Um chamamento divino: guardar a unidade

01/12/1999

Um chamamento divino: guardar a unidade

• Ervino Schmidt •

Todos nós que somos cristãos recebemos um chamamento divino. E somos exortados a viver a nossa vida de acordo com o mesmo. Mas qual é este chamamento? A carta aos Efésios, capítulo 4, o diz de maneira muito clara: Guardar a unidade do Espírito pelo vínculo da paz.

Como podemos guardar concretamente essa unidade? Temos aí três indicações, que são extremamente importantes para a espiritualidade cristã:

* a unidade é guardada quando vivemos ¨em toda humildade e mansidão¨. Nada de querermos ser superiores aos outros!

*a unidade é guardada quando vivemos ¨com paciência¨. Deus mesmo teve muita paciência conosco. Do contrário, estaríamos todos irremediavelmente perdidos. Se não tivermos paciência para compreender nossa irmã, nosso irmão, certamente não haveremos de encontrar um caminho em comum.

* a unidade é guardada quando conseguimos suportar-nos uns aos outros. Em vez de condenar, carregar uns aos outros! Suportar é muito mais do que meramente aguentar, é mesmo carregar em amor.

E isso tudo porque ¨há um só corpo e um só Espírito, do mesmo modo que a vossa vocação vos chamou a uma só esperança; um só Senhor, uma só fé, um só batismo; um só Deus e Pai de todos...¨ 

Parece tão fácil. Mas, logo cedo, começaram as divisões no corpo do Cristo. Não me refiro às várias maneiras de expressar a fé em contextos diversos. Diversidade pode ser um enriquecimento. Penso, mesmo, em desentendimento, em agressões, em dolorosos conflitos no seio da Igreja. As primeiras divisões aconteceram já na igreja antiga. Mais conhecida de nós é a grande ruptura do século 16, quando aconteceu a Reforma Protestante. Mas, graças a Deus, sempre houve pessoas e grupos, que ao longo da história da Igreja, dedicaram toda sua vida à promoção da unidade do corpo de Cristo. Mas é o século 20 que vai entrar para a história como o século do movimento ecumênico, do movimento pela comunhão entre as Igrejas!

¨Ecumênico¨, aplicado à busca da unidade, é um termo relativamente novo, mas suas raízes remontam ao grego clássico. Tem a ver com ¨oikos¨, casa, vivenda. ¨Oikoumene¨ significa toda terra habitada. Como conseguir um mundo habitável com o testemunho dos cristãos tão dividido? Essa foi a pergunta que moveu as sociedades missionárias das diversas igrejas ao refletirem sobre sua missão nos vários continentes. Para facilitar os esforços de reconciliação, foi criado, em 1948, o Conselho Mundial de Igrejas! O movimento ecumênico foi assumindo forma em todos os lugares. Na América Latina, surgiu o CLAI (Conselho Latino Americano de Igrejas) e, no Brasil, o CONIC (Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil). A IECLB é membro desses três conselhos.

CONIC

Ele foi fundado em 1982 como uma ¨associação fraterna de igrejas que confessam o Senhor Jesus Cristo como Deus e Salvador. Unidas pelo amor de Deus, pela confissão de fé comum e pelo compromisso com a missão, as Igrejas-membro sentem-se chamadas a um testemunho comum do Evangelho e ao exercício do amor e do serviço, especialmente aos mais necessitados¨. Gostaria de comentar algumas dessas afirmações da Base Constitutiva.

Ponto de partida é a experiência do amor de Deus. Buscamos a Deus, mas só o fazemos, porque ele nos buscou primeiro. Fundamento e fonte da nossa vida é o amor com o qual Deus nos envolve. Ele vem antes. Nossa vida não depende da nossa fidelidade a Deus — esta é sempre falha; mas da fidelidade de Deus a nós. Apesar das nossas traições, ele sempre se revela como Deus do amor e nos possibilita um novo início.

A experiência do agir de Deus na plenitude de seu poder e amor une as igrejas em ¨uma só esperança, uma só fé, um só Senhor, um só batismo¨ (Ef 4.5). O agir misericordioso de Deus é o ato primeiro. Nossa missão no mundo é sempre resposta. Não é mais do que isso, mas também não é menos do que isso. O testemunho do Evangelho e o exercício do amor e do serviço são consequências. E mesmo a busca da unidade é um ato de obediência ao Senhor. Não é nenhuma invenção nossa.

O CONIC é entendido como um espaço onde nenhuma igreja terá que deixar de lado seu jeito bem próprio de ser igreja. ¨Associação fraterna¨ tem toda essa conotação positiva.

Será necessário, para o futuro, conscientizar-se, ainda mais, de que a essência do CONIC é a própria relação das igrejas a caminho da plena unidade. E preciso explorar muito mais a realidade dinâmica e relacional que o CONIC pode ser. Estar no Conselho Nacional de Igrejas torna palpável o fato de que pertencer à Igreja de Cristo tem um alcance muito maior do que a condição de um membro da sua própria igreja. E ter comunhão com irmãs e irmãos de outras confissões.

Testemunhar, portanto, que nos sabemos unidos faz parte do próprio ser igreja. Ser ecumênico não é algo opcional. Expressa isso com clareza a encíclica do Papa João Paulo II ¨Ut unum sint¨. O ecumenismo, o movimento a favor da unidade dos cristãos, não é só uma espécie de apêndice, que vem se juntar à atividade tradicional da Igreja. Pelo contrário, pertence organicamente à sua vida e ação, devendo, por conseguinte, permeá-la no seu todo (no. 20).

Atividades

O CONIC desenvolve suas atividades basicamente em duas direções: na aproximação entre as igrejas e na solidariedade frente aos problemas que angustiam nosso povo. Limito-me a mencionar somente dois projetos: A Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos, realizada cada ano, na semana que antecede Pentecostes. Quem já participou de celebrações dessa Semana certamente saiu empolgado. É a alegria de descobrir na irmã e no irmão de outra igreja um membro da mesma família cristã! Destaco, ainda, a Campanha Ecumênica da Fraternidade. As igrejas-membro do CONIC assumiram o compromisso de realizar juntas uma Campanha da Fraternidade por ocasião dos 2000 anos do nascimento de Jesus Cristo. Ela tem como tema ¨Dignidade Humana e Paz¨ e como lema ¨Novo milênio sem exclusões¨.

Não posso deixar de frisar que o trabalho realizado por conselhos de igrejas não é a única maneira de desenvolver o ecumenismo. Existem, também, entidades ecumênicas com tarefas específicas. Não podemos esquecer os diálogos bilaterais ou multilaterais entre as igrejas. Mas o mais importante é que cada cristã e cada cristão entendam que a busca de unidade é parte integrante do seu ser cristão e representa o compromisso do desejo-testamento de Cristo que todos sejam um.


O autor é pastor da IECLB, secretário-executivo do CONIC e reside em Brasília, DF


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Autor(a): Ervino Schmidt
Âmbito: IECLB
Área: Ecumene / Organismo: Conselho Nacional de Igrejas Cristãs - CONIC
Título da publicação: Anuário Evangélico - 2000 / Editora: Editora Sinodal / Ano: 1999
Natureza do Texto: Artigo
ID: 33080
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