O tempero de nossas canções

07/11/2016

 

Lado PALAVRA

O TEMPERO DE NOSSAS CANÇÕES

Catequista Louis Marcelo Illenseer

Em tempos de novas estruturas, novas formas de viver, novos grupos de jovens, é comum aparecerem com novas canções! O próprio Salmo 98 nos lembra: “Cantai ao Senhor um cântico novo...” O novo muitas vezes aparece como “melhor” que o velho; também o “velho” às vezes se acha no direito de ser mais experiente, portanto, “melhor” que o novo.

É preciso, porém, mudar alguns CONCEITOS e PRECONCEITOS. Conceito é aquilo que nossas cabeças inventam para explicar alguma coisa. Preconceito é aquilo que nossas cabeças acreditaram e acreditam que é verdade e que, na maioria das vezes, não pode ser mudado.

Uma pequena história

Era uma vez, uma menina, cheia de sonhos, de ideais. Ela vivia numa aldeia feliz. A aldeia tinha casa para todo mundo, nunca faltava comida, nem carinho. As pessoas que viviam nessa aldeia eram muito amáveis.

Claro, como toda aldeia que se preze, tinha também algumas regras para a convivência. E uma regra chamava a atenção. Todas as casas, muito bonitas, por sinal, pintadas nas mais diferentes cores, tinham uma coisa em comum: havia um tapete na entrada.

Tá certo que é comum haver um tapete na entrada, mas naquela aldeia os tapetes tinham que ser verdes. Ninguém podia trocar o tapete verde por outro de outra cor.

Um dia, a menina passeava pela aldeia e viu uma coisa assombrosa, que ela nunca tinha visto: o chefe da aldeia estava discutindo, enraivecido, com uma família. Ele gritava, urrava de ódio daquela gente. A menina, mesmo com medo, aproximou-se para ver o que acontecia. O homem gritava:

“Como vocês podem colocar um tapete amarelo na porta de sua casa? Isso é um absurdo. Não podemos colocar tapetes que não sejam verdes! Vocês precisam trocar este tapete!”

A mulher tentou conversar:

“Mas senhor, nosso tapete verde está sujo! Recebemos tantas visitas que tivemos que tirá-lo para a limpeza. Nós encontramos este tapete no bosque e achamos melhor colocá-lo aqui!”

O homem retrucou:

“Vocês não sabem das regras? Os tapetes verdes são melhores! Eles são importados da aldeia imperial! É proibido usar qualquer outro tipo de tapete. Você e sua família estão expulsas da aldeia.”

Nisto, a mulher entrou na casa, recolheu o tapete amarelo, juntou a família e foi embora. A menina, que tudo observava, ficou com pena daquela mulher e de sua família e pensou onde iriam morar e o que comeriam.

Daquele dia em diante, a menina deixou de ser alegre. Carregava consigo a imagem do homem gritando com outras pessoas. Um dia, ela foi passear no bosque e, avistou no meio de umas flores um tapete de outra cor: era um tapete azul.

Olhou para os lados, para ver se ninguém estava por perto. Aproximou-se do tapete, pegou-o com as mãos, sentiu a maciez de seu tecido.

Colocou-o no chão, limpou seus pés e entrou numa casa imaginária, onde os móveis eram diferentes, as janelas eram redondas, o piso era brilhante como o sol. Ela parou numa janela redonda, olhou para fora e viu uma aldeia onde todos os tapetes eram diferentes, com cores laranja, amarelo, vermelho, azul, rosa, verde, branco, preto, e tudo era normal. As pessoas viviam bem e muito felizes com tapetes diferentes.

Perguntas para a reflexão

1. Por que os tapetes tinham que ser verdes?
2. Será que o tapete amarelo trazia algum vírus que infectaria toda a aldeia?
3. Por que o chefe da aldeia não falou com mais calma?
4. Será que o tapete verde iria ser jogado fora por aquela família?
5. O que são os tapetes verdes na nossa vida? E no nosso grupo de jovens? E na nossa igreja?

A música entre o novo e o velho

A música na Igreja é um assunto velho! Vem dos tempos da Bíblia! Ela estava lá com o povo do Antigo Testamento e também esteve a partir do nascimento de Jesus. É quase como o tapete verde. Ninguém ousaria deixar a sua casa (a igreja) sem o tapete na entrada (sem música). Mas afinal, qual a cor dos nossos tapetes (ou, qual é a nossa música)? 

Bom, o que aconteceria se não quiséssemos mais a música na igreja? O que aconteceria com um culto sem cantos, sem instrumentos, apenas com orações e pregação? 

Estas perguntas se encaixam nos grupos de jovens. Os grupos têm música? O que cantam os grupos de nossa Igreja? Quem toca algum instrumento? A igreja apoia o trabalho com música?

É preciso sempre de novo observar as “cores” de nossa música. Temos muitas cores diferentes para as diferentes comunidades e seus diferentes grupos. O colorido musical da igreja é muito vasto. Podem levar a pintar quadros muito bonitos. As cores, ou melhor, as músicas, refletem aquilo que pensamos, ou mesmo aquilo que somos. Nos nossos dias, os tapetes já não são todos da mesma cor, como o eram há algum tempo (não muito distante).

