Arte sacra no contexto cristão - Início da reflexão

A arte sacra no contexto luterano

08/06/2007

Ex 20, 4: “Não farás para ti imagem esculpida, nem figura alguma do que há em cima no céu, nem em baixo na terra, nem nas águas debaixo da terra”.

Lv 26,1-2: “Não façais para vós falsos deuses. Não levanteis para vós ídolos ou colunas sagradas. Não coloqueis em vosso país nenhuma pedra esculpida para vos prostrardes diante dela, porque eu sou o Senhor vosso Deus. Guardai meus sábados e respeitai o meu santuário. Eu sou o Senhor”.

E ainda: Do Catecismo de Lutero: Primeiro Mandamento Eu sou o Senhor, seu Deus. Você não deve ter outros deuses além de mim.Que significa isto? Devemos temer e amar a Deus e confiar nele acima de tudo. Segundo Mandamento Não abuse do nome do Senhor, seu Deus, porque o Senhor não considerará inocente quem abusar do seu nome. Que significa isto? Devemos temer e amar a Deus e, por isso, em seu nome não amaldiçoar, jurar, praticar a magia, mentir ou enganar;mas devemos pedir a sua ajuda em todas as necessidades, orar, louvar e agradecer.

Diante destas verdades, é patente que qualquer “manifestação para fins venerativos” de imagens ou ícones, certamente estaria incorrendo numa “idolatria” inconteste, e provocando a ira de Deus. (Confira Dt 27,15).

Contudo, buscando um pouco das origens, da história enfim, o ser humano sempre se expressou por imagens, símbolos, e traços, antes mesmo de criar um alfabeto (símbolos para os sons vocais), e isto remonta a 35.000 anos nas recém descobertas arqueológicas, aqui no Brasil, e em outras áreas, nas famosas grutas de Lascaux e Altamira, a 17.000 anos antes de Cristo.

Estas imagens, lá gravadas com pigmentos naturais são até hoje, registro de indiscutível valor artístico, mas acima de tudo o único documento histórico que “não carece de tradução literal” dos hábitos, costumes e vida daqueles habitantes “homo”. Poderíamos “caminhar” um pouco mais através destas belíssimas histórias das artes visuais (quem, quando, onde, porque e para que...) mas nosso espaço remete a uma reflexão mais contemporânea, mais próxima da Renascença, e o Barroco.

Enfim, podemos propor uma retrospectiva pouco antes da época da Reforma:

Lá pelos idos de 1055 houve uma das “cisões” da Igreja. Instalam-se duas vertentes: A Igreja Católica Latina, ou Romana (Ocidental), e a Igreja Católica Bizantina ou Ortodoxa (Oriental).

Neste momento, a Igreja Romana dispensa, por assim dizer, os cânones da “arte Sacra”, e os artistas de então (idade média... Renascença), até as atuais manifestações (Impressionismo, Iluminismo, Contemporâneos), têm a relativa “liberdade de expressão”, promovendo-se largamente a reconhecida “arte religiosa”, na qual prevalece a qualidade profissional do Artista e sua contratação “a preço”, em detrimento de sua espiritualidade e envolvimento na “causa missionária da mensagem divina”.

Isto, como dito, toma uma envergadura bastante relevante, principalmente na Renascença (e no Barroco), nos séculos XIV a XVII, mais precisamente quando se instaura a Reforma Protestante (que prefiro sintetizar em “reforma da Igreja Mãe”, ou como bem dizia Lutero: “Assim Deus seja louvado, pode-se reconhecer de novo a forma de uma igreja cristã”. (WA 30/III,15 = “M Lutero, pág 296). Nesta oportunidade, bem o sabemos, entre as muitas questões envolvidas, destacam-se as suntuosas arrecadações (Indulgências) para financiar as gigantescas obras da Igreja Romana, mas não só dela, como as Igrejas de outros Condados, Feudos, e Cortes.

Estamos novamente diante de uma questão bastante polêmica.

O que se denota desta caminhada, é que passa-se a ter duas vertentes de manifestação visual, como anteriormente citado: A Arte Sacra, e a Arte Religiosa.

