O Difícil começo
Abandonar a sua pátria e aventurar-se em país estranho, um adulto normal só faria com fortes razões para isto. Estas fortes razões, que iam desde a dura realidade da falta de espaço até ao revolucionarismo, levaram nossos antepassados a enfrentar um ¨difícil começo¨ em um mundo novo, totalmente desconhecido e diferente.
Os ¨novos alemães¨ como eram chamados na época, definiram este difícil começo como a época dos seus maiores sofrimentos. Auxílio não havia. A maioria era paupérrima, alguns até tinham dívidas quando chegaram, e o lucro era quase nulo. Ajuntava-se a isto o longo e desusado calor, os insetos dos quais não havia como escapar, a mudança de alimentação e as diferenças de aclimatização. Muitos tinham também saudades — Heimweh.
Ao ¨difícil começo¨ pertencia Casa dos primeiros imigrantes feito de ¨pau-a-pique¨ e coberto com folhas de palmitos a mata virgem, com todas as suas surpresas. Onde hoje se erguem prédios e cidades, naquela época as copas das, árvores se tocavam e macacos brincavam entre elas.
Ao ¨difícil começo¨ pertenceu ainda a falta de material para a construção de suas casas mesmo que primitivas, que inicialmente foram feitas de folhas de palmito e barro e ainda assim ficavam parcialmente abertas,
Ao ¨difícil começo¨ pertenceu também a febre amarela, que em 1849 levou muitos dos imigrantes europeus, do Jornal do Comércio de 04.03.1951 temos a seguinte notícia: ¨Foi tal a rapidez com que se propagou a moléstia pela cidade e pelos subúrbios, que em poucos dias fez duas mil vítimas. Na Bahia a peste chegou juntamente com a notícia do seu aparecimento, e poucos dias foram suficientes para que atingisse mortalmente duzentas pessoas.¨
Ao ¨difícil começo¨, pertenciam também os índios. Entre os anos 1852 até 1914 foram mortos, somente no município de Blumenau (SC), 41 brancos por ataques indígenas. Famílias inteiras eram atacadas e ¨saqueadas¨. As vezes ainda com barbaridades como espetar as vítimas com flechas nas portas de suas casas.
Apesar do ¨difícil começo¨, muitos logo se acostumaram. Poucos foram os que voltaram. Mesmo aqueles que podiam ter ido, ficaram. Porque encontraram o que era inatingível lá: — liberdade e terra própria —.
Por que houve emigração
Trata-se de uma pergunta que várias vezes se faz ouvir. Pois, afinal, o que fez com que tanta gente abandonasse os desenvolvidos países do norte europeu para enfrentar as matas da América do Sul?
Certamente os motivos não foram sempre os mesmos para todos que para cá vieram. Para alguns é possível até que um mero espírito aventureiro os tenha levado a enfrentar o oceano... Mas alguns motivos muito fortes certamente permeiam a decisão tomada pela grande maioria dos emigrantes. Em primeiro lugar constata-se o fato de viver o norte europeu ainda o sistema feudal. As terras não eram propriedade dos que nela trabalhavam, e sim, dos senhores feudais. Os chefes de família, empregados dos senhores feudais, não viam futuro para seus filhos. Sabiam que, continuando como tais, seus filhos teriam o mesmo futuro. Seriam, como eles próprios, meros empregados. A este somavam-se motivos cruciais, como: as constantes guerras e distúrbios bélicos; a peste, um verdadeiro flagelo que assolava a Europa; a industrialização que, em seus primórdios ainda, não tinha como absorver toda a mão-de-obra: a mortalidade infantil que, pelos recursos médicos já mais desenvolvidos, diminuía muito, provocando o crescimento acelerado da população.
Todos estes fatores, somados agora à propaganda de um futuro mais promissor no novo mundo, muito bem engendrada pelas Companhias Colonizadoras, fizeram com que nossos antepassados encarassem a emigração como real necessidade na busca de melhores dias.
Analisando as circunstâncias que levaram estes europeus a se aventurarem em nossa região, e levando em consideração que 2/3 destes imigrantes eram evangélico-luteranos que se defrontaram aqui com um mundo predominantemente católico, e observando o que representa o Sul do Paraná e o Leste de Santa Catarina para nossa pátria brasileira, podemos afirmar, baseados num orgulho sadio, que o Brasil, em todos os setores, só teve a lucrar com a vinda de nossos antepassados. Pois aquilo que nos legaram a partir de sua própria herança cultural, espiritual e social foi determinante para moldar e proporcionar o que o Sul do Brasil apresenta em nossos dias.
A travessia do Atlântico - UMA AVENTURA
Quando alguém nos pergunta algo quanto à origem das Comunidades Evangélicas no Brasil, prontamente respondemos, dizendo que surgiram com a emigração de alemães de confissão evangélica na primeira metade do século passado. E realmente foi assim. Juntamente com a sua pouca bagagem trouxeram o pequeno catecismo, o hinário, a Bíblia e a fé evangélica.
O que poucos no entanto sabem é como estes nossos pioneiros vieram. Como era uma travessia do Atlântico há 160 anos atrás? Quantas pessoas vinham em média à bordo de cada navio?
O primeiro navio com emigrantes chegou ao Rio de Janeiro no dia 13 de janeiro de 1824. Era a galera holandesa ARGO que havia saído de Amsterda levando 122 dias para fazer o referido percurso. A bordo estavam 251 colonos e 29 soldados. 14 pessoas morreram durante a viagem.
O segundo navio com emigrantes à chegar ao Brasil foi o Carolina trazendo à bordo 162 homens, 16 mulheres e 13 crianças. Este atravessou o Atlântico em 80 dias. O terceiro navio com emigrantes alemães a chegar ao Brasil foi o Anna Luise. Trouxe à bordo 269 homens, 16 mulheres e 40 crianças. Fez a travessia em 62 dias. Chegou ao seu destino no dia 25 de julho de 1824, dando assim origem ao dia do colono. Enquanto as duas primeiras embarcações levaram os emigrantes à Nova Friburgo no Rio de Janeiro, este último desembarcou os seus no Rio Grande do Sul.
Na sua obra Die Deutschen in Paraná, ein Jahrhundertbuch Curitiba, 1929, o Pastor W. Fugmann descreve a viagem de Hamburgo à Florianópolis em 1863 do veleiro Franklin . Mais de 250 pessoas estavam à bordo. Devido à ventos contrários, após uma semana de viagem o navio estava no seu lugar de partida. Haviam camas para 4 ou 5 pessoas em cima e o mesmo tanto em baixo. Durante a viagem praticamente todos ficaram doentes. O maior problema eram os constantes enjoos e vômitos. Imaginem esta situação considerando a posição das camas. A comida era tão salgada que exigia o consumo de muito líquido. A água disponível à bordo era suja, podre e cheia de vermes. Só era possível tomá-la fechando os olhos e o nariz. Imaginemo-nos uma viagem nestas condições quando por período superior à 3 meses nada mais se enxerga senão água e céu. Foi nestas condições que os nossos pioneiros aqui chegaram.
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