Rafael Soares de Oliveira é o secretário executivo de KOINONIA – Presença Ecumênica e Serviço, uma das organizações brasileiras membro de ACT Aliança, uma rede que une mais de 100 organizações, igrejas e conselhos de igrejas envolvidos no trabalho de ajuda humanitária, projetos de desenvolvimento e defesa de causas. A esfera de articulação nacional de ACT Aliança no Brasil é o Fórum Ecumênico ACT Brasil (FE ACT Brasil), que inclui, além das organizações-membro brasileiras e as estrangeiras que atuam no país, também igrejas, conselhos de igrejas, organismos ecumênicos e redes de articulação com interface de colaboração com a sociedade civil.
O FE ACT Brasil tem, entre suas prioridades, a construção de articulações em torno do tema das mudanças climáticas e a justiça ambiental. Com a proximidade da Rio +20, a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, agendada para 4 a 6 de junho de 2012, o fórum ecumênico passou a desenvolver, interna e externamente, sua estratégia de participação no evento. A participação do fórum ecumênico na articulação nacional passou a ser fundamental.
Entre 21 e 23 de outubro, ocorreu, em Porto Alegre, a reunião do Comitê Facilitador da Sociedade Civil para a Rio +20. O grupo se dedica a preparar o encontro dos ativistras pelo futuro do Planeta e as atividades paralelas de incidência à Rio +20, a Cúpula dos Povos, como é conhecida, aponta para justiça social e ambiental e contra todas as formas de mercantilização da natureza. O encontro, na capital gaúcha, reuniu cerca de 120 participantes, foi o primeiro que contou com a participação de um representante do FE ACT Brasil, que nomeou Koinonia e a Coordenadoria Ecumênica de Serviço (CESE) para ocuparem este espaço. Rafael Soares de Oliveira representa, através do FE ACT Brasil, as redes que estão conectadas ao fórum no Comitê Facilitador, que é um grupo do qual participam somente redes.
Além de organizar a Cúpula dos Povos, o grupo buscou, ainda, vislumbrar conexões das iniciativas em torno da Rio+20 com o Fórum Social Temático, que vai acontecer em Porto Alegre, em janeiro de 2012, e como este evento, que irá se dedicar a debater a questão da justiça ambiental, pode se desdobrar no processo da Rio+20 e ultrapassá-lo.
A articulação nacional busca conexões globais. “Tivemos presença de gente do Egito, da África do Sul, por exemplo, para ver que enlaces internacionais as lutas existentes ao redor do mundo podem ter com a Rio+20”, afirmou Rafael.
Uma das definições do encontro em Porto Alegre foi que, em Durban, durante a realização da próxima reunião da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, a COP17, o comitê da sociedade civil daquele evento fará um assembléia, no último dia, para falar sobre a Rio+20, tentando levantar quais os pontos que sairão de Durban para o Rio de Janeiro. “Desta forma, fica estabelecida a necessidade de integração, por parte das redes ecumênicas que estão participando da articulação em torno da COP17, para que se juntem aos esforços em torno de Rio+20” assinalou Rafael, que foi entrevistado por Marcelo Schneider, durante sua passagem por Porto Alegre. A seguir, os principais trechos da entrevista.
Como está organizada a articulação ecumênica em torno da Rio+20?
A mobilização ecumênica em torno da Rio + 20 tem duas frentes. Uma é nacional e a outra é internacional.
A frente local já está pré-definida e tem várias interfaces, nas quais organizações e igrejas no Brasil estão presentes no tema ambiental, dependendo do lugar onde elas estão. Na Amazônia, por exemplo, os temas fortes são os que giram em torno da Pan-Amazônia. Em outros lugares do país a ênfase é mais voltada para os enfrentamentos do desenvolvimentismo nacional.
Há, também, uma preocupação profunda com uma ética da responsabilidade com o planeta. Isto está presente e acumulado, política e teologicamente, pelo movimento ecumênico no Brasil há alguns anos – até mesmo desde a Eco ‘92.
O que está faltando nesta mobilização?
Falta algo mais sólido, uma mobilização massiva e um processo mais claro. Mesmo do ponto de vista da sociedade civil, o processo ainda não é todo massivo. O que há é uma tentativa de vincular o movimento local a processos globais já existentes em torno do tema das mudanças climáticas e a COP17.
Esperamos que uma coisa tenha vínculo e continuidade com a outra, que não sejam mecanismos isolados, mas que a Rio+20 represente uma convergência dos processo de luta globais existentes que se propõem a enfrentar o modelo atual do capitalismo, com as suas vertentes de degradação da natureza e sua própria falência.
O que se está dizendo, em termos de conteúdo é: Já se passaram 20 anos nas mãos de quem está no poder. As tentativas de dar algum passo em relação ao desenvolvimento sustentável, mas o planeta segue dando passos para trás. Não há acordos sobre clima, sobre proteção de áreas verdes. O que houve foi um processo de mercantilização da natureza, criando novas maneiras de manter o capital dentro da lógica ambientalista como, por exemplo, os créditos de carbono. Não é possível continuar degradando o meio ambiente e oferecer créditos de carbono para quem mantém a floresta. Às vezes, é esta mesma floresta que está sendo degradada por um projeto de desenvolvimento, como o plantio de soja ou a construção de uma hidroelétrica.
