Nas nossas comunidades e Paróquias é tempo de eleição, em muitos lugares presbíteros estão sendo escolhidos para administrarem e coordenarem as Paróquias e as comunidades. Pensando nisto elaborei um ensaio de reflexão. Na minha formação acadêmica, eu fiz o curso de filosofia, saí com licenciatura plena em filosofia e no pastorado tenho observado que a reflexão teológica caminha de braços dados com a filosófica. Não há praticamente como separar. Então eleição lembra poder. E o poder é dialético, hoje está com alguém e amanhã já deixou este alguém e está com outra pessoa. A transitoriedade do poder é algo impressionante. Robert Kurz diz que o poder torna as pessoas estúpidas e muito poder, torna-as estupidíssimas.
O psicanalista J. Lacan [1] ,observou que a partir do momento em que alguém se vê eleito, ele muda sua personalidade. Um cidadão qualquer quando sobe ao poder [2] , altera seu psiquismo. Seu olhar sobre os outros será diferente; admita ou não ele olhará de cima os seus governados, os comandados, os coordenados, enfim, os demais. Estar no poder, diz Lacan, dá um sentido interiormente diferente às suas paixões, aos seus desígnios, à sua estupidez mesmo. Pelo simples fato de agora ser rei, tudo deverá girar em função do que representa a realeza. Também os comandados são levados pelas circunstâncias a vê-lo como o rei do pedaço.
La Boétie [3] parecia indignado em perceber o quanto o lugar simbólico de poder faz o populacho se oferecer a uma certa servidão voluntária. Bourdieu chama-nos atenção para a força que o símbolo exerce sobre os indivíduos e grupos. Antes de ocupá-lo, o poder atrai e fascina; depois de ocupado tende a colar a alguns como se lhes fossem eterno. Aí está a diferença entre um Fidel Castro e um Nelson Mandela. O primeiro e a maioria dos ditadores pretendem se eternizar no poder, o segundo, mais sábio, toma-o como transitório, evitando ser possuído pelo próprio. (Possuído, sim, pois o poder tem algo de diabólico, que tenta, que corrompe, etc).
Uma vez no poder, o sujeito precisará de personas (máscaras) e molduras de sobrevivência. A persona serve para enganar a si e aos outros. A moldura, é algo necessário para delimitar simbolicamente a ação dele enquanto representante do poder. A ausência de moldura ou o seu mau uso fará irromper a força pulsional do sujeito que anseia por mais e mais poder, podendo vir a se tornar uma patologia psíquica. A história coleciona exemplos: Hitler, Stalin, Mobutu, Collor de Melo, Pol Pot, Idi Amim, etc.
No filme As loucuras do rei George III [4] , da Inglaterra, somos levados a perceber duas coisas: o quanto que as pessoas recusavam a idéia de um rei que perdeu a razão em função de uma doença e, que fazer para impedir alguém que representa o poder máximo de uma nação, devido a suas loucuras? O poder faz fronteira com a loucura. Não é sem motivo que muitos loucos se julgam Napoleão ou o Rei Luis XV. Parece que há algo de loucura narcísica nas pessoas que anseiam chegar ao poder político (governante de uma cidade, estado ou país, ministro, membro do secretariado local), ou ao poder de uma instituição, empresa, departamento, pequeno setor de uma organização qualquer ou grupo qualquer. O narcisismo de quem ocupa o poder, revela-se na auto-admiração (o amor a si e aos seus feitos), na recusa em aceitar o que vem dos outros e no gozo que ele extrai do poder, que, levado ao extremo poderia revelar loucura. R. Kurz, é direto ao declarar que o poder torna as pessoas estúpidas e muito poder, torna-as estupidíssimas.
Em Mc 10.43-45 nós temos a compreensão de Jesus sobre o uso do poder. “Mas entre vocês não pode ser assim. Ao contrário, quem quiser ser importante que sirva os outros, e quem quiser ser o primeiro que seja escravo de todos. Porque até o Filho do Homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida”. O poder segundo Jesus vem de Deus e deve ser colocado a serviço dos outros. Esta dinâmica na compreensão de Jesus nós percebemos em outro texto bíblico célebre: Jo 13.1-16, Jesus lava os pés dos discípulos. Jesus que é o Filho de Deus lavou os pés dos seus discípulos, Ele que é o Rei, o Senhor com grande poder sobre todos. Se Ele fez isto, Ele quis mostrar ao mundo que o poder deve ser um serviço aos outros. Portanto todo o cristão eleito para coordenar uma comunidade, paróquia, departamento, deve ter esta consciência do serviço a Deus. Você foi eleito para trabalhar na missão de Deus. Mesmo com todas as limitações humanas que a filosofia e a psicologia nos apontam. A teologia nos coloca o caminho para realizar uma boa gestão dentro da comunidade, ou dos departamentos, ou da paróquia. Enfim, devemos lembrar que o poder é transitório e a nossa missão é permanente de trabalhar pelo Reino de Deus. Que Deus vos abençoe.
[1] Jacques Lacan, psicanalista francês, que propôs o retorno à leitura da obra de S. Freud. Cf.: Seminário 1. Ed. Zahar, 1979, p. 318.
[2] Max Weber define que opoder é toda chance, seja ela qual for de impor a própria vontade numa relação social, mesmo contra a relutância dos outros. Para M. Foucault, nas duas obras, Vigiar e Punir e Microfísica do poder, faz uma genealogia do poder. Constata que o poder se exerce na sociedade não apenas através do Estado e das autoridades formalmente constituídas, mas de maneiras as mais diversas, em uma multiplicidade de sentidos, em níveis distintos e variados, muitas vezes sem nos darmos conta disso.
[3] Etienne La Boétie, filósofo francês, autor do Discurso da Servidão Voluntária. Cf.: Brasiliense, 1982.
[4] O rei George III reinou na Inglaterra no séc. 18 Ficou louco devido a uma doença, a porfiria, desconhecida na época
Fonte: Claudio Luiz De Marchi