Leitura Bíblica Básica: Mateus 6.24
Outras Leituras:
Autor: P. Carlos Möller
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Origem: Sínodo Brasil Central
Cidade: Brasilia - DF
Data da pregação: 17/02/2010
Data Litúrgica: Quarta Feira de Cinzas / Abertura da Campanha da Fraternidade Ecumênica 2010
Prédica:
HOMILIA PROFERIDA NA ABERTURA DA CAMPANHA DA FRATERNIDADE ECUMÊNICA 2010
No dia 17 de fevereiro de 2010, às 19:30h, ocorreu, no Santuário Dom Bosco, Brasília/DF, a Celebração de Abertura da Campanha da Fraternidade Ecumênica 2010, com o tema “Economia e Vida” e o lema bíblico do evangelista Mateus “vocês não podem servir a Deus e ao dinheiro” (Mt 6.24).
Abaixo, disponibilizamos a homilia que o pastor sinodal Carlos Möller, presidente do CONIC (Conselho Nacional de Igrejas Cristãs), proferiu na ocasião.
Economia e vida. Vocês não podem servir a Deus e ao dinheiro (Mt 6.24)
Prezada família ecumênica, irmãs, irmãos, senhoras, senhores.
Hoje apontamos para a ponta do iceberg. E durante a campanha descobriremos a profundidade do tema.
A cada seis segundos morre uma criança no mundo por fome ou dela decorrente, mais de 16.000 a cada dia; 500.000 no mês. Um bilhão de pessoas no mundo sofrem hoje sob as nefastas conseqüências da fome.
No ano 2000, virada do milênio, ano de nossa primeira CFE (Campanha da Fraternidade Ecumênica) – DIGNIDADE HUMANA E PAZ, Novo Milênio sem Exclusões –, as Nações Unidas colocaram como meta reduzir pela metade o número dos pobres e dos famintos no mundo até o ano 2015. Dez anos se passaram e os números são alarmantes, se distanciam mais e mais daquele visionário objetivo colocado pela comunidade internacional. Com razão, Jean Ziegler assim se expressou: “quem morre de fome, morre como vítima de um homicídio”.
Não falta alimento para alimentar com 2.700 calorias diárias uma pessoa; o contraponto dessa realidade está no fato que 2/3 da área agrícola aproveitável é usada para alimentação de animais. Fome é substituída por gasolina, por carne e culmina na injusta distribuição e na preocupante constatação que o mundo já consome mais do que a Terra pode oferecer (VEJA, 16/12/2009). É preciso parar e atentar para o que está ocorrendo.
Economia mundial: quo vadis?
Sem dúvida, estamos bem próximos da teoria original do capitalismo formulada por Adam Smith no século XVIII, que concebeu a economia como uma ciência natural, alheia a preceitos morais e normas governamentais. Segundo ele, “só a agricultura produz riqueza” ao passo que os banqueiros exercem a útil função de transformar o “capital morto” (dead stock) em capital produtivo e o poder político existe, na verdade, para defender o rico contra o pobre, vale dizer, aqueles que possuem algo conta os que nada têm” (A riqueza das Nações, livro 5, capítulo 1). Sabedores, porém, de que os lucros aumentam e a desigualdade se perpetua, resta-nos ter a coragem de afirmar que o sistema econômico atual é imoral e ineficiente. Exemplos: juros elevados, FUNRURAL, INSS e SIDE.
A economia do planeta está às vésperas de uma nova arrumação cujo formato não está claro”. (Celso Ming, OESP, 14022010, A doença é mais profunda).
Para alguns, o caso da Grécia é apenas o começo de uma segunda onda de quebradeira mundial. Como brasileiros, queremos nos comportar de maneira responsável contrariamente ao que ocorre com os países ricos que estão com grandes níveis de endividamento. As sete maiores economias do mundo acumulam uma dívida de 50% do PIB (Produto Interno Bruto) mundial, o que equivale a 30 trilhões de dólares.
O Brasil e a partilha solidária dos bens
Da janela do meu escritório pude ver há uma semana uma cena genial: um arco-íris que pairava sobre os prédios do Banco Central e da Caixa Econômica Federal.
Nosso país, nos anos recentes, atingiu indicadores importantes no desenvolvimento econômico e social, por exemplo, apresentou um crescimento de 4,7% ao ano do PIB no período 2004-2008; manteve a taxa anual de inflação na média de 5,1%; cresceu nas reservas internacionais, e os investimentos estrangeiros registraram um recorde de 45 bilhões de dólares em 2008.
Segundo a PNAD (Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílios do IBGE), desde 1995 contingentes expressivos de pobres têm sido incorporados à classe média, que hoje representa 52% da população e que representa 46% da renda nacional, isto significa 90 milhões de pessoas no mercado consumidor e um aumento de 6% ao ano entre 2004 e 2008. Há de se reconhecer que, com a introdução do Plano Real, foi desencadeado no país um processo de crescimento da massa salarial, de novos postos de trabalho e de ensaio de um modelo auto-sustentável.
