O Diálogo Católico-Luterano Internacional - Resumo Histórico

01/09/1982

O Diálogo Católico-Luterano Internacional
Resumo Histórico

Bertholdo Weber

Impulsionados pelo movimento ecumênico e, sobretudo, desde o Concílio Vaticano II, as nossas igrejas se encontram num diálogo fraterno oficial que depois de 400 anos vem se realizando, desde 1965, entre representantes nomeados pela Federação Luterana Mundial e pelo Secretariado para a União dos Cristãos da Igreja Católica. Os contatas estabelecidos, por ocasião do Concílio Vaticano II entre luteranos e católicos, levaram à formação de um “grupo misto de trabalho”, de composição internacional que discutiu sob o tema O Evangelho e a Igreja problemas e questões de controvérsias teológicas tradicionais, à luz de novos conhecimentos e resultados de pesquisas históricas (Reforma) e bíblicas. Retomando o diálogo sobre estas questões teológicas tradicionalmente controvertidas e objeto de discussões polémicas entre as nossas igrejas durante séculos, o grupo e, em continuação do seu trabalho, a Comissão Mista Católico-Luterana Internacional constatou que estas questões, muitas das quais conservam sua importância na atualidade, agora se apresentam sob uma perspectiva diversa e nova. 

O grupo misto, com este empreendimento, visava constatar e eliminar os eventuais pontos de mal-entendidos ou de atrito, hoje superados. Não se tratava de encontrar logo soluções rápidas e prontas para questões práticas, mas de um diálogo sério, de um reexame daquilo que nos une na mesma fé no mesmo Senhor e do que ainda nos separa. Neste empreendimento tomaram-se conscientemente estudos teológico-bíblicos por ponto de partida, porque os resultados da ciência bíblica contemporânea de ambos os lados modificaram a formulação tradicional das respectivas posições e abriram caminho para um novo modo de ver as divergências confessionais. 

Neste trabalho, cujo resultado foi publicado no Relato de Malta, sob o titulo “O Evangelho e a Igreja (1972), foram alcançadas aproximações notáveis e até surpreendentes, e constatadas convergências em questões centrais da fé cristã.

Paralelamente a estas conversações bilaterais, a convivência das nossas comunidades e dos seus membros também levou a um clima mais fraterno, de múltiplas formas de colaboração prática e de comunhão vivida na base. Se outrora fatores não-teológicos contribuíram para a nossa divisão, hoje em nosso contexto, os desafios comuns da nossa realidade se tornam um fator de nossa comunhão no testemunho profético em favor do nosso povo.
Muitas diferenças tradicionais entre nós começam a perder seu caráter divisório e outras que permanecem, estão sendo reconhecidas e experimentadas, cada vez mais, como fonte de mútuo enriquecimento e correção. E cresce entre nós a consciência de estarmos juntos sob o mesmo Senhor. 

RESULTADOS DE DIÁLOGO CATÓLICO-LUTERANO INTERNACIONAL 

Todo o esforço para alcançar um consenso envolve o arrependimento pelas divisões, e superar e compartilhar com os outros a confiança na renovação da Igreja pelo poder do Espírito Santo, atendendo à vontade de Cristo: Pai, quero que todos sejam um (Jo 17.23).

Num posicionamento comum em 1980, por ocasião dos 450 anos da Confissão de Augsburgo, representantes de ambas as igrejas confessaram: Sentimo-nos conjuntamente culpados pelo fato de que estas diferenças tenham separado as nossas igrejas e de que esta separação tenha descredenciado nosso testemunho de Cristo no mundo... Mas também confessamos juntos a fé comum de toda a cristandade no Deus Uno e Trino e na ação salvífica de Deus, por intermédio de Cristo, no Espírito Santo. Assim as nossas divergências não atingiram a raiz, porque ambos, luteranos e católicos, apesar das disputas do século XVI, permanecemos unidos sob o mesmo Senhor, nesta verdade central e mais importante da fé cristã, expressa nos credos comuns, em especial no Apostólico e no Niceno. 

