber tão claramente grupos que se organizam em torno de nomes de lideranças em que pelo menos de uma delas – Pedro – não se tem nenhuma informação de sua presença em Corinto? Como pessoas se identificam com uma liderança que não é parte do cotidiano da comunidade? Aqui temos o fio condutor que pode nos ajudar a pensar nesse texto e a encontrar caminhos e desafios para as comunidades cristãs hoje.

a) Líderes e seguidores: escolas cristãs?

O mundo greco-romano era caracterizado por escolas que se formavam em torno de filósofos. Essas escolas eram apresentadas como algo estruturado, com características que as distanciavam dos movimentos internos do cristianismo primitivo. Porém, em algumas linhas de pesquisa, se apontam que mesmo não tendo as estruturas formais das escolas consolidadas, há uma tendência de se formarem agrupamentos em torno de pensamento de líderes que determinam a concepção de pertença ao movimento. Ou seja, a pluralidade de movimentos no cristianismo primitivo tem também nas figuras das lideranças carismáticas um elemento catalizador de identidades cristãs. É comum, inclusive, falar em “cristianismos originários” para marcar essa pluralidade. Nossa perícope de 1 Coríntios nos apresenta essa pluralidade dentro de uma mesma comunidade (ou um conjunto de comunidades dentro da cidade de Corinto).

Deste modo, ao se falar em “Eu sou de Paulo”, “Eu sou de Apolo”, “Eu sou de Cefas”, “Eu sou de Cristo”, encontramos códigos de pertencimento que definem o que é ser cristão para cada um desses grupos. Ou seja, desenvolve-se uma identidade que determina a forma de ser, de um lado, e a negação das outras formas de se viver a fé, de outro. Isso gera o conflito.

Frente a esse conflito, nosso texto reflete sobre como superar as divisões. Aqui temos não apenas um desafio para a unidade, mas uma discussão sobre a organização das comunidades cristãs. Poderemos perceber isso ao trabalhar com o texto.

b) A perícope

O texto está estruturado da seguinte forma:

Tema da súplica: unidade (v. 10)
V. 10 – Irmãos, pelo nome de nosso Senhor Jesus Cristo, peço-lhes que todos estejam de acordo naquilo que falam e que não haja divisões entre vocês; pelo contrário, que vocês sejam unidos no mesmo modo de pensar e num mesmo propósito.

Realidade da comunidade (v. 11-13)
V. 11 – Pois, meus irmãos, fui informado a respeito de vocês por alguns membros da casa de Cloe de que há brigas entre vocês.
V. 12 – Refiro-me ao fato de cada um de vocês dizer: “Eu sou de Paulo”, “Eu sou de Apolo”, “Eu sou de Cefas”, “Eu sou de Cristo”.
V. 13 – Será que Cristo está dividido? Será que Paulo foi crucificado por vocês ou será que vocês foram batizados em nome de Paulo?

O propósito da vida de fé (v. 14-18)
a) não para batizar (v. 14-17a)
V. 14 – Dou graças a Deus por não ter batizado nenhum de vocês, exceto Crispo e Gaio,
V. 15 – para que ninguém diga que vocês foram batizados em meu nome.
V. 16 – Batizei também a casa de Estéfanas. Além destes, não me lembro se batizei algum outro.
V. 17a – Afinal, Cristo não me enviou para batizar,

b) e sim para pregar o evangelho (17b-18)
V. 17b – mas para pregar o evangelho, não com sabedoria de palavra, para que não se anule a cruz de Cristo.
V. 18 – Certamente a palavra da cruz é loucura para os que se perdem, mas para nós, que somos salvos, ela é poder de Deus.

O texto inicia com uma exortação (literalmente: Eu vos exorto, irmãos, pelo nome do nosso Senhor Jesus Cristo). Ao abrir com essa expressão, nossa perícope se insere nos gêneros de textos exortativos, que tinham a finalidade de corrigir os erros das comunidades ou de apontar caminhos. Ou seja, nossa perícope aponta um problema da comunidade que precisa ser corrigido. O problema não é apenas a falta de unidade. O problema é que essa divisão se dá em torno de figuras importantes do cristianismo primitivo: Paulo, Apolo, Pedro e até o próprio Cristo.

Ou seja, o que era para ser um movimento que caminhava em torno de Cristo, sem um grupo se achando os únicos que faziam isso, a comunidade de Corinto apresentava as marcas de divisões nas quais lideranças do movimento passavam a conferir identidade a determinados grupos.

A exortação aparece não apenas por aquilo que já é comum encontrar nas pesquisas e que mencionamos acima sobre as características do grupo. Aqui temos lideranças do movimento sendo definidas como modelo de vida de fé. Nesse ponto, a argumentação de Paulo denuncia os desvios dessa prática.

