Todas as vertentes das artes que estamos abordando, conduzem a uma visão de que elas estão aí como um dos veículos que Deus nos qualifica para levar sua Palavra às pessoas de uma maneira geral. Contudo, qualquer destas “vertentes” pode suscitar ao seu autor a “materialização” vertiginosa, em busca de auto-satisfação, de auto-realização material (e financeira). Em outras palavras: Fazem das artes um rico manancial de recursos para a “causa própria”. Como bem o questiona o Teólogo Verner Hoefelmann, na sua matéria “Imagens do Crucificado” (Novo Olhar Nro 3 de 07/2004), ao encerrar o artigo dizendo: “Quanto a Gibson, ele já recuperou dez vezes o seu investimento feito para produzir o filme. Quando soubermos como ele anda aplicando esses recursos, saberemos se ele está a serviço de si mesmo, de causas duvidosas ou do evangelho.” Em síntese é exatamente isto que carecemos observar: A serviço de “quem” ou de “que” a Arte está na Igreja ou na comunidade. Não nos compete “julgar” o que aquele Ator vai fazer com suas receitas, mas cabe refletir “o que nós fazemos com os conteúdos da Bíblia?”, quer nas artes plásticas, música ou outras expressões.
Saber-se “coadjuvante” da Palavra é antes de mais nada, saber qual a sua posição na sociedade (nesta vida). Como incondicionalmente estar presente...Como e quando é vez de agir ou vez de ouvir.
A caminhada de vida está diretamente ligada ao servir na mesma proporção que ser servido, assim entendendo, tendo certeza de que os dons recebidos por Deus são relativos (intrínsecos) a cada pessoa, e nunca ao indivíduo (individual)... portanto:
“Não , não vim para servir nem para ser servido...”
As realidades da vida são deveras impressionantes e nem sempre nos damos conta de quanto agimos sem pensar imaginando que “estamos por cima” das situações.
Certamente este título surpreende, e remete a uma reflexão muito grande na medida em que se analisam as palavras de Mateus, ao se referir a Cristo: “tal como o Filho do Homem, que não veio para ser servido mas para servir e dar a sua vida em resgate por muitos” (Mt20,28). E o que dizer do Salmo 2, 11 “Servi ao Senhor com temor, e alegrai-vos Nele com tremor” Conflitante? Não! Deixo mais dois textos para esta reflexão: Mc 9, 35 b “Se alguém quer ser o primeiro, será o último e servo de todos” e ainda 1Co 9,14 b; “...ordenou o Senhor aos que pregam o Evangelho, que vivam do Evangelho”. Não se trata de ser “fundamentalista” com estas separatas, mas entender que uma mensagem, uma parábola, uma “exortação bíblica” pode despertar outros sentidos ou despertar pensamentos importantes.
Servir ou ser servido, esta é a questão principal de toda a diretriz de Cristo, ou melhor dizendo: de todo cristão. Quando devo servir, e “viver” do evangelho, como dito acima. Quando posso ser servido, sem abusar dos “direitos cristãos”? Seriam estas perguntas procedentes diante das palavras de Mateus, e do Salmista?
Um amigo, correspondente internacional, um bom cristão escreveu recentemente: “Na realidade o que Cristo nos pede e que nos parece tão difícil de ‘nos amar uns aos outros’ se torna facílimo quando conhecemos melhor a pessoa, sobre tudo a vida dela... porque nós vemos que os desejos, as aspirações, os medos, as ansiedades, a vontade de ser feliz, o desejo de paz; são os mesmos em cada um de nós e que ‘o cara’ que nós pensamos ser um estrangeiro e tão diferente, na realidade ele é nosso irmão com tantos sentimentos tão parecidos com os nossos; e na hora que nós nos damos conta disso, ele já não é mais um estranho, mas parte de nós”. É isto daí. Na vida, na comunidade, em nossa Igreja, ou até entre pessoas “que só se conhecem por cartas”, muitas vezes apenas “vemos” as pessoas e não nos damos conta de que são exatamente portadores dos mesmos sentimentos que nós”.
Sim, Deus nos fez semelhantes à Sua Imagem, não para servir nem ser servido, mas para entender-nos reciprocamente:
Buscando o verdadeiro sentido da vida, vi que entendendo é que sou entendido; amando é que sou amado; ouvindo é que sou ouvido; ensinando é que aprendi; escrevendo é que me revelei; compreendendo é que sou compreendido; e é buscando ver-me no espelho da vida que encontrei minha verdadeira face.