Na doutrina da justificação do pecador pela fé somente, que para a Igreja da Reforma era e é de importância decisiva, delineia-se hoje um amplo consenso nos termos de ser a salvação um dom imerecido e incondicional de Deus. Ou, conforme o documento: “Todos sob o mesmo Cristo diz; Somente pela graça e na fé na ação salvífica de Cristo, não baseados em nosso mérito é que somos aceitos por Deus e recebemos o Espírito Santo, que renova nossos corações e nos capacita e chama à prática de boas obras. 

Também o Relatório de Malta já constata neste ponto centrai uma notável convergência católico-luterana quando diz: A justiça de Deus realizada no evento-Cristo é conferida gratuitamente pela fé ao pecador como uma realidade que o envolve todo, assim que somos renovados a vivermos na fé uma vida nova, conforme a vontade de Deus. 

Parece que a concentração luterana no Evangelho de Cristo tem certa afinidade com a hierarquia de verdades ressaltada no Vaticano II. Outrossim: A relação entre Escritura e Tradição (o sola Scriptura dos reformadores), velha questão de controvérsias, apresenta-se de modo inteiramente novo. Não se pode mais opor de modo exclusivo a Escritura à Tradição, pois o próprio Novo Testamento é um produto da tradição cristã primitiva. Todavia, a Escritura ocupa uma autoridade particular e tem uma função normativa para a tradição posterior da igreja, também segundo a doutrina católica. 

Não menos importante para uma aproximação entre as nossas igrejas é o intercâmbio de estudos exegéticos da Bíblia e uma nova valorização da Escritura Sagrada na Igreja Católica, especialmente nas comunidades eclesiais de base que, através de uma interpretação encarnada, conseguem relacionar a mensagem bíblica com os desafios e problemas do seu contexto histórico-vivenciai. Este novo movimento bíblico, bem como os estudos bíblicos em conjunto, em grupos e comunidades locais de ambas as confissões, onde é praticada urna releitura segundo uma hermenêutica contextual, crítica e libertadora são, do ponto de vista ecumênico, muito promissores. Poderíamos mencionar ainda o esforço comum na tradução da Bíblia e na interpretação da Escritura através de uma série de comentários ecumênicos, planejada ou em parte já realizada. 

Também quanto à compreensão da Igreja, que no passado causou graves controvérsias entre nós, constatamos hoje uma comunhão fundamental, embora ainda incompleta. Confessamos juntos: Igreja é a comunhão daqueles que Deus reúne no Espírito Santo, pela pregação do Evangelho e a administração dos sacramentos, bem como peio ministério instituído por Ele para este fim.- O Vaticano II fala dos outros cristãos como irmãos e reconhece o caráter eclesial das outras igrejas cristãs. Base indispensável de todo verdadeiro ecumenismo é o reconhecimento mútuo da eclesialidade, isto é, a consciência da atuação de Cristo e do seu Espírito nas nossas comunidades.

É claro que no caminho da unidade não podemos ignorar nossas tradições respectivas e, desta maneira, simplesmente abandonar a nossa identidade histórica, mas também não devemos esquecer que a nossa própria identidade confessional se acha envolvida num contínuo processo crítico no sentido da Ecclesia reformata et semper reformanda, pela palavra de Deus. 

É preciso purificar as nossas mentes de todos os preconceitos, chegar a uma melhor e mais crítica avaliação da história e do presente da própria igreja respectiva.e esforçar-se por um conhecimento mais intensivo e direto da outra igreja (seu culto, sua vida religiosa, seu serviço prestado pelas várias pastorais à sociedade e ao povo), obtendo assim uma ideia mais concreta da riqueza espiritual e criando abertura para formas mais intensivas de comunhão. Se ainda subsistem divergências, estas não devem ser simplesmente ignoradas ou escamoteadas, mas sim examinadas num diálogo sério e fraterno, interconfessional.