Em primeiro lugar, Paulo faz uma afirmação estranha ao cristianismo: Cristo não me enviou para batizar. É lógico que ele faz uma prestação de contas para a comunidade de quem ele batizou. Mas por que Paulo faz uma afirmação dessas? O batismo, como uma marca de ingresso na comunidade das famílias alcançadas pelo evangelho, será uma característica muito valorizada no cristianismo primitivo, e o é até hoje. Nesse ponto, é preciso entender que Paulo não foi enviado para batizar como objetivo último de seu chamado. Ou seja, batizar para ter seguidores batizados por ele. O grande objetivo é anunciar o evangelho. O batismo é em nome de Cristo, que foi crucificado por todos. Nenhuma liderança pode ocupar esse lugar que é de Cristo.

Em segundo lugar, Paulo, ao anunciar o seu chamado, acrescenta que sua pregação não é com sabedoria de palavra. Novamente uma expressão estranha. Por que questionar uma pregação que tenha “palavras de sabedoria”? Novamente, uma crítica a um mundo em que as pessoas eram valorizadas pela eloquência. Plínio, o Jovem, em uma carta para Titínio, afirma: “E ainda, estou bastante satisfeito com a fama que a história sozinha me promete. Pois da oratória e da poesia só se colhe uma pequena recompensa, a menos que nossa eloquência seja realmente de primeira classe”. As pessoas com uma oratória respeitável (como Apolo) tinham um respeito muito grande, eram acolhidas nas cidades por patronos que financiavam esses oradores. Paulo afirma, em 2 Coríntios 11.5, que a única coisa que o diferenciava dos “superapóstolos” era que ele não foi pesado para a igreja. Ou seja, as pessoas mais estimadas eram financiadas pela igreja. Nesse segundo ponto, o anúncio de Cristo não é para gerar prestígio, senão, isso invalida a cruz de Cristo. Ou seja, o esvaziamento daquele que morreu por todos se perde na busca de prestígio dos líderes e, também, dos seguidores, que querem se identificar com um  orador com palavras de sabedoria.

Finalmente, Paulo encerra com a inversão de valores muito comum em suas cartas. As palavras da cruz são loucura para os que se perdem. Ou seja, ela não preenche os critérios de honra de uma sociedade que não entendeu a mensagem da cruz. Para os salvos, essa “loucura” do esvaziamento e da negação da honra é poder. Uma inversão da lógica.

Nessa exortação presente em nossa perícope, o problema maior não é a falta de unidade. É a falta de unidade baseada no surgimento de lideranças que passam a conferir identidade aos seus seguidores. Com isso, já não se batiza mais em nome de Cristo, mas sim em nome dessas lideranças. Isso invalida a cruz de Cristo.

3. Meditação

Em tempos de valorização exacerbada de líderes, percebida em todos os segmentos da sociedade, em nossas igrejas também acabamos espelhando isso. E, ao espelhar os valores da sociedade, espelhamos também os conflitos e as divisões. Deste modo, igrejas e sociedade são levadas e passam a vivenciar a exacerbação de lideranças que devem ser aceitas incondicionalmente, imitadas, defendidas, e suas decisões aceitas sem nenhum questionamento. A valorização exacerbada dessas lideranças gera divisões e conflitos. O mesmo acontece nas comunidades de fé. E por isso a comunidade deixa de ser palavra profética de denúncia das divisões e anúncio do Cristo que quer que todos sejam um para que o mundo creia. Essas divisões na sociedade e na igreja têm trazido marcas de dor e de desesperança em nosso mundo. Aqui, nosso texto traz uma luz para que as comunidades de fé possam discernir sua natureza, herança e desafios.

Para Paulo, quando uma liderança passa a determinar a vida de fé das pessoas, isso invalida o sacrifício de Cristo. Paulo, usando uma linguagem pedagógica da época, caracterizada pela ironia, pergunta se Paulo foi crucificado por alguém. Ao fazer essa pergunta, ele questiona esse modelo de seguimento que distorce o sacrifício e o esvaziamento de Cristo por uma valorização e uma exaltação daqueles que seguem o crucificado e lideram seu movimento. Por isso Paulo questiona inclusive o batismo. Ao fazer isso, ele não questiona o sacramento. Ele questiona o fato de pessoas se identificarem por quem elas foram batizadas ou em nome de que grupo foram batizadas. Assim, nessa perspectiva que gera divisão, o batismo em nome de Cristo cede lugar ao batismo em nome de Pedro, Paulo, Apolo e, também, em nome de Cristo, mas possivelmente se referindo a um grupo que se apresenta como portador de um acesso privado e direto ao próprio Cristo.