Aí se revela em verdade a razão do título desta mensagem:
Não, não vim para servir, nem para ser servido, mas essencialmente, para ser um instrumento nas mãos de Deus; para que Ele, e somente Ele, possa abrir meu coração e pensamentos, através dos quais, quando de fato consciente da verdadeira comunhão fraterna, possa compartilhar esta vida em igualdade de direitos e deveres com todos, sem carecer de “receber ou doar”, porque sou um instrumento constante da doação de Deus em Cristo Jesus. (W.L.Berner / outubro 2001 / (Catedral / Aquarela))
Espero ter sido bastante transparente com estas colocações, desejoso de sintetizar de que as artes Sacras estão aí para enriquecer o entendimento da pura mensagem, de tal sorte que cada um a sua vez, com suas capacidades e com suas metas, pode, enquanto coadjuvante da Palavra, transmitir por seus meios, na mesma proporção que recebê-las.
A temática é vasta, e nos estimula a mais reflexões a respeito, sem contudo perder o “fio central” a que nos propusemos. Neste sentido, e como dito, não por último, desejo compartilhar a reflexão sobre uma temática por demais polêmica:
O ÍCONE, A ICONOCLASTIA.
Este assunto me vem motivando à reflexão que já ensaiava nos tempos de infância quando contemplava a imagem de Cristo no vitrô sobre o Altar de nossa Igreja em Petrópolis, e especialmente após o compacto curso de “Arte Sacra” do qual pude participar em 2001, sob orientação do Artista Plástico Cláudio Pastro, em São Paulo, quando visitamos a Catedral Ortodoxa daquela Capital e muitas de suas Obras Sacras.
Tudo isto me contempla com uma visão mais realista, ou como queiram, popularmente dizendo, “mais pé no chão” sobre esta Arte tão Sacra.
Mas não devemos ir direto ao assunto “Ícone e Iconoclastia”, sem antes informar fontes, um pouco de glosário, e principalmente manifestar meu incondicional respeito a todas as denominações, princípios e fundamentações teológicas e credos.
Biblicamente, já no início de nossa reflexão (na primeira introdução) nos reportamos a Ex 20,4-5, inserindo agora também os versículos 6 e 7, onde lemos:
“Não farás para ti ídolos, nem figura alguma do que existe em cima, nos céus, nem embaixo, na terra, nem do que existe nas águas, debaixo da terra. Não te prostrarás diante deles, nem lhes prestarás culto, pois eu sou o Senhor teu Deus, um Deus ciumento. Castigo a culpa dos pais nos filhos até à terceira e quarta geração dos que me odeiam, mas uso de misericórdia por mil gerações para com os que me amam e guardam meus mandamentos. Não pronunciarás o nome do Senhor teu Deus em vão, porque o Senhor não deixará impune quem pronunciar seu nome em vão”.
Tendo a todo o momento este texto Bíblico como “pano de fundo”, roguemos a Deus pelo entendimento do tema aqui desdobrado.
A principal fonte, digamos de cunho teológico, vem da “ECCLESIA ORTODOXA” que com imenso carinho me acolheu, na pessoa do irmão, Padre André, que me saúda com as seguintes palavras:
“Estimado irmão, Walter Leonardo,
Deus abençoe seu trabalho! Disponha do conteúdo publicado em Ecclesia, se lhe é pertinente. A citação das referidas fontes que fazemos constar no Site é sempre importante. Agradecemos a gentileza de incluir nosso e-mail em sua lista de debate. Com amor em Cristo, Pe. André. (03/09/2004)”.
Na citada fonte Ecclesia, encontramos o trabalho do Mons. Urbano Zilles – Revista Teocomunicação – Vol. 27 de dez. 1997, Porto Alegre, com a referida autorização.
As outras fontes nas quais me sustento são os trabalhos do Artista Plástico Cláudio Pastro, e referências a “Martim Lutero... de Lienhard, Marc”, respeitados sempre todos os direitos.
Destacarei nesta reflexão com grifos itálicos os textos das fontes citadas.
A estes dados iniciais, especialmente o texto Bíblico, carece uma posição sobre o significado de “espaço sagrado”, ou como querem alguns, “a Casa de Deus”.
(1Co 3,16-17): “Não sabeis que sois templo de Deus e o Espírito de Deus habita em vós? Se alguém profanar o templo de Deus, Deus o destruirá. Porque o templo de Deus é santo, e esse templo sois vós”.
Ora, se este Espaço Sagrado, que é cada pessoa em seu ser, a comunidade (comunhão dos crentes, ou santos, como professamos no Credo Apostólico); o “templo de Deus”, o “edifício” (arquitetura) construído para a concelebração entre estas pessoas de fé, é por conseqüência a Casa de Deus. Construída sim, pelas mãos dos homens, mas “edificada” para a Glória de Deus. Em assim sendo, a pessoa tem já desde sua origem, a carência de comunicar-se através de símbolos, de ícones, de adornos que lhe facilitam o entendimento de que ali se faz presente toda uma espiritualidade divina: “... e o Espírito de Deus habita em vós.”. Esta consideração sugere a análises mais profundas, que certamente não deixaremos sem uma reflexão, quando oportuno com o título “espaço sagrado”. Contudo, o que nos faz “compor” neste momento é a questão, do “quanto” a pessoa que lá transita reflete (interfere visualmente) sobre o “espaço sagrado”, o seu interior, o seu conteúdo.
