Declaração Ecumênica em Favor de uma Democracia Ampla, Plural e com Participação Popular

02/09/2015

DECLARAÇÃO ECUMÊNICA EM FAVOR DE UMA DEMOCRACIA
AMPLA, PLURAL E COM PARTICIPAÇÂO POPULAR

“A justiça caminhará à nossa frente e os seus passos traçarão
um caminho” (Sl 85.16)

No contexto de comemoração da Semana da Pátria, período em que acolhemos com alegria, a Peregrinação por Justiça e Paz do Conselho Mundial de Igrejas (CMI), o Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil (CONIC) e o conjunto do movimento ecumênico, representado pelo Fórum ACT Brasil reafirma o compromisso e engajamento em favor de uma democracia ampla, plural e com participação popular.

O movimento ecumênico, com o apoio do CMI, nos períodos mais difíceis da história da América Latina, manifestou solidariedade concreta e incondicional. Esta solidariedade resultou no apoio para a criação de canais de comunicação que difundiram para o mundo o que ocorria nos porões das ditaduras de nosso continente. Contribuiu para a difusão de leituras bíblicas contextualizadas, que possibilitassem a superação dos fundamentalismos, colaborou para que pessoas
perseguidas pelos regimes ditatoriais pudessem sair do país, contribuiu para a identificação de restos mortais de desaparecidos políticos. No Brasil, a grande contribuição foi a preservação de memórias dos crimes da ditadura e, nos anos de 1990, a promoção da Década Ecumênica das Mulheres relevante para desvelar o silêncio das mulheres e a violência sofrida por elas.

A Peregrinação por Justiça e Paz, chega ao nosso país em um momento importante da história de nossa jovem democracia. Isso nos provoca a expressarmos o nosso profundo desacordo com os acirramentos de intolerâncias contra religiões de matriz africana, contra populações indígenas, contra migrantes e refugiados, contra a população negra, contra mulheres e LGBTTs. Da mesma forma, expressamos nossa contrariedade com os pedidos que expressam o desejo por intervenção militar e retorno à ditadura. Também expressamos nosso desacordo com as reivindicações por impeachment ou renúncia da presidenta.

Reconhecemos que o período atual é economicamente delicado. Temos convicção de que há um profundo desejo de desestabilização das ordens democráticas e que por trás disso estão os interesses do capital financeiro, que se travestem no agronegócio, na exploração das reservas de minérios e na mercantilização das riquezas naturais, em especial, da água. O assassinato da liderança indígena Semião Vilhalva, ocorrido no território sagrado Ñanderú Marangatú do povo Guarani Kaiowa, provocado por grupos paramilitares, ligados a grandes latifundiários do Mato Grosso do Sul, é um exemplo incontestável das disputas por territórios, promovida pelo grande capital. A paralisação das demarcações das terras indígenas, por parte do poder Executivo, as decisões, da 2ª. Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), que reforçam a tese do Marco Temporal e restringem o conceito de terra tradicionalmente ocupada e a tramitação de proposições legislativas anti-indígenas, comandada pela bancada ruralista no Congresso Nacional, contribuem para um ambiente cada dia mais hostil e violento
contra os povos originários do Brasil. É urgente que o Estado brasileiro cumpra a convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Reforçamos as reivindicações do povo Gaurany Kaiowa pela investigação imediata e profunda do assassinato da liderança indígena Semião Vilhalva e que os responsáveis respondam por isso.

Envergonha-nos o fato de que muitos discursos e violências físicas ocorridas contra religiões de matriz africana, indígena, mulheres, LGBTTs instrumentalizem a religião, em especial a cristã, para legitimar seus discursos de ódio. Isso ocorre, principalmente, no âmbito da política representativa. Nesse sentido, a separação entre Igreja e Estado, expressa na laicidade do Estado, como previsto na Constituição Federal, é essencial para a garantia de plenos direitos para todas as pessoas. Não aceitamos que o cristianismo seja instrumentalizado para justificar violência e discriminações. Também não estamos de acordo com o fato de grupos religiosos atuarem no Congresso Federal contra os direitos humanos e a favor de interesses corporativos da indústria armamentista e do agronegócio.

Como Igrejas, compreendemos que nossa tarefa é contribuir efetivamente para a contenção do avanço da mercantilização dos recursos naturais e das relações humanas. Também reconhecemos o nosso papel para a ampliação de espaços democráticos em que os relacionamentos sejam ordenados mais pelo diálogo do que por imposições. O exemplo de Jesus nos ensina que os autoritarismos, as verdades absolutistas e petrificadas são passos reais para o fortalecimento de relações de poder que se materializa em violência.

Reconhecemos que, como igrejas cristãs, desempenhamos papéis ambíguos e contraditórios na sociedade e na vida das pessoas. Portanto, ao mesmo tempo, em que podemos contribuir concretamente para a paz, também podemos ser a razão para guerras e conflitos. Podemos alienar, mas também despertar. É na tensão entre essas ambiguidades que, como movimento ecumênico, nos comprometemos com a ampliação dos espaços de diálogo. Comprometemo-nos também com a promoção do respeito entre diferentes religiões e de acolhida a todas as pessoas que, por alguma razão, são alvo dos discursos religiosos intolerantes e agressivos. Queremos escutar e sentir a dor dos outros para que possamos trabalhar juntos por uma justiça inclusiva e uma democracia ampla, plural e com participação popular.

Nessa semana da Pátria, cabe-nos o pedido de desculpas por todas as dores e intolerâncias provocados pelos discursos religiosos exclusivistas e negadores de que a igualdade de direitos, em uma sociedade plural, é uma exigência do próprio evangelho: Jesus quer vida abundante para todos e todas.

Deus, ao criar o mundo, tinha o ser humano como meta. Com o ser humano teve início um grande projeto. Qualquer fracasso pelas mãos humanas e, em especial, pelas religiões, significaria o fracasso e a revogação de todo o projeto iniciado por Deus com a Criação

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