Paulo então reafirma a convicção de que todos os cristãos e as cristãs são anunciadores do evangelho, um anúncio que não acontece nos padrões de honra do mundo que o cerca, no qual as palavras de sabedoria geram prestígio, mas com palavras de loucura, onde o esvaziamento do que anuncia, aponta para a cruz de Cristo, não a inviabilizando.

O grande desafio que Paulo coloca então é uma vida centralizada no testemunho de Cristo, que morreu por cada um, uma vida que não visa ao prestígio próprio nem a aceitação e valorização pelo mundo das lideranças que falam em nome de Cristo. Se Cristo é o centro do anúncio e do compromisso, todos e todas são iguais, unidos e unidas em torno de um mesmo anúncio, que é loucura para quem não entende esse novo código de honra e vergonha que deve marcar o movimento cristão. Um código de igualdade e unidade em torno de Cristo e de esvaziamento e loucura para todos que se unem à fé.

4. Imagens para a prédica

Ao navegarmos na internet, encontramos informes sobre conflitos entre lideranças evangélicas. Muitas vezes, tem-se a impressão de que há uma verdadeira guerra em torno de lideranças. Um exemplo disso foi uma matéria publicada pela BBC News em 28 de abril de 2020, intitulada “Como a crise do coronavírus expõe racha entre evangélicos no Brasil”. Nela, a repórter Letícia Mori da BBC Brasil em São Paulo relata:

O teólogo Kenner Terra, do Espírito Santo, teve que lidar com uma enxurrada de críticas e comentários agressivos de outros evangélicos quando publicou um texto defendendo o isolamento social para combater o coronavírus. Coordenador do Fórum Evangelho e Justiça no Espírito Santo, Terra é pastor de uma igreja batista que está entre as que defendem as medidas recomendadas pela Organização Mundial de Saúde (OMS) para evitar a disseminação da Covid-19.

Nos momentos de maior angústia, que marcou o auge da pandemia, alguém que apresentava uma perspectiva teológica que defendia um procedimento que visava proteger a vida, em vez de diálogo ou até mesmo um debate, foi alvo de uma enxurrada de críticas agressivas.

Esse é um exemplo do que encontramos em diversas leituras. As divisões presentes na sociedade se refletem na igreja e isso gera quebra de unidade e violência, deixando de lado o anúncio do Cristo e a esperança para a sociedade. Essa imagem ou outras do gênero podem nos ajudar a refletir com a comunidade

sobre quando as lideranças se tornam mais importantes que o anúncio do Cristo. O resultado é a divisão e a violência.

5. Subsídios litúrgicos

Credo da não violência

Cremos que a Paz é para todos
e que a violência não é de Deus.
Cremos que a resistência pode ser não violenta
quando praticada por
olhos críticos e amorosos,
braços fortes e solidários,
mãos hábeis e carinhosas,
pés firmes e libertadores.
Cremos que a superação da violência
se dá pela substituição revolucionária
da palavra ofensiva pelo ouvir compreensivo,
do gesto ríspido pelo silêncio eloquente,
da ânsia de vingança pela bênção da reconciliação.
Cremos na transformação dos que praticam a violência
por meio da ação consciente, solidária e colaborativa
de toda a sociedade organizada,
segundo os princípios do Amor e da Paz,
que são os outros nomes de Deus.
(Luiz Carlos Ramos, Brasília (GNRC), 12.11.2011)
Fonte: .

Bibliografia

SAMPLEY, J. Paul. Paulo no mundo greco-romano – um compêndio. São Paulo: Paulus, 2008.
NOGUEIRA, Sebastiana Maria Silva; MACHADO, Jonas. Lendo as cartas aos Coríntios – unidade, diversidade e autoridade apostólica na comunidade cristã. São Paulo: Paulus, 2021.


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Autor(a): Paulo Roberto Garcia
Âmbito: IECLB
Área: Celebração / Nível: Celebração - Ano Eclesiástico / Subnível: Celebração - Ano Eclesiástico - Ciclo do Natal
Área: Governança / Nível: Governança - Rede de Recursos / Subnível: Governança-Rede de Recursos-Auxílios Homiléticos-Proclamar Libertação
Natureza do Domingo: Epifania
Perfil do Domingo: 3º Domingo após Epifania
Testamento: Novo / Livro: Coríntios I / Capitulo: 1 / Versículo Inicial: 10 / Versículo Final: 18
Título da publicação: Proclamar Libertação / Editora: Editora Sinodal / Ano: 2022 / Volume: 47
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Auxílio homilético
ID: 69442

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Se reconhecemos as grandes e preciosas coisas que nos são dadas, logo se difunde, por meio do Espírito, em nossos corações, o amor, pelo qual agimos livres, alegres, onipotentes e vitoriosos sobre todas as tribulações, servos dos próximos e, assim mesmo, senhores de tudo.
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