A IECLB formou-se a partir da imigração alemã. Em 1824 chegaram as primeiras famílias imigrantes alemãs. Entre elas, muitas eram de confissão luterana. Trouxeram consigo sua Bíblia e seu hinário. E organizaram suas vidas (suas aldeias!) no Rio Grande do Sul, no Rio de Janeiro, Santa Catarina e Paraná. A primeira música que cantamos é a música da imigração. Não tínhamos uma música cristã brasileira.

Tínhamos uma música alemã, especialmente o coral luterano. Em nossos dias entendemos o coral como o grupo que canta a quatro vozes. Mas originalmente o coral é o nome dado a uma melodia, que vem da época de Lutero. Como melodia, o coral mais conhecido nas igrejas luteranas de todo o mundo é o famoso Deus é Castelo Forte e Bom. Lutero compôs alguns corais. Lembramos que a música na Igreja Católica, na época de Lutero (1500-1600), era o canto gregoriano e a música polifônica, cantada em latim pelos padres ou pelo coro. A comunidade não cantava. Lutero acreditou que o povo deveria entender o que acontecia na igreja. Por isso traduziu a Bíblia para o alemão. Ao mesmo tempo surgiram os corais, também em alemão. O povo poderia cantar e louvar a Deus.

Esta música chegou até nós. Até a 2ª Guerra Mundial, as comunidades de confissão luterana cantavam apenas esses corais e outras músicas da tradição alemã, que traziam nos seus textos toda a teologia luterana. O professor de História Eclesiástica, Martin Dreher, colocou certa vez o seguinte: “perguntem a pessoas idosas da comunidade se elas conhecem alguma passagem bíblica de cor. Muitas não saberão responder, mas se pedirem a elas para cantar algum hino, cantarão muitos hinos (alguns com mais de 10 estrofes)”.

A igreja foi mudando e com ela a sua música. Na década de 1960 começou-se a cantar em português. Que hinos eram cantados? Os mesmos de antes, porém, traduzidos. Eram poucos os compositores ou compositoras que faziam música originalmente em português. Os hinos eram, na sua maioria, aqueles corais, mas também outros hinos “mais novos”, do final do século XIX ou século XX. Mas a grande maioria dos hinos ainda era traduzida do alemão.

Daí surgiu o hinário com o nome Hinos do Povo de Deus, hoje ainda o hinário oficial da IECLB em uso nas comunidades. Este hinário trouxe novidades em termos de música brasileira. Algumas músicas eram de compositores como Lindolfo Weingärtner, ou hinos sem autor conhecido, como o 260 (“Cantai ao Senhor, um cântico novo”) e o 263 (“Bendirei ao Senhor em todo o tempo”).

A música cristã brasileira entrava nas comunidades, de forma muito mansa. Ela soava ainda como um tapete amarelo. Era difícil, em alguns lugares, adaptar o violão ao culto. Aos poucos foram surgindo os tais dos “cancioneiros”. Aí temos uma contribuição da própria juventude. A juventude, na década de 1970, tinha cancioneiros para seus encontros. As músicas eram inéditas para a maioria das comunidades. Essas canções eram cantadas principalmente nos encontros dos grupos. No culto, as novas canções eram “apresentadas”, mas ainda não cantadas pela comunidade.

Aos poucos surgiu o que chamamos de “queda de braço”. De um lado, quem defendia o tapete verde, com os hinários oficiais. De outro, as correntes teológicas, como o Movimento Encontrão e aa Pastoral Popular Luterana, com suas músicas “novas”, seus tapetes coloridos. A publicação do Hinos do Povo de Deus (HPD 2) reuniu em suas páginas grande parte de canções nacionais, de compositores luteranos e compositoras luteranas. Um avanço, sem dúvida!

A música, o canto, os hinos, fazem parte de um colorido muito importante para a igreja. É fantástico saber que em Manaus/AM, por exemplo, pode-se cantar o mesmo canto que em Pelotas/RS. E por que isso é fantástico? Porque a música é uma força de união. A música pode representar a nossa identidade comum. Ao mesmo tempo, o canto vai ter suas diferenças. Em alguns lugares a percussão já está na igreja. Em outros lugares o órgão de tubos é soberano. Podemos, mesmo com estes temperos diferentes, cantar o mesmo cântico novo!

Então, não nos preocupemos com os tapetes verdes: nós vivemos numa época em que o colorido já é visto pelas janelas redondas. Devemos, no entanto, ocupar-nos em respeitar as diferentes tradições e buscar em nossas canções aquilo que nos identifica. Qualquer ritmo é válido na igreja, desde que a identidade, a teologia, a esperança e o desejo de uma igreja unida transpareçam nessas canções.

Os jovens e as jovens deram e continuarão dando sua contribuição, com sua música “nova”, mas não deveriam desrespeitar a música “velha”. Louvar a Deus é possível com quaisquer instrumentos, com danças, com tambores africanos, com guitarras, com órgão de tubos, com flautas, violinos, gaitas de boca, e por aí a fora. Impor uma cor nova de tapete, e jogar fora o outro, é estupidez. O Evangelho da graça nos ajuda a acolher os diferentes modos de testemunho em cada aldeia desse planeta.


Este estudo teve a linguagem revista e atualizada. A proposta integra o volume 3 da Coleção Palavração denominado “Graça e Fé: temperos para a vida”, publicado em 2003 pelo Departamento Nacional para Assuntos da Juventude da IECLB – DNAJ, sob a coordenação de Cláudio Giovani Becker e impresso por Contexto Gráfica e Editora (ISBN 85-89000-14-1).


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