“Vós sois o sal da terra,
talvez só uma semente,
mas a semente será provada.
Vós sois a luz do mundo,
talvez só um pequeno brilho,
mas o pequeno brilho ilumina o caminho.
Vós sois a cidade sobre o monte,
talvez só uma casa,
mas a casa respira alegria e riso.
Vós sois o sal da terra,
talvez só uma pequena porção,
mas o sal não deixa apodrecer.”
Poesia de O. Wiemer - In: Forum Abendmahl 1979, p. 123.
Sempre gostei deste texto do evangelho de Mateus 5.13-16, tendo usado o mesmo em diversas meditações e pregações. A experiência teológica nos diz que a palavra de Deus é sempre viva e nos anuncia algo novo. Por mais que já tenhamos nos detido sobre um determinado texto, inúmeras vezes, algo novo sempre nos é revelado e anunciado. Assim é a dinâmica da Palavra de Deus, que é viva e eficaz, cumpre sempre a sua função e jamais retorna vazia, cf. Is 55.11.
Devo dizer que o texto deste Evangelho sempre mexeu comigo. Nos convida a explorar duas figuras, dois símbolos preciosos para a criação, importantes para a vida de seres humanos e também dos animais - sal e luz. Jesus fala às pessoas que lhe seguiam, a seus ouvintes: “vocês são o sal da terra”. Geralmente interpretamos este sal como sendo o sal de cozinha, usado para o preparo e conservação de alimentos. Porém o texto nos fala em ser “sal da terra”. Porém, ao ler um comentário sobre o Evangelho de Mateus escrito por Marcelo Barros (Conversando com Mateus – Ed. CEBI e Paulus, 1999), o autor nos lembra que este sal do qual fala Jesus Cristo não se refere unicamente ao sal usado na cozinha, que conserva e dá sabor aos alimentos. Jesus fala de fato sobre o sal da terra. Como explicar isto? Na Palestina, no tempo de Jesus, era comum que pastores do campo deixavam seus rebanhos soltos para pastarem. Durante a noite voltavam ao aprisco. Neste caminho de retorno se alimentavam do sal da terra que se encontrava em abundância na beira do Lago de Tiberíades e do Mar Morto. Afirma o autor: “...O sal da terra conduzia as ovelhas de volta ao rebanho. Assim, Jesus disse: ‘Vocês são o sal da terra’, estava dizendo: ‘Vocês têm a função de reunir as pessoas dispersas no aprisco do Pai para que não se percam nem sejam presas das feras do mundo’.” (p. 38)
Da mesma forma, o sal era usado para ascender fogueiras durante a noite, nos campos, tinha, portanto, função de combustível, e quando perdia sua função não servia para mais nada, cf. Lc 14.34. Atualmente sabe-se que o sal será muito mais explorado no futuro, pois o lítio, matéria-prima das baterias de aparelhos eletrônicos é um metal cujas jazidas se encontram misturadas às salinas.
Quando Jesus motiva as pessoas a sua volta e diz: “Tende sal em vós mesmos” (Mc 9.50) ele está querendo dizer: “Mantenha em você a capacidade, a força de calor para aquecer a vida”. O autor do comentário ainda afirma: “Cada pessoa humana tem uma ‘reserva de luz’. Este potencial luminoso está como que inscrito em nossas células e precisa ser desenvolvido. O sal seria o elemento que reúne, congrega e unifica no íntimo da pessoa a sua parte luminosa e a parte de trevas que cada um tem em si.” (p. 39). Talvez por este motivo Jesus tenha dito logo em seguida, que além de ser sal da terra, todas as pessoas também deveriam produzir luz para o mundo.
Todas as pessoas, na comunidade cristã têm esta função, de ser sal e luz para o mundo, servindo como multiplicadores/as do amor, ascendendo a luz que elimina as trevas sob os que vivem na escuridão da sombra da morte (cf. Lc 2.29), reunindo e conduzindo as pessoas no caminho de Deus, que deseja promover o calor da paixão pelo bem, pela vida digna e pela concretização do shalom entre nós. O sal da terra nos motiva para que sejamos combustíveis, além de produzir sabor e conservar alimentos, nos impele a transmitir ao nosso próximo sinais de vida, luz, fogo, claridade, orientação. Alimentado por este sal poderemos cultivar a unidade do rebanho que não se perde, mas retorna sempre aos braços amorosos do Eterno Cuidador, para que, junto a ele, vençamos medos, trevas e divisões.
Que esta luz e este calor criados pelo sal, que é alimento e força geradora, nos conduzam pelo caminho da vida, para que cresça e vença sempre o amor, assim como nos diz a canção de Beto Guedes:
Deixa nascer, o amor
Deixa fluir, o amor
Deixa crescer, o amor
Deixa viver, o amor
O sal da terra