A Arte Sacra remonta aos idos anteriores a Idade Média, quando a expressão desta Arte se fazia principalmente para registrar fatos e episódios, ou histórias, bíblicas, em que o Artista, ciente de sua fé (ou não), interpretava tais temas à luz da Mensagem. Ou então, para Veneração ao Único Senhor, Deus o Criador. Isto é, sintetizando em duas maneiras de me expressar:

1. Arte é o caminho mais curto e mais sublime de aproximar os homens de Deus.

2. Arte é compreensão, comunhão com Deus e a Natureza.

Refletindo nestas duas frases, complemento que “Arte Sacra é o ‘religar’ (“religare”), ou seja: A Religião que expressa toda interação, toda comunhão da criatura, com o Criador, através da linguagem visual plástica e sensorial”.

A Arte Religiosa nos transporta para a renascença, mais precisamente naquela época da dita “reforma protestante”, e um pouco antes, quando a Igreja Romana contrata grandes Artistas (só para citar alguns: Leonardo Da Vinci; Michelangelo; ............), para que em diversas áreas como na música, na arquitetura e nas artes plásticas, possam, devidamente remunerados, expressar seus conhecimentos técnicos e artísticos em prol do “antropocentrismo” extravagante. Como disse Pastro: “De alguma forma o homem construía o ‘seu céu’”.

Residiu (e reside até hoje) aí uma das grandes polêmicas nas comunicações artísticas (ouso dizer, em todas elas): A criatura quer ser mais que o Criador.
Esta é novamente uma linha de discussão...

As comunicações artísticas englobam vertentes mais expressivas: A música, as Letras, a expressão corporal, as artes plásticas, enfim, diria:

A comunicação Visual e Sensorial. Neste sentido, a Arte enquanto Sacra, carece de uma conscientização de seu(s) autor(es), de que está a serviço do Criador, e não da criatura, como elo de aproximação através de imagens, gestos e sons que facilitam a outras criatura de conhecerem mais facilmente e mais universalmente a Palavra em sua essência e transparência:
A Palavra é essencialmente uma experiência de vida que nos é trazida como um espelho, no qual nos vemos sempre “virtualmente”, para que entendamos o nosso verdadeiro “ser” em verdade.

Sim, através desta “comunicação visual e sensorial” cada pessoa (temente a Deus ou ateu) tem mais uma oportunidade ímpar, e sem igual, de se aproximar da Palavra de Deus.

As histórias e depoimentos, não poucas vezes, revelam como as imagens e registros visuais podem transcender a mil palavras. Disse Papa Gregório Magno (sec. VI d.C) “a pintura pode fazer pelo analfabeto o que a escrita pode fazer pelos que sabem ler”. (Entenda-se “analfabeto” o desconhecimento de determinada língua).

Na reflexão proposta “A ARTE SACRA NO CONTEXTO LUTERANO” não se precisa ter preocupação portanto com conceitos fundamentalistas ou apologéticos de “idolatria”, mas como um importante veículo de comunicação a seu dispor. Não apenas no sentido da “panfletaria”, ou ilustração literária, ou mera “decoração”, mas como parte integrante do acervo eclesial, especialmente no litúrgico.

Relembro as citadas palavras de Lutero:

“...Isto seria uma Obra cristã... As imagens são uma pregação para os olhos”
({ WA 18, 83} in Marc Lienhard, pág.128).