P o r é m, a desigualdade continua grande e a democracia, como aquele sistema que mais se aproxima do enunciado da fé cristã, precisa assumir esse desafio para melhorar a qualidade de vida da população, combatendo a corrupção, investindo pesado na educação (depoimento de um irmão católico que participou no culto em 07/02/10 em Colonização Panambi, Formosa do Rio Preto/TO “os luteranos logo trataram de criar a escola aqui na Agrovila”.
Sete milhões de jovens iniciaram o ano de 2010 na triste estatística do desemprego.
Mas, é preciso dizer também, que a nossa Dívida Interna alcançou a gigantesca cifra de R$ 1,6 trilhão, e que o governo atual agravou enormemente o fator de retomada do crescimento, pois está gastando demais em cargos, etc. Isso tem gerado uma falta de reais (verba) para a infra-estrutura. E essa, depois da honestidade, é, sabidamente, o que mais falta no país!
O compromisso das Igrejas
Lançamos hoje, depois de um árduo trabalho de preparação e planejamento – daqui o nosso MUITO OBRIGADO à Comissão Organizadora composta por representantes das nossas Igrejas mas também à todos que cooperaram para a preparação da Campanha – a nossa Terceira CAMPANHA DA FRATERNIDADE ECUMÊNICA com o tema Economia e Vida e o lema bíblico do evangelista Mateus “vocês não podem servir a Deus e ao dinheiro”.
O tema e o lema foram escolhidos para responder a pergunta de como vivemos nossa fé em um contexto de miséria e fome, de falta de acesso à saúde, falta de moradias, de precariedade no trabalho e muita insegurança.
Nossa exortação e convite é para refletir, ao longo do tempo da quaresma, sobre os efeitos do atual sistema econômico, sobre a vida das pessoas, sobre o desenvolvimento humano e sobre o meio ambiente.
Como Igrejas junto com a sociedade, pois o tema desse ano extrapola o limite e a terminologia das igrejas, somos chamados a assumir um compromisso explícito e público em palavras e atos de fé:
Criando espaços para a transformação e tornando-nos agentes de transformação a caminho de uma economia para a vida, junto com o povo, com aqueles que sofrem, com a Criação que geme e em solidariedade com as pessoas que estão construindo comunidades alternativas de vida. O lugar das igrejas é onde Deus está atuando, Cristo está sofrendo e o Espírito Santo está cuidando da vida e resistindo aos principados e poderes destrutivos. Estou falando da fidelidade a Deus e do mandato das igrejas de anunciar e defender a vida, dádiva do Criador (primeiro mandamento).
Reafirmando que todo e qualquer sistema econômico deveria estar a serviço da vida e do povo e não do lucro e dos bancos, apenas. Invertendo, portanto, uma lógica que, desde 1944, (Conferência de Bretton Woods/EUA) introduziu a atual fase da economia capitalista mundial. Nesta, sabemos que os pobres ficarão mais pobres e os ricos mais ricos ao passo que, no modelo de Jesus, por exemplo, no socialismo da primeira comunidade, as necessidades de toda pessoa e da pessoa toda são supridas através da justa distribuição dos bens. É a lógica do bem-comum.
Pregando que a dignidade de um povo não consiste na quantidade de bens que ele possui, mas sim no valor humano (imagem de Deus) que lhe é devido, – seu maior crédito – e na educação/formação que lhe é viabilizada – seu maior tesouro. É na palavra, nos sacramentos, na disposição ao sofrer (o que, graças a manipulação da industria farmacêutica, desaprendemos) e na oração que a igreja cristã tem seu poder. Poder que, desde Constantino, tem distanciado a Igreja de Cristo, daquele movimento messiânico que, com Jesus, verdadeiro homem, verdadeiro Deus, inaugurou o Reino de Deus na terra. E se isso significa criticar governantes – na boa tradição de Atos 5.29 “nós devemos obedecer a Deus e não às pessoas” – a Igreja nada mais faz do que sua obrigação. Justamente aqui nós Igrejas devemos também perguntar: servimos a Deus ou a deuses?
Bartolomé de Las Casas, no seu trabalho com os índios no Méxio, citou: Deus ou ouro. Deus da vida e da libertação ou o mortífero deus dinheiro
Pois, ter um Deus nada mais é do que nEle confiar de todo coração e em todas as necessidades. Onde tu colocas o teu coração e daquilo de que esperas ajuda, isso é, na verdade, o teu Deus.
Queridas irmãs, queridos irmãos, povo brasileiro: “Tratar com desigualdade a iguais, ou a desiguais com igualdade, seria desigualdade flagrante, e não igualdade real”. (Rui Barbosa, Oração aos Moços, 1921, em torno do sistema de acesso dos afro-descentes à universidades).
Por isso: Economia e vida. Vocês não podem servir a Deus e ao dinheiro.
Que Deus nos ajude ao longo dessa Campanha da Fraternidade Ecumênica.
Amém!
Pastor Carlos Möller