Domesticamos o Advento

01/12/2021

Amigas e amigos, companheiras e companheiros de fé e caminhada …

Estamos em tempo de Advento. O ambiente criado pelos textos bíblicos provoca visões cheias de expectativas de vida, de experiências humanas, de transformações sociais, políticas e econômicas. Tudo motivado por uma grande ansiedade pela vinda do Salvador. Por isso a Pastoral Popular Luterana se manifesta neste tempo privilegiado.

Domesticamos o Advento. Nas igrejas cristãs de nossos dias ele tornou-se um tempo a serviço de uma fé superficial e piedosa, sem as consequências do que ele significa: a espera de uma criança que será “sinal de contradição … para que se manifestem os pensamentos secretos de muitos corações” (Lucas 2.34s). Damos-lhe uma aparência aceitável, bonita e de conteúdo romântico.

Não que isso seja negativo, mas geralmente o cercamos de tantas luzes, que a sua luz própria fica ofuscada. Nós o envolvemos com tantos ruídos, postagens e votos natalinos que os seus lamentos e gemidos passam desapercebidos. Nada mais tem de sua liberdade original que constrange, envergonha e nos desnuda da desumanidade com que nos vestimos.

Para o advento de sua volta, Jesus coloca a comunidade em sintonia com a realidade (Mc 13). É tempo da comunidade de fé, responsável pelo Evangelho – a boa notícia da libertação – entender o seu mundo e saber qual é a sua responsabilidade. Quando discípulos e discípulas perguntam ao Mestre quais serão os sinais, a resposta é uma descrição dos acontecimentos que cercam a comunidade e provocam muito sofrimento. Jesus faz ver e entender que dias de sofrimento virão e fazem parte da caminhada da fé que se vive em amor, resistência e fidelidade à causa do Evangelho. Não ilude ninguém.

Que fatos da vida podem ser identificados como dias de sofrimento? Vocês ouvirão barulho de balas perdidas atingindo crianças negras, policiais atirando em pessoas inocentes em comunidades empobrecidas, garimpeiros ilegais invadindo territórios indígenas, contaminando seus rios de mercúrio e matando crianças com suas potentes dragas. Haverá medo das milícias formadas por ex-policiais que formam os novos grupos de extermínio, facções do narcotráfico e do crime, órgãos de segurança pública que matam por vingança e para instalar medo e terror nas comunidades. Jovens negros e mulheres negras serão abordados na rua, revistados em espaços públicos, seguidos por seguranças em lojas, supermercados e shoppings center para garantir a segurança dos frequentadores. Serão caluniados, agredidos e mortos pessoas por causa de sua orientação sexual e identidade de gênero. Casais não poderão mais sentar nos bancos das praças a noite para verem as crianças correndo e brincando; e admirar a lua e as estrelas.

Vocês também ouvirão barulho de objetos sendo quebrados, gritos de ameaça e de medo. Verão homens agredindo mulheres, crianças e jovens dentro de lares que deveriam ser espaços de proteção, cuidado e acolhimento. Mulheres serão agredidas, ameaçadas e mortas por seus maridos, ex-maridos e companheiros. Crianças e jovens sofrerão agressões físicas, serão molestadas e estupradas por pais, padrastos, companheiros, tios, avós ou amigos da família. Procurarão enganar vocês afirmando que o preconceito, o racismo, a misoginia, a homofobia e o machismo são o exercício da liberdade individual e de expressão.
Comunidades de povos indígenas serão abandonadas a própria sorte, com cortes de verbas públicas para a saúde e educação. Suas terras serão objeto de desejo e sofrerão invasões. O projeto de extermínio continuará sendo colocado em prática impunemente. Milhares, talvez milhões de pessoas passarão fome por sua situação de extrema miséria. Vasculharão lixos e lixões para encontrar alguma comida. Farão filas e chegarão a brigar para conseguir ossos bovinos e carcaças de frangos. A justiça formal da Lei estará do lado de quem a consiga comprar ou corromper. Muitos ouvirão sobre esses fatos, mas as notícias entrarão por um ouvido e sairão no outro.
Mas não será o fim!

Haverá tempestades tropicais, ventos cada vez mais fortes, chuva de pedras, secas, rios secos, falta de água nos reservatórios, desmatamentos e queimadas. As secas em terras antes bem servidas pelas chuvas que vem da Amazônia se multiplicarão porque escasseiam os rios voadores. Os biomas da Amazônia, Caatinga, Cerrado, Mata Atlântica, Pampa e Pantanal terão sua vegetação nativa degradada pelo desmatamento, queimadas e grilagem de terras. As comunidades tradicionais que vivem nesses territórios serão expulsas. Serão sacrificadas mais de 610 mil vidas humanas na pandemia de um novo vírus porque cuidados básicos cientificamente comprovados, como o uso de máscaras, higienização das mãos e a urgência da vacinação serão temas de campanhas de desinformação e mentiras. A prioridade será salvar a economia antes que se garanta a vida da maioria do povo.
Assim serão os sinais das primeiras dores do parto de uma nova sociedade.

Vocês serão caluniados, perseguidos, ameaçados com violência. Sofrerão ofensas quando levantarem esses assuntos ou outros como o comércio de armas, o tráfico de pessoas, especialmente jovens mulheres, e mortes, muitas mortes. Mas haverá também sinais de resistência e luta: Dia da Consciência Negra; Dia Internacional pela Eliminação da Violência contra as Mulheres, Dia Internacional dos Direitos Humanos; as campanhas e atividade de combate à violência infantil, ao idoso e à pessoa com deficiência; campanhas pela preservação do meio ambiente e das espécies. Ao se envolverem em favor da Vida vocês falarão sobre o Evangelho. E o Evangelho proclama que a Vida vence a morte.

Antes de chegar o fim desse tempo de dores, o Evangelho será anunciado a todos os povos. Mas surpreendentemente, desde os mais vulneráveis, empobrecidos e aparentemente sem estudo.

Sim vocês falarão sobre o Evangelho. As palavras que disserem não serão de vocês, mas virão por meio do Espírito Santo.

É nesse tempo e realidade que nos encontramos. Esses são os sinais de nossos tempos, diante dos quais vivemos o advento da vinda de Jesus. E quem estiver longe ou ignorar as vítimas desse tempo de sofrimentos, mesmo que seja uma pessoa cristã piedosa, está longe de Cristo. O que vocês fizerem ou deixarem de fazer a esses nossos irmãos e irmãs mais pequenos: os famintos, os sedentos, os encarcerados e os nus, foi a mim que vocês o fizeram ou deixaram de fazer (Mateus 25.40,45).

ADVENTO – TEMPO DE ESPERA, SIM.

MAS TAMBÉM TEMPO DE CONVERSÃO!

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