Proclama utópica

Poesia

17/04/2016

 

 

 

 

PROCLAMA UTÓPICA

Nos 70 anos da Escola Superior de Teologia

 

 

 

 

Era março de 1946.
O mundo saía da desgraça da Segunda Guerra.
A Europa fora destruída, milhões de mortos,
atrocidades inimagináveis,
campos de concentração, vítimas incineradas,
milhares de valas-comum para mortos anônimos,
milhões de viúvas e crianças órfãs.
Uma nova esperança precisava se instaurar no mundo
depois do caos da guerra e do fascismo mortal.
No Brasil, também a ditadura de Vargas chegara ao fim.
Novo clima político se abria à reconstrução
de uma democracia frágil, sem raízes.
A Igreja Evangélica no RS sofrera com a guerra
e tomou uma decisão histórica:
preparar novas lideranças pastorais
aqui mesmo na terra de adoção, agora terra nossa.
Surge em março a Escola de Teologia,
Modesta e frágil, quase escondida em meio às árvores do Morro do Espelho,
mas desde logo com visão e compromisso,
decidida a realizar sua missão histórica.
Nossos antepassados sonharam com uma nova igreja
e apostaram que ela poderia ser fruto de novas gerações
formadas na terra brasileira e em diálogo com seu povo e cultura.
Ousadia do Espírito? Quem poderá dizer?
Certo é que a aposta não foi fácil.
Uma igreja formada majoritariamente por teuto-brasileiros
buscava enraizar-se mais ainda.
Demorou para que o diálogo com a cultura e seu povo mestiço
se impusesse como linha mestra.
Somente depois da guerra o movimento
pela nacionalização do estudo da teologia consegue
fazer valer o idioma nacional nos estudos teológicos.
Tal mudança, porém, não foi em vão.
Um novo ar se instaura no Morro e gradativamente
novos hábitos se fazem presentes,
maior abertura ao contexto e, logo,
o posicionamento firme contra a Ditadura que se abateu
sobre a realidade brasileira noutro março,
este no ano de 1964.
A já agora Faculdade de Teologia sempre primou por ser
espaço de debate e de pensamento crítico.
Isto foi ampliado durante os 20 anos
de obscurantismo que se impôs ao Brasil
e cujas consequências sentimos até os dias de hoje
com ondas de intolerância, ódio social e autoritarismo tacanho.
Afortunadamente, a Faculdade de Teologia ficou conhecida
no país e no exterior como lugar de liberdade de pensamento,
de busca de enraizamento na cultura brasileira,
de espaço para o debate, a oração e a ousadia fraterna
baseadas na fé e no amor compassivo.
Com o predomínio da língua portuguesa no estudo teológico,
uma nova mentalidade se instaurou e ganhou espaço,
não sem altos e baixos, é verdade.
Os anos de 1970 trazem ao esforço acadêmico
crescente número de docentes brasileiros.
E esta realidade se inscreve na nova geração de teólogos e teólogas
que vão se preparando para o ministério, hoje diversificado.
Aquela ousadia de aceitar mulheres no estudo teológico
que começara ainda nos anos 1950, se firma nessa época
e se torna uma marca desta Escola no futuro.
Os anos de 1980 trazem uma grande novidade:
a modesta Faculdade de Teologia se torna um
centro de pós-graduação e surge a Escola Superior de Teologia.
Novamente uma aposta carregada de visão
e coragem baseada na fé e no amor que se faz história
na vida de pessoas, comunidades e povos.
A pós-graduação se firma como centro de reflexão
cada vez mais inserido na realidade latino-americana
e referência no país e no exterior.
Mas este desdobramento teve seu preço.
A abertura para um ensino teológico plural trouxe
dissonâncias na relação com a Igreja Evangélica de Confissão Luterana.
O estudantado se tornou diverso, trazendo para as salas de aula
a diversidade das igrejas presentes na sociedade e novas expectativas.
Como atender a demandas tão complexas?
Ainda buscamos o tom e a embocadura que sirva a uns e outros,
lutando para sobreviver num mercado educacional
sempre mais competitivo e sem volta,
tropeçando muitas vezes, mudando para acertar o passo com a história.
Os desafios se ampliam, a luta por sustentabilidade não mede esforços.
E chegamos aos anos de 1990 com reivindicações
ainda mais ousadas e pertinentes.
O fortalecimento da perspectiva da teologia latino-americana de libertação
exige que novas questões e novos atores entrem em cena:
nos anos de 1980 e 1990 o aconselhamento pastoral se tornou
necessidade comunitária e de pesquisa.
A renovação dos estudos bíblicos abriu para a releitura da palavra de Deus
em chave popular, crítica e libertadora.
A história da igreja é renovada pela perspectiva dos pobres e dos desvalidos,
normalmente silenciados nos documentos e na vida.
CEHILA – Comissão Ecumênica de História da Igreja na América Latina
ganha espaço entre nossos docentes.
A ética protestante questiona a postura individualista
e assume o desafio de repensar a fé
na busca da justiça social, da paz e da integridade da criação.
A releitura da teologia de Lutero abre novas perspectivas
com o olhar latino-americano e dialoga com as lutas por libertação.
E a teologia da graça e da Cruz – marcas da Reforma Luterana –
é redescoberta como tesouro que liberta a igreja e as comunidades de fé
de seus equívocos e traições
para a diaconia transformadora.
A questão afro-brasileira ganha espaço e ajuda a abrir as portas da igreja
para o povo negro com docentes negros comprometidos
com uma nova maneira de ser igreja e viver a fé.
Da mesma forma, os povos indígenas encontram na EST uma aliada
a partir da parceria com o COMIN
– Conselho de Missão entre e com Povos Indígenas
e o CPQI – Centro de Pesquisa da Questão Indígena,
cujo acervo inestimável é assumido pelo Biblioteca.
Mas são as mulheres que – possivelmente – trazem a grande novidade
ao lutarem pela Cátedra de Teologia Feminista
e por uma nova leitura da teologia, da vida e do sentido da existência
para mulheres e homens, jovens e gente mais idosa.
A EST se torna referência nesses estudos
e faz deslanchar outra forma de fazer teologia
ao dignificar a participação e o empoderamento
das mulheres e outros grupos na igreja e na sociedade.
Ainda assim deve permanentemente fazer a autocrítica
ao não assumir a prática transformadora que proclama em suas teses.
Os anos de 2000 não apenas nos fazem chegar ao novo milênio.
Pois é de desafios que se trata e diante deles
a agora Faculdades EST precisa se reconstruir a cada novo momento,
revendo posturas, olhando pra frente, sem vacilar.
Nos dias de hoje ela representa não só a teologia que a identifica.
Ao esforço de preparar profissionais competentes para a igreja e a sociedade,
a música, a formação profissional para a enfermagem e a saúde,
chegando aos cursos de Musicoterapia e Licenciatura em Música
dão conta da pertinência de seu projeto e
da saudável loucura de ser propositiva.
Uma modesta escola confessional no sul do país
assumiu – decidida e publicamente –
o ideal ecumênico voltado à luta pela vida.
Aliás, este ideal faz parte de sua história desde os inícios.
Saúde, música e evangelho são como faces de um projeto arriscado
de inserção na vida de nossa gente, do país e da América Latina.