A pessoa em toda sua existência, desde os mais primórdios tempos, refiro-me às descobertas arqueológicas em grutas como Lascaux, e Altamira, respectivamente a 17.000 e 12.000 anos atrás, e recentemente as descobertas no Brasil, com mais de 30.000 anos, sempre fizeram uso de símbolos e “ícones” para expressar suas mensagens, emoções e credos, antes mesmo da “invenção” de símbolos fonéticos, as letras enfim. Pois é, as imagens e símbolos são portanto milenares; a origem dos “Ícones” na forma em que se apresentam até aos dias de hoje, remonta aos anos 1000 dC, como expressão de Arte sacra Litúrgica, especialmente consolidados nas Igrejas Orientais Ortodoxas. Daí surge a “iconostase” que consiste em pinturas sacras de ícones nas paredes, em especial em frente e por sobre o Altar, isto é, junto (com) ao espaço “Santo”.
Diz-nos Cláudio Pastro: “o Ícone bizantino foi redescoberto pela arqueologia nas Ilhas Gregas... Este foi o grande trunfo da arte pré e pós conciliar... A Arte não será mais a expressão do belo pelo belo, mas o reconhecimento da manifestação do Espírito, num lugar, numa matéria, numa pessoa”.
Observe-se no entanto que ao longo de nossas reflexões, a preocupação central está no sentido da Arte e suas vertentes, para o Louvor de Deus e “facilitador” para o entendimento da mensagem. Mas, destacamos muito, e o haveremos de destacar ainda mais, o “quando é arte sacra e quando apenas uma arte religiosa”.
Assim, o “Ícone”, em sua construção encerra em si o mais profundo sentido de uma Arte Sacra, conquanto (nos lembra Mons. Zilles), “o iconógrafo por isso deve preparar-se, para a pintura, com orações e jejuns, com ascese e santidade, pois o ícone é feito para a contemplação sensível da divindade invisível e santa”.
Vale a pena relembrar as palavras de S. João Damasceno: “A beleza e a cor das imagens estimulam a minha oração. É uma festa para os meus olhos, tanto quanto o espetáculo do campo estimula o meu coração a dar glória a Deus”.
Que belos estes preceitos (ou seriam conceitos?). Como Artista plástico, digo que cada obra de arte seja figurativa ou abstrata carece desta espiritualidade, pois somente assim terá sua função verdadeiramente protagonista, isto é, passa da “peça simplesmente decorativa” para a “obra mensageira”.
A “iconoclastia” contudo teve historicamente, diria até hoje, uma ênfase muito grande por parte de alguns “fundamentalistas”, como contribui Mons. Zilles: “Quando, hoje, um ocidental visita urna igreja ortodoxa, no Oriente, certamente se impressiona com as numerosas imagens, as quais são saudadas e beijadas pelos fiéis em seqüência hierárquica.Muitas vezes, sobretudo na Rússia, uma parede inteira de imagens (iconostase) separa o ambiente do altar do ambiente da comunidade... É de supor que já então, como hoje, o povo nem sempre respeitou os limites estabelecidos pelos teólogos entre adoração e veneração, instaurando-se abusos considerados idolatria. Só dessa forma se pode entender a violência da luta contra o culto às imagens (Iconoclasmo ou iconoclastia) que perdurou mais de um século. O movimento bizantino de iconoclastia, nos séculos VIII e IX, também derivou da doutrina judaica (Ex 20,4-5) e da doutrina islâmica (Corão III, 43, etc.) e, de modo especial das doutrinas heréticas que insistiam na separação das naturezas humana e divina de Cristo (nestorianismo) ou em sua união em uma só natureza (monofisismo). Sob esse aspecto, a iconoclastia foi uma conseqüência natural das lutas cristológicas que tanto sacudiram as províncias orientais do império. A iconoclastia nasceu no império bizantino ameaçado pelo islamismo. Aos olhos dos governantes, deveria servir para acabar com práticas religiosas, que se confundiam com a idolatria, e para evitar a intervenção armada dos muçulmanos. Leão III Isáurico (717-741) foi quem desencadeou a querela das imagens. Este imperador, sírio de origem, conhecia o monofisismo e o islamismo. Os bizantinos, a exemplo dos gregos clássicos, preferiam as figuras humanas. As lutas cristológicas e a interpretação do Corão buscavam uma espiritualidade pura e a escolha dos velhos temas artísticos que ignoravam a representação de seres vivos. A aversão às imagens santas vinha dos fiéis que viam, no perigo exterior (árabes) e no interior, o castigo