Perguntamo-nos, entretanto, se as divergências que subsistem, devem ainda ser consideradas como obstáculos para o testemunho comum e a comunhão eclesial, e se as divergências nascidas dos desafios atuais, que perpassam ambas as igrejas, não são tão grandes como as divergências tradicionais entre a Igreja Luterana e a Igreja Católica Romana. 

A Igreja é capaz de cumprir sua missão no mundo só na medida em que ela estiver unida; e estará unida somente enquanto obedecer ao chamado do Senhor para anunciar o Evangelho a toda criatura. A Boa Nova do amor reconciliador parece inacreditável se os seus mensageiros vivem irreconciliados uns lado ao lado dos outros ou até uns contra os outros. A renúncia à vaidade confessional e o respeito pela convicção de fé dos outros ajudam a diminuir as causas de conflitos pessoais e sociais. Porque a unidade não é um fim em si, mas para o mundo

Evangelho e Igreja não podem ser adequadamente definidos senão em relação ao mundo, porque o Evangelho deve ser anunciado sempre de forma nova em cada situação. O mundo em que vivemos concretamente, tem uma função hermenêutica; é a partir do contexto histórico que chegamos a uma compreensão mais profunda da riqueza e da plenitude da Evangelho. 

EUCARISTIA (SANTA CEIA) E MINISTÉRIO 

No documento: “0 Evangelho e a Igreja” se expressam convergências e concordâncias significativas. Mas, determinadas questões não puderam ser consideradas e outras carecem de exame mais detalhado. Entre estas estão as referentes à Eucaristia e ao ministério. 

Nossa Comissão Mista Católica-Luterana Internacional esteve dolorosamente consciente da separação existente entre cristãos na Ceia do Senhor, o sacramento de comunhão por excelência, enquanto que no Batismo, o vínculo básico de unidade, se chegou a um reconhecimento mútuo. O Batismo comum que nos une com Cristo é um vínculo básico de unidade que nos impele, como um só povo de Deus, a confessar e servir a um só Senhor em cada lugar e em todo mundo. Mais: A nossa união batismal em Jesus Cristo constitui um apeio às igrejas para vencerem as suas divisões. 

O resultado do diálogo: A Ceia do Senhor mostra que também na Eucaristia são os passos para o Centro os que levam mais próximos uns dos outros. Com satisfação constatamos uma concordância na presença real de Cristo na Santa Ceia. Por uma interpretação nova de conceitos tradicionais como: sacrifício eucarístico, transubstanciação, opus operatum, chegou-se a superar posições opostas e surgiu a confiança na possibilidade de esclarecer as questões ainda abertas. — Cristãos católicos e luteranos confessam juntos que Jesus Cristo está realmente presente na Santa Ceia, que seu sacrifício único não pode ser continuado, nem repetido, nem tampouco substituído, ou complementado, mas pode e deve se tornar eficaz, sempre de novo, no meio da comunidade. 

Muito daquilo que no passado nos dividiu foi removido, e diferenças que ainda subsistem, se situam dentro de uma esfera de uma comunhão mais fraterna e profunda As divergências ainda remanescentes se concentram em três pontos: 

1 — O modo e a permanência da presença real de Cristo na Eucaristia
2 — O caráter sacrifical da Eucaristia e a sua relação com o sacrifício de Cristo;
3 — O papel do ministro ordenado na celebração eucarística, assim como a sua inserção na linha da sucessão apostólica. 

A questão que realmente impede ainda a intercomunhão é a possibilidade de um reconhecimento mútuo dos ministérios eclesiais. Mas também neste terreno pedregoso e nesta tarefa espinhosa, foram dados passos que nos fazem ter esperanças para o futuro: 

1 — O reconhecimento do caráter eclesial das outras comunidades cristãs (enunciado no Vat. II UR 35.19) pode, do ponto de vista teológico, ser interpretado como um primeiro passo para o reconhecimento do ministério dessas igrejas.
2 — Reconhece-se que o ministério das igrejas luteranas nasceu numa situação de emergência.
3 -- Reconhece-se ainda que ao lado da sucessão apostólica houve incumbência de origem carismática e, ocasionalmente, uma sucessão presbiterial. 

