CMI, Genebra 09/11/2011 - O procurador de justiça Dr. Marlon Weichert, proeminente defensor dos direitos humanos no Brasil, visitou o Conselho Mundial de Igrejas (CMI), em Genebra, Suíça, na terça-feira, 08 de novembro. Em entrevista, Weichert ressaltou o papel das igrejas no apoio ao Brasil no momento em que o país procura curar feridas de seu passado doloroso e vislumbra um futuro melhor. A Comissão da Verdade no Brasil, afirma, vai começar a fazer sentido se as igrejas continuarem utilizando os valores da fé na proteção aos direitos humanos.
Weichert é procurador regional do Ministério Público Federal do Brasil. Sua visita à sede do CMI acontece na mesma época em que o projeto de lei da Comissão da Verdade para investigar as atrocidades cometidas no país, incluindo o regime militar de 1964 a 1985, já está aprovada pelo Senado e aguarda a sanção da presidente Dilma Rousseff para ser transformado em lei.
O CMI apóia a implementação desta comissão, o que foi externado, também formalmente, pelo P. Dr. Walter Altmann, moderador do Comitê Central do CMI, à Ministra dos Direitos Humanos, Maria do Rosário, em recente audiência em Brasília.
Em entrevista à Naveen Qayyum, da equipe de comunicação do CMI, Weichert falou sobre a luta do Brasil pela democracia, o papel das igrejas no apoio às vítimas da violência durante o regime militar e a necessidade atual de iniciar um processo de reconciliação no Brasil.
Quais violações dos direitos humanos ocorreram sob o regime militar no Brasil entre 1964-1985? E por que é necessária uma comissão da verdade?
As violações dos direitos humanos foram da tortura a assassinatos e desaparecimentos à tortura, o que se tornou pior depois de 1968, quando uma força militar mais conservadora ganhou mais influência. Isto resultou na tentativa de eliminar a dissidência pela força, quando os grupos de dissidentes foram tornando-se um movimento em iniciativa principalmente de estudantes. Não temos números exatos, mas cerca de 500 pessoas foram mortas e mais de 50.000 pessoas foram incriminadas como prisioneiros políticos. Ainda hoje não sabemos o número correto de vítimas, porque não houve nenhuma comissão da verdade implementada até agora.
A sociedade brasileira tem o direito de saber. Devemos ser capazes de iniciar um processo no qual podemos manter as instituições democráticas e prestar contas ao povo. Para completar o processo democrático no Brasil, é necessário que desafiemos as forças que existem até hoje em nossa sociedade totalitária. Países como Argentina, Paraguai, Uruguai e Chile já passaram por este processo. Esta é uma oportunidade que devemos aproveitar.
Como você vê o papel das igrejas na luta do Brasil pela democracia?
Igrejas sempre desempenharam um papel especial nas lutas pela democracia no Brasil. Nos anos da ditadura, líderes das igrejas protegeram vítimas de violência através de suas próprias redes. Igrejas de diferentes tradições, incluindo católicos e protestantes, foram uma voz de dissidência durante os anos de ditadura.
Sabemos que, depois de 1979, líderes de Igrejas e advogados reuniram evidências de atrocidades cometidas pelo regime militar. Esta informação foi documentada e enviada de Brasília a São Paulo e, daí, ao exterior. O CMI e o Center for Research Libraries, em Chicago, EUA, foram os principais parceiros nesta iniciativa. O conteúdo foi mantido nos arquivos do CMI, em Genebra. Esta documentação inclui evidência legal significativa de vítimas fornecendo posteriormente, em juízo, informações sobre os autores dos crimes perpetrados.
O pastor presbiteriano Jaime Wright, o Rev. Charles R. Harper, coordenador do programa do CMI sobre direitos humanos na América Latina, o Rev. Dr. Philip Potter, ex-secretário geral do CMI, e outros líderes de igrejas se envolveram com este projeto nos anos 70 e 80.
Naquela época, um relato abrangendo um total de 707 casos legais da era militar foi publicado, em português, sob o título Brasil: Nunca Mais. Lembro de ter lido este livro quando ainda era adolescente, o que me foi uma motivação para eu escolher a área dos direitos humanos. O livro foi lançado em 1985, poucos meses após o fim do regime militar, e tornou-se um dos best-seller no Brasil.
Esta é uma grande realização das igrejas do Brasil e mostra seu compromisso com a causa dos direitos humanos, que se encaixa bem com os valores de fé por elas proclamados.
Qual a sua opinião acerca da entrega destes documentos feita pelo secretário geral do CMI, Rev. Dr. Olav Fykse Tveit, ao Procurador-Geral da República, Roberto Gurgel, em junho passado, em São Paulo?
A cerimônia na qual o CMI entregou esses documentos ao Procurador-Geral foi um momento emocionante para todos nós. As igrejas passaram por uma longa jornada desde os anos da ditadura e agora estão ajudando a sociedade a enfrentar seu passado e trabalhar juntos para melhorar as instituições democráticas no futuro.
Esta contribuição se manifesta nos autos restaurados, que agora estão disponíveis para consulta pública num site na Internet chamado Brasil: Nunca Mais Digital. O nome presta homenagem ao livro, detalhando crimes cometidos pelo Estado no período do regime militar.
As igrejas têm um papel importante a desempenhar agora que a Comissão da Verdade foi é aprovada pelo Senado e está na mesa da Presidenta para ser sancionada. O processo só fará sentido se a sociedade civil, incluindo as igrejas, unirem-se a ele, especialmente ajudando as comunidades a compreenderem a natureza da verdade que se busca e a aprenderem lições cruciais da história.