O que está acontecendo agora é que estamos discutindo como é que isto tudo vai convergir. A Rio+20 tem que ser um lugar de visibilidade e confronto do modelo atual de desenvolvimento e do modelo capitalista vigente, que inclui todas as suas facetas, como os programas de desenvolvimento que não respeitam a natureza nem a vida dos povos, mas também a faceta financeira, que tem quebrado e, conseqüentemente, exaurido os povos para pagar a conta, pois os Estados tem pago as contas do sistema financeiro que está quebrando. Por isso, trazer para a Rio+20 todo este movimento de indignados, dos que ocupam Wall Street aos que protestam contra os problemas na Europa, também passou a ser uma pauta exigente agora. O tema da Rio+20 é o desenvolvimento e meio ambiente, mas é, também, a sociedade se expressando no confronto com um sistema que está acabando com o planeta.
O que queremos para o futuro do planeta não é somente denunciar tudo isso, mas também falar de alternativas que temos construído para o futuro. Desde uma pequena experiência de economia solidária às experiências de agroecologia, passando por novas visões de mundo que convivam criticamente com a sociedade de consumo, com a idolatria do mercado em relação à liberdade dos seres humanos, para que possamos conviver, também, com expressões tradicionais de convivência com o planeta, como a perspectiva do bem-viver na região dos Andes e as perspectivas das comunidades tradicionais no Brasil de outras regiões (indígenas, negras).
Estas visões oferecem um desafio de falar sobre temas mais amplos e não ficar só na pauta oficial da Rio+20, que é a economia verde e governança global em torno da questão ambiental. Estes dois temas oficiais, ditos assim, parecem muito específicos. Mas, economia verde, na verdade, é uma proposta de olhar para o futuro a partir de uma nova economia que passa por cima destes temas centrais que apresentei acima, ou seja, o modelo econômico, a questão financeira, os mercados globais. Nada disso, necessariamente está em jogo. Se não nos mobilizarmos, a pauta oficial de Rio +20 vai falar apenas de como financiar novas tecnologias de convivência com o planeta, do ponto de vista da energia e do consumo. Isto é insuficiente, pois não aborda o bem comum, não inclui a tecnologia como um bem comum da humanidade, mas um processo dominado por partes cuja conseqüência, mais adiante, será muito parecida com o que já estamos experimentando hoje, só que com outras faces e outras cores.
Por isso, nós, da família ecumênica brasileira, vemos, de maneira ainda mais clara, o desafio de encontrar, internacionalmente, pontos de incidência ecumênica comum já existentes. É fácil encontrar exemplos globais de envolvimento ecumênico em torno de questões ligadas às mudanças climáticas. Nossa pergunta é como estas iniciativas e movimentações globais irão trazer os resultados dos debates pós-COP17 para a Rio +20 ao lado de outros atores da sociedade. Estrategicamente, seria interessante ver os atores globais trabalhando junto com os setores locais já mobilizados.
Temos, hoje, que identificar claramente quais são as bandeiras ecumênicas globais, mas, também, os locais em que a família ecumênica está envolvida. Por exemplo, o tema da paz, muito corrente hoje na agenda ecumênica global, está intrinsecamente ligado ao tema do futuro do planeta. O não investimento em guerras significa economia que pode ser dirigida a fins humanitários. Temos a oportunidade, com a Rio+20, de dar visibilidade a um amplo processo de luta por justiça social e ambiental.
O que a articulação ecumênica nacional espera dos parceiros ecumênicos internacionais?
Atualmente, a agenda ecumênica internacional ainda está com baixo perfil de mobilização para a Rio+20 por conta dos preparativos para COP17. O que esperamos é que, passada a COP17, as conexões internacionais que já temos sejam intensificadas em torno do evento de 2012 no Rio de Janeiro. Nós, como FE ACT Brasil, passamos, depois deste encontro do comitê em Porto Alegre, a ter uma responsabilidade local muito grande, pois não haverá um comitê internacional de definição das participações na Rio+20. É o próprio Comitê Facilitador da Sociedade Civil, que, hoje, funciona, basicamente, no Brasil, que vai contar com representantes de redes internacionais e esperar que estes representantes, por sua vez, mobilizem as suas redes globais. Recai, desta forma, sobre o nosso fórum ecumênico, a responsabilidade de conseguir estabelecer bons vínculos com o Conselho Mundial de Igrejas (CMI), APRODEV e ACT Aliança, que são nossos parceiros imediatos.
Esperamos, também, que haja abertura para uma agenda comum, não a imposição de uma agenda local nem global. Estamos cientes que já há processos em curso em relação a Rio +20, mas esperamos não chegar a uma multiplicação de iniciativas, pois a Rio+20 pretende ser diferente daquilo que fazemos em Fóruns Sociais Mundiais. Muitos parceiros internacionais estão diretamente envolvidos na agenda oficial da Rio+20, como é o caso do CMI, por exemplo. Precisamos estreitar nossas conexões com estes parceiros. Em segundo lugar, esperamos que estes parceiros escutem a convocação que está sendo feita, não só localmente, mas também globalmente, pela sociedade civil. Nosso chamado deve ser lançado formalmente, em forma de uma carta aberta, dentro de cerca de um mês. Precisamos, em comum acordo, falar numa só voz na Rio+20. Não podemos chegar isolados.
Por Marcelo Schneider
Marcelo Schneider é correspondente de comunicações para América Latina do Conselho Mundial de Igrejas