O Concílio Vaticano II destacou três funções básicas do ministério: a proclamação do Evangelho, a celebração dos sacramentos e o ministério pastoral. Também segundo a Confissão de Augsburgo V, o ministério ordenado é instituído para a pregação do Evangelho e a administração dos sacramentos. 

O problema principal é a compreensão sacramental da ordenação, que é obrigatória na Igreja Católica. A tradição luterana utiliza um conceito mais restrito de sacramento (Batismo e Santa Ceia), não se refere à ordenação como sacramento, se bem que este termo não é rejeitado de princípio (Apol. 13.11). Onde, portanto, é ensinado que pelo ato da imposição das mãos e epiclese, da ordenação, o Espírito Santo, com seu dom de graça, habilita a pessoa ordenada para seu serviço, ali são superadas as diferenças nesta questão. A transmissão do ministério é realizada por outros ministros (bispo ou pastor regional). Nisto se expressa, inclusive, o fato que a missão do ministério está em função da unidade e pode efetuar seu serviço de unidade somente na colegialidade com todos os demais ministros ordenados, na presença da comunidade, do povo de Deus. 

Também o caracter indelebilis, mal-entendido no sentido ontológico-material, é hoje interpretado pela teologia católica mais a partir da promessa e da missão que determinam a pessoa ordenada de maneira permanente Aliás, também na Igreja Evangélica não se repete a ordenação.

Quanto à sucessão apostólica ininterrupta que falta ao ministério luterano (com exceção da Suécia), o Vaticano II fala de um “defectus” — defeito do sacramento de ordenação, na plenitude do ministério eclesial, enquanto que os luteranos acentuam a sucessão da Palavra de Deus e da doutrina do Evangelho, que tem a primazia. A corrente ininterrupta da transmissão do cargo está em função desta sucessão de Evangelho e não constitui ipso facto uma garantia segura da continuidade do verdadeiro anúncio do Evangelho. — Não é negado que o ministério nas igrejas luteranas, também na convicção católica, exerce funções essenciais do ministério que Jesus Cristo instituiu em sua Igreja.

Mas a intercomunhão eucarística não deve depender exclusivamente do reconhecimento mútuo dos ministérios. Para os luteranos, a Ceia de Cristo está fundamentalmente aberta; mas ainda falta a admissão recíproca. Também não precisamos esperar até que os teólogos encontrem formulações de um consenso suficiente ou uma lista completa de pontos de doutrina aceitos por todos. O slogan: Ou tudo ou nada! já cedeu há muito tempo a um processo de crescimento: Ecumenismo é uma caminhada de passos sucessivos, passos pequenos, para um entendimento comum e fraterno no amor, base suficiente para a comunhão. Esta não se decide exclusivamente na cúpula, mas na vivência concreta nas comunidades locais, e todo ecumenismo autêntico começa na base e se desenvolve de baixo para cima, dificilmente de modo inverso. 

É nos grupos de base que se antecipa já hoje a celebração da Ceia Escatológica do Senhor, se partilha o pão eucarístico entre irmãos e o pão de cada dia com os pobres. O que aconteceu nos campos. de concentração é válido também para determinadas situações, ainda que as convergências existentes sejam ainda insuficientes para o restabelecimento de comunhão intereclesial plena. 

As nossas igrejas (confessionais) de tradição histórica já há muito tempo deixaram de formar blocos monolíticos, e a presente situação também no Brasil é caracterizada por uma pluralidade de tendências (conservadores, moderados, progressistas; fundamentalistas, evangelicais, carismáticos e engajados nos problemas sociais da nossa realidade). Estes movimentos transconfessionais levam a tensões e até polarizações nas igrejas. A pluralidade dialógica destes movimentos pode ultrapassar as fronteiras confessionais, passa através das igrejas; de modo que muitos grupos se sentem mais integrados em grupos semelhantes da outra igreja do que na própria. Faz parte do ecumenismo verdadeiro esta solidariedade entre os cristãos que sofrem e se alegram com os irmãos e não podem ficar neutros quando o sistema opressor parece ter interesse em desmoralizar uma igreja conscientizada e engajada em favor dos oprimidos, pobres e marginalizados. 