Aparte disto tudo, lembro de duas “Portas quebra-vento” na entrada da Igreja Luterana em Petrópolis. São dois singelos Vitrôs. Muitos passaram durante “anos” por estas portas, e jamais “se tocaram” do quão belo e expressivo elas são: O Vitrô da direita é uma imagem do Apóstolo Paulo sustentando uma Bíblia; o da esquerda é a imagem de Moisés com a Tábua. Quanta estória e quanta história, podemos contar e refletir “apenas” com estas duas magníficas Obras produzidas (interpretadas) por Carlos Oswald, um dos maiores Artistas de Arte Sacra e Gravurista do séc XX, com curta passagem por esta cidade: Um é o mensageiro das leis mosaicas; o outro... a mensagem viva de Cristo. Ambos representam a Palavra Divina... Contemple a foto. (foto W.L.Berner 2001) . Lembra-nos Augusto Cury, em seu livro “Mestre da Vida”, (pág. 182) ao referir-se a Jesus: “Sinto-me limitado para descrever a grandeza e os mistérios que cercam a mente de Jesus Cristo. De cada frase que proferiu poderíamos escrever um livro. De cada silêncio, uma poesia. De cada controle da emoção, um princípio de vida. Sinceramente, os recursos lingüísticos para descrevê-lo são restritos”.

Sim, “os recursos lingüísticos para descrevê-lo são restritos”. Sem dúvidas, principalmente se for desejado “universalizar” a Palavra e a vida de Cristo, não existiriam páginas suficientes para descrever este “MESTRE” a quem se refere Dr Cury, a quem nos revela a Bíblia. No entanto, quer sejam Obras Religiosas ou Obras Sacras, estas sintetizam toda a Mensagem sobre uma única Tela, ou sobre uma única Escultura: Confira “A volta do Filho Pródigo” de Rembrandt (séc XVII) ou “a Pietá” de Michelangelo (séc XVI).

Além de tudo, a criatividade do Artista quando interpreta um tema, ciente de sua responsabilidade frente à comunicação, e a importância que ele exerce no espectador, transcende a toda e qualquer palavra, em qualquer idioma, e permite a este espectador o devaneio da imaginação.

Diz-nos o Psicanalista Dr Cury, em seu livro “Inteligência Multifocal” (pág 31): “...quando procuramos contemplar e compreender o espetáculo da construção dos pensamentos, não podemos deixar de nos encantar com a obra-prima da mente humana”.

... E complemento esta primeira reflexão:

1. “O mundo das artes é o devaneio da criatividade proveniente do Criador Supremo, de Deus”.
2. “Comunicar-se através da arte é um privilégio daquele que se encoraja na prática e na vontade de externar seus sentimentos para que seja visto, ouvido, e até sentido”.

Através das Artes visuais e sensoriais, quer sejam nos vitrôs; nos hinos sacros; nas interpretações teatrais e de dança litúrgica; nos paramentos; nos elementos do Altar, nos símbolos do Calendário Litúrgico, (como árvore da Páscoa; coroa de Advento; árvore de Natal...); nas arquiteturas de Templos e suas Torres, já se está veiculando a Palavra, mas carece que cada representação desta tenha a devida e correta correlação.

É de se salientar ainda que através destas manifestações sacras se propõe uma perpetualização, ou no mínimo uma sustentação (enquanto dure), da pura e verdadeira Mensagem.

Bibliografia:

Lienhard, Marc / Martim Lutero - Tempo, Vida e Mensagem / Sinodal – IEPG; 1998.
Bíblia RA / SBB.
Bíblia Vozes / CD Seafox.
Lutero, Martinho - trad. Schüler, Arnaldo / Os Catecismos / Concórdia e Sinodal 1983.
Pastro, Cláudio / Arte Sacra / Paulinas 2001.
Cury, Augusto / Análise da Inteligência de Cristo - O Mestre da Vida / Cia. da Inteligência 2003.
Cury, Augusto / Inteligência Multifocal / Cia de Inteligência 2003.


- Introdução ao tema

- Início da reflexão

- Segunda reflexão

- Terceira reflexão - Música

- Quarta reflexão - Arte sacra na expressão corporal

- Quinta reflexão - Um exemplo de mensagem através da arte

- Sexta reflexão - A Arte a serviço de quem ou de que?

- Sétima reflexão - Profano ou santo?

- Oitava reflexão - Música, história e adoração

- Nona reflexão - A Ceia do Senhor (Prédica)


Autor(a): Walter L. Berner
Âmbito: IECLB / Sinodo: Sudeste / Paróquia: Petrópolis (RJ)
Natureza do Texto: Artigo
ID: 6735
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