Como servir melhor à liberdade a partir da educação para a autonomia?
Como desafiar pessoas e comunidades a arregaçar as mangas
para mudar a sociedade e a nós mesmos?
Como colaborar para melhor compreender este país,
seu povo, sua história, sua fé cambiante e trôpega,
como acontece também na academia?
Como ser sinal de um compromisso que supera fronteiras
eclesiásticas, nacionais, intelectuais, morais, éticas
para melhor servir ao amor e à misericórdia?
Como seguir ao Cristo que se adianta na história
ao rumar às Galileias deste mundo complexo em que vivemos?
Como manter o projeto sem trair a confiança das pessoas?
Por isto a Faculdades EST se renova a cada passo,
cada um mais exigente que o outro,
mas jamais escusado, ignorado.
Nunca no mesmo lugar, apesar de situada neste Morro que espelha diversidade,
esta instituição é um projeto utópico
que encontrou seu topos, seu lugar aqui mesmo,
ainda que necessite, para se viabilizar, abrir-se
permanentemente a novos lugares, a outros atores e atrizes,
na incessante aposta de que a liberdade é sonho bom,
que o amor é libertador,
que a Paz só pode ser fruto da Justiça
irmanada com a Esperança da Graça maior
de um Deus que não recusou ser crucificado
para que a ressurreição fosse a vitória
da vida sobre a morte.
Shalom, Salam, a Paz!

Roberto E. Zwetsch
São Leopoldo, 17 de abril de 2016.
 

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