O PRIMADO DO PAPA 

Em última questão, segundo palavras de Paulo VI, o maior Obstáculo entre as nossas igrejas é o primado pontifical e a infabilidade do papa. — O grupo de diálogo luterano-católico dos Estados Unidos estudou desde 1970 o problema do primado do papa, que foi objeto de vivas controvérsias muito antes que a infalibilidade fosse um problema. 

Registra-se entre os luteranos urna tomada de consciência cada vez mais viva da necessidade de um ministério específico para manter e expressar a unidade visível da Igreja universal (católica.) sob o ângulo, de sua missão no mundo. Por parte dos católicos acentua-se a importância do princípio conciliar e a estrutura colegial da Igreja (Vaticano II). À luz  do Novo Testamento descobriu-se que é justificado falar de uma função de Pedro ou serviço petrino, e esta função petrina do ministério serve para promover ou para preservar a unidade da Igreja. 

Os reformadores, apesar das polêmicas duras, não rejeitaram totalmente todos os aspectos desta função petrina do papa, mas esperavam uma renovação do ministério papal sob o Evangelho, condenando os abusos da autoridade jurisdicional absoluta, com o fim de preservar a unidade da Igreja, mas reconhecendo ao papa poderes espirituais legítimos, desde que fosse garantida a pregação livre do Evangelho de Cristo. 

O diálogo sobre o ministério episcopal e o papado está na pauta da próxima reunião da Comissão Mista Internacional, em Veneza, maio de 1982.
Também a discussão em torno de Lutero e seu significado ecumênico está chegando a uma visão mais convergente entre historiadores e teólogos católicos e evangélicos. Para o jubileu de 500 anos do nascimento de Lutero, em 1983, a nossa Comissão Mista Internacional vai redigir um documento sobre o significado atual e ecumênico do Reformador (Oekumenische Erschliessung Luthers) para a cristandade toda. 

ECUMENISMO PARA O MUNDO 

A força ecumênica abre as portas das igrejas e leva-nos para fora dos muros do passado para o mundo maior dos homens; leva-nos a perceber que ecumenismo não é um assunto apenas eclesiástico, mas do interesse da sociedade humana em geral. Não buscamos meramente a unidade eclesiástica, mas a unidade de todos os homens, unidade esta universal na medida que abrange toda a humanidade e suas divisões. Neste sentido lato, passos em direção à unidade representam todos os esforços que envidamos juntos para promover a paz, a justiça social e condições dignas da pessoa humana. Por isto é necessário que a mera coexistência das igrejas ainda vigente em muitos lugares passe, em medida crescente, para uma comunhão no planejar, falar e agir, em nível de comunidade local e regional, em grupos de trabalho, de estudo e oração.

O ecumenismo autêntico começa a se realizar na base, na vivência real e leal dos cristãos em situações de desafios que exigem resposta, testemunho e ação comum. É na práxis, na colaboração que se vivencia e comprova o verdadeiro ecumenismo de irmãos na fé, no sofrimento e na esperança. Ecumenismo não é e não pode ser assunto de especialistas ou das cúpulas, mas cresce de baixo para cima. 

O que buscamos? 

— Buscamos a unidade na diversidade reconciliada

— não uma uniformidade organizativa.

E as diversidades, uma vez reconciliadas, podem ser entendidas e vividas como formas de expressão diferente da una e mesma fé apostólica. 

PASSOS EM DIREÇÃO À UNIDADE (SUGESTÕES) 

- Estudo e recepção dos resultados do diálogo já publicados e o testemunho conjunto da fé cristã, em cultos ecumênicos, na cooperação no campo escolar e na educação cristã, nos programas dos meios de comunicação e, especialmente, nas áreas das diversas pastorais (da terra, indígena, operária). 