do Senhor, provocado pelos ímpios adoradores de imagens. Alegavam ser imprudente provocar os muçulmanos, que rejeitavam as imagens porque eram mudas e não respiravam. A partir de 724, o imperador Leão III começou sua campanha contra as imagens e ordenou sua destruição. Os bispos ortodoxos reagiram a favor delas e o papa Gregório II (715-731) condenou a iconoclastia de Leão III. Mas o imperador prosseguiu sua luta contra as imagens e contra seus fabricantes. No Concílio Romano de 731, o Papa Gregório III condenou os profanadores de imagens e confirmou seu culto...Constantino V, filho de Leão III, cultivou aversão às imagens. .. Comparou o culto às imagens à idolatria. Proibiu a imagem do próprio Cristo. Dizia que a única imagem de Cristo é a Eucaristia tal como consta na liturgia de S. Basílio... A perseguição do imperador foi violenta, e houve numerosos mártires. Os patriarcas orientais e os latinos censuraram a iconoclastia oficial do palácio e do patriarca bizantino.Leão IV, filho de Constantino, era iconoclasta, mas não destruiu imagens, nem perseguiu os veneradores de imagens. Sua esposa Irene respeitava os monges e venerava as imagens. Depois da morte do imperador, em 780, Irene tentou acabar com a iconoclastia. Os iconoclastas, contudo, não desapareceram... Em 843, houve o restabelecimento definitivo do culto às imagens no Oriente. Assim Bizâncio retomou seu espírito. A arte sacra recebeu um impulso excepcional, assegurando-lhe, durante séculos, lugar de primeira grandeza”.
Para quem desejar maior aprofundamento sobre esta temática, recomendo uma visita à “ECCLESIA”, ou através do seu SITE: http://www.ecclesia.com.br/ que contém uma mensagem bastante detalhada.
Sem esgotar este assunto, que sugere também à questões de “idolatria”, desejo expressar, como de início, meu mais profundo respeito às questões bastante esclarecidas pela Ecclesia, bem como o apoio do Pe. André, e que consolidam meu pensamento de que todos nós, cada um a seu modo e maneira, louva a um único Deus e Senhor, e que somente Jesus é o “caminho a verdade e a vida” (Jo. 14, 6) e portanto, é nossa prerrogativa de que a fé se consolida na diversidade, e que as diferentes expressões artísticas merecem um lugar especial neste “espaço sagrado”, enquanto “obra sacra”.
A cristandade ocidental, mesmo que ainda nos moldes da secularidade, perderam bastante neste conceito da Arte em benefício da Espiritualidade: Como é que se diz? “Os olhos são o espelho da alma” e, “a boca fala daquilo que o coração está cheio”(Mt 12, 34).
Toda manifestação artística, qualquer que seja, enquanto voltada para o louvor de Deus, é dádiva de Deus:
Tudo vai na “direção” do visual e sensitivo da pessoa que compõe o “Santuário de Deus”. Quero referir aqui claramente as palavras de Lutero que a seu tempo (como já citei anteriormente) disse: “Ah, que aprouvesse a Deus que eu pudesse convencer os senhores e os ricos a pintar no interior e no exterior das casas a Bíblia inteira! Isto seria uma obra cristã...”
Nesta frase, encerra-se toda uma questão de significado sobre “idolatria”, “iconoclastia”, “heresia”, e porque não lembrar: “hinos e cânticos intencionais ou proselitistas”. Lembro palavras sábias de S.Tomaz de Aquino destacado no texto “Ecclesia”, nossa referência: “S.Tomaz de Aquino vê uma tríplice função da imagem: como instrumento de informação, ou seja, para instruir os que não sabem ler; como ajuda da memória dos mistérios da salvação e como estímulo para a devoção.” Isto corrobora em afirmar que todas as imagens, símbolos, afrescos, ornatos, paramentos, elementos, vitrais, e até mesmo os instrumentos musicais como o órgão, sinos, e outros instrumentos, são parte integrantes e facilitadores para o entendimento da Palavra e o louvor a Deus. Unicamente a Deus. Neste enfoque, todas as questões que remetem aos “dois trilhos” interpretativos ficam claras: “O que é profano e o que é sacro”.
Na próxima reflexão poderemos abordar um tema igualmente polêmico:
ÍDOLOS E IDOLATRIA; O QUE É PROFANO E O QUE É SANTO...
Que Deus nos abra corações e mentes.
- Quarta reflexão - Arte sacra na expressão corporal
- Quinta reflexão - Um exemplo de mensagem através da arte
- Sexta reflexão - A Arte a serviço de quem ou de que?
- Sétima reflexão - Profano ou santo?