No dia 19 de abril passado, Dia do Índio, o Ministro da Justiça, Tarso Genro, assinou portarias delimitando sete novas áreas indígenas, como áreas de propriedade permanente de diversos povos indígenas. A FUNAI fica encarregada da demarcação das respectivas áreas. Essas medidas estavam no horizonte das possibilidades que se prenunciavam a partir dos respectivos processos em curso há anos e do marco legal e constitucional no país.
Quatro dessas áreas encontram-se no estado de Santa Catarina e, em pelo menos duas delas, famílias de agricultores membros da IECLB estarão sendo atingidas. A IECLB, em primeiro lugar, compartilha solidariamente o sofrimento dessas famílias, pois sem qualquer dúvida elas são as novas vítimas de toda uma história de colonização que, de um lado, na origem, não respeitou direitos de povos indígenas, e, de outro, lançou agricultores de boa-fé para dentro de uma situação em que, tendo obtido documentos de propriedade legal, se vêem na contingência de perder essas propriedades com as quais têm provido o sustento de suas famílias e produzido alimentos para a Nação.
Em segundo lugar, devemos observar com realismo que as medidas ora tomadas não nos tomam propriamente de surpresa. Há precisamente dois anos atrás a IECLB realizou em Palmitos, Santa Catarina, um Encontro de Reflexão sobre a Igreja e a Questão Agrária, em que o assunto principal foi o conflito em torno de propriedade de terra entre agricultores e indígenas em Santa Catarina. Naquela ocasião ficou claro que, sem esquecer a responsabilidade que a Nação brasileira tem para com os povos indígenas, a Igreja tem a responsabilidade de estar ao lado de seus membros. De que forma a Igreja exerce essa responsabilidade? Estava claro que a Igreja não seria, nem poderia ser, o juiz da relação de conflito, que deveria ser resolvido dentro dos marcos legais do país, que conta com instituições estabelecidas para tanto. Naquela ocasião a Igreja se propôs acompanhar com cuidado espiritual o processo e os membros das comunidades, em qualquer cenário que viesse a acontecer. Inclusive se sugeriu que o Sínodo e as Paróquias procedessem a um cadastramento das famílias que possivelmente viriam a ser afetadas, para um bom acompanhamento. Essa tarefa talvez se faça ainda mais urgente agora. Já em 11 de junho de 2004 tivemos uma intercessão comum na Igreja, com os seguintes dizeres: “Pela solução dos conflitos entre agricultores e indígenas, com respeito aos direitos de ambos.” Essa continua sendo a petição da IECLB, mesmo em novas circunstâncias.
Em terceiro lugar, devemos observar que a expectativa dos agricultores era de que os caminhos legais pudessem reafirmar a propriedade das terras como um direito seu. A portaria ministerial frustra essa expectativa. É esse cenário doloroso em que a Igreja deve atuar. De que forma ela estará ao lado de seus membros afetados? Ora, o papel da Igreja, em última instância, não mudou. A Igreja não pode esquecer que ela não se constitui em partido, mas tem um ofício espiritual. Por mais difícil que seja, seu papel segue sendo não o de protagonista, mas o de acompanhante solidário, no sentido do cuidado pastoral, da conciliação e do diálogo. Ela deve ser um instrumento de paz. Deve também resistir à tentação de difundir o que poderiam ser “ilusões” ou de acirrar ainda mais os ânimos, o que poderia levar a situações imprevisíveis e que viriam a trazer ainda mais sofrimento às pessoas afetadas. Assim, nesse momento a Igreja se propõe, em espírito solidário e atenta às possíveis alternativas, acompanhar os processos e as pessoas, dando-lhes o apoio adequado à situação. Em meio às tensões, ela deve ser uma voz moderadora, embora decidida na busca das melhores alternativas à frente.
Não há dúvida de que a responsabilidade de sanar o sofrimento e compensar as dores cabe antes de tudo às autoridades constituídas, que não podem fugir demagogicamente dessa responsabilidade. Por isso, em quarto lugar, a Presidência da IECLB se propõe, com os sínodos de Santa Catarina, reivindicar junto a essas autoridades e instâncias o estabelecimento de políticas e medidas eficazes, para que os agricultores não fiquem desamparados e jogados à própria sorte, mas plenamente reconhecidos e assistidos. O que isso pode representar em concreto deverá ser também objeto de diálogo com as próprias famílias de agricultores.
Sabemos que numa situação tão conflituosa, diferentes perspectivas são possíveis, tanto de confronto quanto de entendimento. Por isso mesmo devemos perseverar no diálogo, na busca da paz e da justiça, que, sabemos, no nosso peregrinar sempre serão relativas, até que sejam realidade consumada no reino de Deus.
Porto Alegre, 30 de abril de 2007
Walter Altmann
Pastor Presidente