- Na evangelização, no planejamento conjunto do trabalho pastoral, em hospitais, nas universidades, entre crianças e jovens e velhos.
Acho que se deveriam formar grupos de base, comunidades cabeças-de-ponte ecumênicas, que poderiam dar estímulos para o trabalho pastoral em conjunto, também nas comunidades tradicionais. 

Uma área especial de responsabilidade ecumênica e a assistência pastoral aos casais de diversas confissões (“matrimônios mistos). É de vital importância para nosso testemunho cristão comum que tais famílias se tornem células de compreensão e vivência ecumênicas, em vez de servirem de campo de batalha das tradições separadas que, afinal, levam à alienação total da fé cristã e da vida religiosa. 

Somos chamados ao testemunho profético diante de manobras que escravizam e exploram o homem, à luta em favor da dignidade e dos direitos fundamentais da pessoa humana, em favor de uma distribuição mais justa da renda e do direito à terra daqueles que a cultivam e dela precisam para sobreviver. 

Em face dos graves problemas, desafios e chances da nossa realidade atual, somos chamados a dar este testemunho de fé comum, em que católicos e luteranos, não mais separados ou opostos, mas conjuntamente testemunhem a mensagem da salvação do mundo em Jesus Cristo, nosso Senhor comum.

Ecumenismo que apenas se dedica a discutir divergências doutrinárias e teorias de fé abstratas, ignorando o contexto concreto, histórico e vivencial em que vivem os cristãos é infrutífero e sem promessa de levar à comunhão de vida nas bases. A nossa busca de união fraterna no testemunho e no serviço não se realiza à margem dos problemas e desafios que o povo enfrenta, mas é com este povo e em solidariedade ativa com os pobres, os oprimidos e famintos que se evidencia a autenticidade do nosso ecumenismo. 

A NOSSA VISÃO COMUM DA UNIDADE 

A divisão interna entre os cristãos causa escândalo e sofrimento à igreja e ao mundo, prejudica o testemunho do Evangelho e o serviço cristão a ser prestado ao mundo. Isto nos obriga a fazer sem demora tudo o que possa ajudar a superar esta divisão. 

Precisamos de uma visão comum, porque continuaremos a dividir-nos ainda mais se não nos orientarmos para uma meta comum. Precisamos da unidade em todos os níveis, porque ela afeta todas as áreas de nossa vida. Sempre e em toda parte onde existem cristãos trata-se da unidade em Cristo, e cada um é chamado a dar a sua contribuição. 

A meta da unidade nos é dada; não pode ser construída nem manipulada, mas é recebida. A unidade que buscamos já está realizada em seus princípios. Apesar da nossa culpabilidade huma-na, o Senhor não desiste de seu agir unificador para reunir num só corpo os filhos de Deus que estavam dispersos para que todos sejam um (do 17.27). — Por meio dos dons que confiou a sua Igreja ele conduz o rebanho disperso à plena unidade. 

Quanto à forma concreta da unidade, já dada agora, bem como esperada e procurada no futuro, é preciso dizer o seguinte: A unidade cristã é um dom da graça do Trino Deus. uma obra que ele realiza: 

- por meios que ele escolhe;
- da maneira que ele determina;
- moldada por estruturas básicas que ele criou;
- norteada para uma comunhão única e verdadeiramente universal. 

1 — Ela é unidade na fé e no testemunho da verdade do Evangelho.

Onde quer que igrejas e comunidades ecIesiais confessem a Jesus Cristo como Senhor, ali existe uma unidade básica na fé.

2 — Ela é unidade da esperança. 

A unidade da igreja se torna realidade onde cristãos estão unidos na antecipação e na expectativa do futuro de Deus. Esforços ecumênicos têm o seu embasamento mais profundo na certeza do Reino de Deus, de um novo céu e uma nova terra, onde habita a justiça. 

3 — Ela é unidade no amor que cria comunhão e nos faz crescer em tudo naquele que é a cabeça: Cristo.

Quanto à estrutura da comunhão pode-se dizer: A unidade em Cristo há de ser unidade em:

a) visibilidade;
b) diversidade;
c) dinamicidade. 

a) A unidade por nós aspirada deve ser uma unidade visível que se manifeste historicamente na vida da Igreja e das comunidades locais. É o nosso compromisso ecumênico de honrar esta unidade, dada em Cristo, manifesta, visível e reconhecível para o mundo, a fim de que o mundo creia- (unidade e missão!). — Mas unidade não significa de modo algum uma uniformidade inflexível; a unidade viva em Cristo é essencialmente multiforme e dinâmica. 

b) A unidade em Cristo se realiza com e na diversidade. O Espírito, que une o que está separado, cria realidades diversas e as conserva como tais, para levá-las à mútua complementação, à unidade do amor. O corpo é constituído de muitos membros, e justamente a diversidade de carismas, serviços e atividades congrega na unidade os filhos de Deus, pois é um só e o mesmo Espírito que realiza todas estas cousas (1 Co 12.11). — É preciso reconhecer os dons específicos recebidos e administrá-los fielmente e ao mesmo tempo estar aberto para os dons específicos que os outros receberam. 

c) A unidade é inserida na dinâmica da graça. Como unidade na fé, ela precisa, igual a esta, crescer e ser ativa. Como a fé, a comunhão vivencial em Cristo é uma caminhada: A unidade nunca se satisfaz com o que foi alcançado e tampouco jamais desespera por causa do não-alcançado, mas tenta ultrapassar o já alcançado. A fé constantemente busca a unidade mais profunda e plena em Crista Ela é universal (ecumênica), transcende os limites de tempo e espaço. Todos, em todo lugar, os que foram batizados em Jesus Cristo e o confessam como Senhor e Salvador são guiados peio Espírito Santo para uma comunhão integralmente responsável. Simultaneamente, são unidos com toda a comunidade cristã, em todos os lugares e em todos os tempos. (Nova Delhi)

Resumindo: Tal comunhão significa, para aqueles que dela participam, nada menos do que uma vontade e um Espírito renovador, plena participação no louvor e na oração comuns, arrependimento e perdão, sofrimentos e alegrias compartilhadas, escutar em conjun-to o mesmo Evangelho e responder na fé, obediência e serviço, juntando-se na missão única de Cristo no mundo, em amor que se esquece de si mesmo para dedicar-se a todos pelos quais Cristo morreu. 

Último aspecto: A unidade é unidade para o mundo. Igual a Cristo, o homem para os outros, sua Igreja existe para a vida do mundo (Jo 6.51). Seus membros devem estar unidos para que o mundo creia (Jo 17.21). 

Unidade e missão evangelizadora e libertadora são inseparáveis na vida da Igreja. A Boa Nova do amor reconciliador parece inacreditável se os seus mensageiros vivem irreconciliados uns lado ao lado com os outros, ou até uns contra os outros. Só podem cumprir sua missão através de seu testemunho comum e sua vivência fraterna. 

E esta vida comum em Cristo deve constituir-se em sinal da unidade futura da humanidade, em um instrumento para uma vida livre, justa e fraterna da sociedade. A renúncia à vaidade confessional e o respeito pela convicção de fé dos outros ajudam a diminuir as causas de conflitos pessoais e sociais. O empenho pela comunhão de todos os cristãos, na qual diferenças sociais e culturais, discriminações raciais perderam sua força divisória, se exercita na grande luta pelo saneamento do mundo dilacerado por tensões e inimizades. Este empenho peia paz e justiça, em favor dos irmãos que sofrem, pode conduzir à cruz, sofrimento e perseguição. Mas também nisto podemos experimentar a profunda comunhão com o Senhor e com os nossos irmãos.

[Publicado originalmente em: Estudos Teológicos. Ano 22, no. 3, 1982.]
 


Autor(a): Bertholdo Weber
Âmbito: IECLB
Área: Ecumene / Organismo: Igreja Católica Apostólica Romana - ICAR
Natureza do Texto: Artigo
ID: 20416
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